COMO VAI O TEMPO?
Poderia pensar-se numa cena no elevador do
prédio, a arranjar-se uns breves segundos de conversa com dois vizinhos, para
retirar o desconforto de estar calado. Mas não, não é obrigatório falar-se de
tempo. Ou talvez sim, se já houver alguma proximidade e comungar-se do mesmo
fervor clubístico. Aí já se pode entrar a matar:
— Ouviste a notícia de hoje? Como é possível a primeira
liga portuguesa de futebol estar em 4.º lugar a nível europeu, pelas piores
razões?
— Ouvi
sim. É sobre o tempo de jogo útil, não é? Parece impossível como só se joga 52%
dos noventa minutos de jogo. Mas o nosso Benfica é a equipa portuguesa que tem
mais tempo de jogo útil! Pelo menos é o que diz o Observatório do Futebol…
— Nem
sei como isso é possível, pois as equipas que jogam contra nós estão sempre a
fazer antijogo, a atirar-se para o chão, só para perder tempo.
— Aqueles
jogadores deviam estar inscritos no “Walking Football”… viste a notícia na TV?
Há equipas de jogadores seniores a competir e, para comemorar o Dia Mundial da
Terceira Idade, viu-se um bocadinho de um jogo, onde os jogadores não podem
correr, porque as regras são mesmo essas.
— Mas olha que nós também temos dois ou
três que não sujam a camisola com um pingo de suor!...
— O Néné também era assim e marcou quase
600 golos! No fim, o que é preciso é chegar à frente…
O elevador para no andar, um deles abre e
segura a porta, e pronto… perde-se a noção do tempo. A partir daqui, só quando
alguém, no rés-do-chão, dá uns murros vigorosos na porta do elevador é que
acaba abruptamente a conversa, com a promessa de se retomar o assunto.
Na verdade, seria assim tão entusiasmante
falar-se de 300 dias, como tempo de espera médio, para um cidadão obter a
pensão unificada, após descontos de uma vida para a Caixa Geral de Aposentações
e para a Segurança Social? Ou sobre o agravamento do tempo de espera por cirurgias
e consultas, e ainda mais quando se trata de consultas da especialidade; será
de considerar como normal a espera, em média, de 180 dias por uma cirurgia de
prioridade “normal”, ou de três anos por uma consulta de cirurgia de obesidade?
Ou doentes com cancro que esperam cerca de sete meses por uma junta médica, no
mínimo, para obterem o “atestado multiusos” para isenção de taxas moderadoras,
já o que o mais certo é serem reencaminhados novamente para o seu posto de
trabalho, sem direito a certificado de incapacidade temporária, logo, sem baixa
médica prolongada? Ou sobre a simples renovação de um cartão de cidadão,
anunciado como demorando “apenas cinco minutos”, pode demorar horas, dias
semanas e até meses, com os serviços em rutura e senhas limitadas. Ou sobre o
tempo de espera por um comboio que foi suprimido sem se dar conhecimento
prévio? Ou sobre o exagerado tempo de espera para levantar uma carta registada
na estação dos correios, a cinco quilómetros da área de residência, depois de
fechar a que havia a 300 metros?
Como vai o tempo?
— Isto está tudo mudado. Já não é o que
era!
— diz a vizinha idosa que vai dar comer aos gatos da rua.
No hall do prédio, cruzam-se novamente os
vizinhos.
— Então… há novidades?
— Se há!... Descobri um canal que não é
pago. É o canal 11. São 24 horas diárias de transmissão da Cidade do Futebol.
Aquilo é futebol dos sub-17, sub-19, Liga Revelação, jogos do Campeonato de
Portugal, vários escalões de futsal e futebol de praia… imensos jogos de
competições tanto masculinas como femininas…
— Vá lá… finalmente já era tempo de
fazerem qualquer coisa de jeito!...
© Jorge Nuno (2019)