UM
PAÍS DE VANGUARDA
(Primeira parte)
Senti
um genuíno interesse na leitura de “Conquistadores – Como Portugal Criou o
Primeiro Império Global”, de Roger Crowley. Este autor, que escreveu diversas
obras de história, também nesta procurou avidamente o rigor, sendo inevitável que
teve, para tal, de efetuar uma vasta investigação, baseada numa imensidão de documentos
da época e traduções existentes. Inicialmente, não dá mostras de pretender
enaltecer as qualidades dos portugueses, enquanto povo de vocação marítima,
pois retrata muitas das suas fraquezas, ocultadas nos livros convencionais da
história de Portugal. No entanto, acaba por relatar “como uma das nações mais
pequenas e pobres da Europa pôs em movimento as forças da globalização que hoje
dão forma ao mundo” e viveu a sua época de ouro no século XVI, temida (pelo
poder dos canhões da artilharia marítima), respeitada (pela ousadia e também
pela oportunidade de comércio) e odiada (tanto pelos muçulmanos, face à
obstinada cruzada para “o extermínio do islão e propagação da cristandade sob
um monarca universal[1]”,
e por todos aqueles que perdiam direitos e influência, à medida que as naus
portuguesas iam avançando rumo à expansão territorial e comercial). As
iniciativas do rei D. Manuel I – que viria a assumir o título de “rei de
Portugal e dos Algarves, Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da
Arábia, Pérsia e Índia” – tiveram a bênção papal, com direito à “posse perpétua
das terras conquistadas aos infiéis, onde outros reis cristãos não tivessem
reivindicações”.
É
certo que naquela época houve um enorme esforço na construção de naus, canhões
de bronze e outro armamento, angariação de tripulação e preparação das viagens,
mesmo fazendo uso do ouro da Guiné e dos bens de judeus expulsos. Essas viagens
realizavam-se em condições difíceis: elevado risco; desconhecido; hostilidades
encontradas; insuficiente provisão de água doce e falta de lugares para
abastecer; falta de géneros alimentares frescos e, principalmente, de citrinos,
que tanto dizimaram tripulações. Mas com as boas notícias trazidas da Índia, no
regresso de Vasco da Gama (mesmo que a viagem ficasse ensombrada pela perda de
dois terços da tripulação), também houve um excelente trabalho na ocultação de
segredos – obtidos com muito sangue, suor e lágrimas – e na divulgação dos
êxitos, que chegaram aos pontos estratégicos da Europa e, em particular, Veneza,
Génova e Florença, que detinham o monopólio do comércio de especiarias (vindas
por terra, até ao Egito).
No
final daquele reinado, ao nível de imagem exterior, Portugal estaria no auge,
muito favorecido pelo comércio florescente, que seria fruto de um “projeto,
simultaneamente, imperial, religioso e económico”. Tal, foi sustentado pela influência
dos padres, monges e cavaleiros da Ordem de Cristo e dos astrólogos reais, mas
acima de tudo pela obstinação de um monarca que, tendo herdado a coroa do primo
– D. João II – acreditava “num destino messiânico” e predestinado a estes
feitos. Arrogando-se “ter herdado o manto do seu tio-avô – o Infante D.
Henrique, ‘O Navegador’ –, invocou obediência à sua missão divina” para
prosseguir, perante a oposição da nobreza. Agora, seria um país ainda mais
forte do que o de D. João II, anterior monarca que teve o arrojo de discutir e
fazer aprovar o tratado de Tordesilhas, com os reis católicos Fernando de
Aragão e Isabel I, “regateando a posse do mundo”, que dividido em dois seria
pertença de Portugal e de Espanha, mais uma vez com a bula papal.
Entre
imensos factos surpreendentes, realça-se a iniciativa e o secretismo de D.
Manuel I no envio de emissários “a Henrique VII, em Inglaterra, ao rei Fernando
de Aragão, em Espanha, a Júlio II [papa], a Luís XII, em França, a Maximiliano
I, sacro imperador romano, convidando-os a participar numa cruzada naval pelo
Mediterrâneo até à Terra Santa”, mas em que houve falta da resposta esperada. No
entanto, D. Manuel I manteve firme a ideia de “destruição do bloco islâmico”, rotulado
de “infiéis”. Em julho de 1505, “o papa concedeu a D. Manuel I um imposto de
cruzada que poderia ser cobrado durante dois anos e remissão de todos os
pecados para quem nele participasse”. Convenhamos, seria reconfortante e uma
atenuante para quem participasse nestes ferozes combates, saber que todo o mal
causado a outrem ficaria livre da condenação divina.
(Continua)
© Jorge Nuno (2017)
[1]
Uma xilogravura de 1514 mostra-nos o rei D. Manuel I no trono, tendo à sua
direita e esquerda, respetivamente, as armas do reino e a esfera armilar e,
ligado ao ceptro real, uma fita com “DEO IN CELO TIBI AVTEN IN MVNDO” (A Deus
no Céu e a Ti na Terra), o que faria a “ligação entre o terreno e o divino,
perspetivando-o como um soberano universal a “aspirar ao título de imperador de
um reino messiânico cristão”.