MODOS
DE OLHAR
Quando
me preparava para iniciar esta crónica li a frase, citada in The Nag Hammadi Library: “Reconhece o que está à vista e aquilo
que está escondido de ti tornar-se-á claro aos teus olhos”. Reconheço que o
entendimento da frase não é fácil. É que a vida surpreende-nos, a cada dia, com
factos inesperados, tanto pela positiva como pela negativa, sem que
aparentemente possa haver qualquer controlo e previsibilidade da ocorrência
para que, perante o que os nossos olhos veem, haja uma clara justificação dos
factos ou do alcance dos mesmos.
Um
desses factos passou-se com Nicky Hayden, americano, de 35 anos. Trata-se de
uma lenda do desporto motorizado, piloto da Honda em Moto GP e campeão do mundo
em 2006, nesta categoria. Foi anunciado que não resistiu aos ferimentos
causados por um acidente em Rimini, em Itália. Não, não foi em corridas de moto…
foi abalroado por uma viatura ligeira, quando seguia de bicicleta. Soube-se que
a última dádiva do piloto terá sido a doação dos seus órgãos, desejo que terá
sido cumprido pela família.
No
exterior do Manchester Arena, em Inglaterra, logo após a conclusão do
espetáculo da cantora americana, Ariana Grande, que contou com a presença de
cerca de 21000 espetadores, um bombista suicida fez-se explodir. Com número de
mortos a rondar vinte e dois e o número de feridos a ultrapassar os cem, dos
quais vinte e três em estado muito grave e, como sempre nestas circunstâncias,
o pânico instala-se e leva a que estes números reflitam também casos de
espezinhamento, na tentativa de fuga. De imediato sobressai uma onda de
solidariedade e gestos bonitos. Moradores a oferecerem camas às pessoas
afetadas pelo atentado. Taxistas a oferecerem transporte gratuito a quem fugia
daquele local. Uma senhora, de 48 anos, que estava próxima da estação de
Victoria, a pedir aos jovens (que fugiam), para a seguir, tendo encaminhado
cerca de cinquenta, que correram com ela para o Hotel
Holiday Inn Express e onde deu conhecimento da notícia via Facebook,
localização e número pessoal de telemóvel, para tentar sossegar os pais que não
sabiam dos filhos. Dois sem-abrigo, um de 33 anos e outro de 35 anos, que se
encontravam no local, em vez de fugir terão ajudado várias pessoas, incluindo
crianças e viraram “heróis” improváveis; um deles, devido à visibilidade nos
meios de comunicação social, terá agora oportunidade de reencontrar a sua mãe,
com quem tinha perdido o contacto há anos; ao outro foi oferecido alojamento
por 6 meses. Na manhã seguinte, estiveram juntos os líderes das várias
comunidades locais, para mostrar união e solidariedade. José Mourinho – que já
foi considerado o melhor treinador de futebol do mundo e que muitos têm vindo a
dizer que já não tem a garra de outrora para estas lides, ao deixar o
Manchester United em 6.º lugar na Premier
League, nesta época, apesar de ter vencido a Supertaça e a Taça da Liga –,
48 horas depois do atentado em Manchester contribuiu para atenuar o sofrimento
dos habitantes desta cidade ao conseguir com que o Manchester United ganhasse a
final da Liga Europa, e tivesse entrada direta na Liga dos Campeões; tal,
possibilitou que um simples jogo de futebol ajudasse a elevar o moral de quem
se sente atacado.
Mário
Centeno, ministro das Finanças, foi por diversas alturas contestado e ainda se
insiste com audição na AR – Assembleia da República, a propósito do caso dos
“Offshore”. Foi igualmente contestado, de forma dissimulada, por algumas
figuras de proa nas instâncias europeias, como é caso de Wolfgang Schäuble,
ministro das Finanças alemão. Este último, em outubro de 2015, desagradado por
não ficar a governar o partido vencedor das Legislativas, referiu que Portugal
estava a ter sucesso até à chegada do novo Governo [liderado por António
Costa]. O mesmo, em fevereiro de 2016, “encorajou fortemente” a equipa do
ministério das Finanças de Portugal “a não fugir ao rumo bem-sucedido que vinha
sendo seguido”, para em junho de 2016, deixar o cutelo no ar, como
possibilidade de haver um segundo resgate, insistindo na necessidade de
cumprimento das regras europeias. Agora, Centeno anuncia: a boa notícia (ainda
sob a forma de previsão) de que a economia deverá crescer 3% no segundo
trimestre de 2017; reforça a ideia do controlo das finanças públicas e
estabilização da dívida pública; através da UTAO – Unidade Técnica de Apoio ao
Orçamento quer antecipar o pagamento de parte da dívida ao FMI – Fundo
Monetário Internacional, entregando-lhes 7,2 mil milhões de euros em 2018 e
2019, permitindo poupanças ao Estado, em juros. Durante um ano, Centeno assume
a presidência do Concelho de Governadores do BEI – Banco Europeu de
Investimentos, instituição que em 2016 teve um volume de financiamento de 83,75
mil milhões de euros, dos quais 1,486 mil milhões foi direcionado para a linha
de crédito da banca portuguesa, para apoiar as PME – Pequenas e Médias
Empresas, para requalificação urbana e para a Indústria. Depois de Mário
Centeno entregar o pedido e ver concedido a saída de Portugal do PDE –
Procedimento por Défice Excessivo, não deixa de ser curioso saber que Wolfgang
Schäuble ter-se-á referido a Centeno como o “Ronaldo do ECOFIN”. Paira ainda no
ar a hipótese de vir a suceder ao presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem,
apesar de lhe ter sido pedido pelo presidente da República e primeiro-ministro
para o não fazer.
Em
fevereiro deste ano, no dia dos namorados, no Theatro Circo, em Braga, senti
que a assistência estava rendida perante a atuação da Luísa Sobral. Eu era um
deles. A meio do espetáculo apresentou uma surpresa: o Salvador. Chegado à boca
de cena, com ar algo estranho, limitou-se a um tímido “olá”, provocando risos,
e ainda mais quando a Luísa Sobral afirmou que tinham combinado que ele só diria
aquilo. Cantou uma canção, sem letra, como quem está a trautear de improviso e
saiu-se bem, embora continuando a soar a estranho para o público. Mais estranho
pareceu quando venceu o Festival da Canção, que o obrigou a ir ao Festival
Eurovisão da Canção e viria a ganhar com um resultado histórico – a maior
pontuação alguma vez atribuída a uma canção – 758 pontos e ainda por cima
cantada em português! Na noite do Festival da Eurovisão, estiveram cerca de 2,4
milhões de portugueses a ver a RTP1, tal como se fosse um dos decisivos jogos
da seleção nacional de futebol. Disse que nunca tinha visto esse Festival e
mostrou a sua imagem anti-vedeta. Quando foram ambos entrevistados na RTP1, a
irmã disse que o “segredo foi levarmos uma coisa genuína e sem o intuito de
ganhar”. Disse ainda que quando escreveu ”a canção não era para ganhar mas para
a voz do meu irmão”. Por sua vez, ele afirmou que “a Luísa tem canções muito
mais bonitas do que Amar pelos Dois”. Destaco, da entrevista, a frase da Luísa
Sobral: “É bonito quando algo parece ser impossível para o país, e conseguimos
provar o contrário!”
Na
verdade… estamos sempre a ser surpreendidos. Já dizia Wayne Dyer (autor
americano, com vários livros de auto-ajuda): “Mude o modo como você olha para
as coisas, e as coisas que você olha mudarão”.
© Jorge Nuno (2017)