UM
PAÍS DE VANGUARDA
(Segunda Parte)
Depois
da época áurea do séc. XVI – altura em que “Portugal criou o primeiro império
global”, e reforçou a presença em várias partes do globo, em grande medida sustentada
na “diplomacia musculada”, suportada pelo poder bélico da artilharia marítima –
mesmo após mais cinco séculos de existência, numa caminhada plena de altos e
baixos, pode haver a tentação de se pensar e dizer que Portugal vive do
passado, que os portugueses são saudosistas… Creio que os portugueses têm boas
razões para sentir orgulho nos seus antepassados, tal como a letra do hino
nacional faz apelo: “Heróis do mar, nobre povo / Nação valente, imortal / (…) ó
Pátria sente-se a voz / dos teus egrégios avós / que há de guiar-te à vitória
(…)”. Também, de ter orgulho nos que se destacam no presente, pela positiva.
Tudo isto, sem precisar de nacionalismos exacerbados. Mas os portugueses são
conhecidos pela tendência generalizada para a modéstia, a simplicidade, o
afeto, a simpatia, que tanto faz aproximar as pessoas – certamente, longe da
perfeição – mas também conhecidos pela firmeza, visão, entrega e combatividade,
sempre que há caminhos difíceis a percorrer e obstáculos a ultrapassar.
O
teor inicial desta crónica pode transmitir a ideia de se estar no papel de juiz
em causa própria, mas as caraterísticas de Portugal e dos portugueses podem
ser fonte de inspiração para outros povos. Logo após a criação de um governo minoritário
construído pelo segundo partido mais votado nas últimas eleições legislativas,
apoiado em partidos de esquerda com assento parlamentar – que à boa maneira
portuguesa foi apelidado de “geringonça” – foram contrariadas/desafiadas as
pressões externas, face à elevada dívida pública portuguesa e aos compromissos anteriormente
assumidos. Decorridos menos de dois anos, terão ficado “deslumbrados” os mais
céticos, face aos progressos obtidos. A tal ponto de algumas delegações
estrangeiras virem a Portugal ver, “in loco”, o que fazer e como fazer, em
condições semelhantes nos seus países. Ou o caso mais recente em que, na luta
pela sua independência, catalães exibem cravos vermelhos, numa alusão à
“revolução do cravos” de 1974, em Portugal, com alguns deles a cantar de cor
“Grândola Vila Morena / terra de fraternidade / o povo é quem mais ordena
/dentro de ti, ó cidade (...)”, num português perfeitamente entendível; tal,
não é novidade, pois há muitas décadas que galegos entoam a canção de raiz popular
portuguesa, celebrizada por Zeca Afonso: “Senhora do Almortão / ó minha linda
raiana / virai costas a Castela / não queirais ser castelhana (…)”.
O
“beber ideias” em Portugal acontece em várias áreas, com incidência ao nível da
saúde, de que se destaca a Fundação Champalimaud / Centro Clínico Champalimaud
–“Instituição médica, científica e tecnológica de última geração” –, com
programas avançados nos campos da neurociência (tendo como novidade o
tratamento de depressão, com máquina), e o sucesso no tratamento e investigação
em doenças do foro oncológico. O neurocientista português, Rui Costa, principal
investigador e diretor da Champalimaud Research foi distinguido, em junho de
2017, pela Academia Real de Artes e Ciência da Holanda, com a medalha “Ariëns
Kappers”, por abrir caminhos “ao desenvolvimento de novas estratégias para
tratar distúrbios como a doença de Parkinson, distúrbios de espetro autista e
perturbações obsessivo-compulsivas”. São fortes razões para virem aqui (e para
aqui) vários investigadores e especialistas estrangeiros.
Fruto
de políticas controversas, bastaram dez anos para tornar Portugal “o país
europeu com menos abortos por cada mil nascimentos”, reduzindo drasticamente o
risco de vida e perseguição a que estavam sujeitas as mulheres que, pelas mais
variadas razões, decidiam abortar.
Após
investigadores, cientistas e empresas portuguesas darem contributos à NASA, na
exploração espacial, surge agora a notícia de que investigadores do Instituto
Superior Técnico, com o apoio do Instituto de Telecomunicações, venceram o
concurso para colocar um satélite no espaço, através da Agência Espacial
Europeia, competindo com outros projetos europeus. O satélite será 100 %
português, ao nível de design, software e hardware, sendo anunciado que “destina-se a seguir aeronaves em voo”.
Um
artigo escrito, em julho de 2017, em “O Jornal Económico”, por Leendert Verschoor
e Meihui Chenxu, e intitulado: “Portugal: o segredo mais bem guardado da
Europa”, dá pistas para empresários e investidores fixarem aqui a sua
residência, e não é só pela “excelente qualidade de vida a um baixo custo” ou
por ser “um país seguro, com mais de 300 horas de sol por ano e com fortes
ligações ao resto ao mundo”.
Também
ao nível do turismo, tem-se falado em Portugal, como um segredo bem guardado,
pelo menos até agora. É que a diversidade da paisagem, o preservado património e
o clima, a par do perfil dos portugueses, tudo conjuga para este país ser
talhado para o turismo. Senão vejamos:
–
A cidade do Porto, em 2017, recebeu pela terceira vez o prémio de “melhor
destino europeu” pela “European Best Destinations;
–
Lisboa, para a CNN, é a cidade mais “cool” da Europa e, da revista Wallpaper,
recebeu o galardão de “melhor design de uma cidade”. No ano anterior, Lisboa já
tinha sido considerada, pela Tapestry Research, “a cidade mais vibrante da
Europa” e premiada, pelos World Travel Awards como “o melhor destino de
cruzeiro”;
–
Agora é a vez de Portugal ser premiado, também pelos World Travel Awards, como
“o melhor destino turístico europeu”, o porto de Lisboa eleito “o melhor porto
de cruzeiros da Europa” e o Turismo de Portugal, pela quarta vez consecutiva,
eleito “o melhor organismo europeu oficial de turismo”.
Cada
vez mais é frequente ouvir-se o hino nacional e o içar da bandeira portuguesa
em eventos desportivos internacionais/mundiais, com atletas portugueses no
pódio, englobando grupos etários cada vez mais jovens, o que é promissor.
Entretanto, vamos ficando deslumbrados com a “loucura” de alguns atletas e
aventureiros portugueses, muitos deles com forte ligação ao mar. É o caso de
Francisco Lufinha, velejador e recordista da maior travessia sem paragens em kitesurf. Já tinha percorrido 874 km, em
48 h, entre a Madeira e o continente. Agora foi a vez de percorrer, em dez
dias, cerca de 1646 km entre Ponta Delgada / Açores e Oeiras, acompanhado da
sua convidada, a alemã Anke Brandt. Ambos tornaram-se recordistas da maior
travessia oceânica em kitesurf.
Fernando
Pessoa escreveu a seguinte quadra, no conhecido poema “O Infante”: “Quem te
sagrou criou-te português / do mar e nós em ti nos deu sinal / cumpriu-se o
Mar, e o Império se desfez / Senhor, falta cumprir-se Portugal!”. Pois então,
cumpra-se, já que há massa cinzenta e gente entusiástica e destemida q.b.
Tal
como é possível ler num painel de azulejos de uma loja na zona histórica de
Braga: “Não pedi para ser português, apenas tive sorte”.
© Jorge Nuno (2017)