AQUI HÁ GATO!
Há
pouco mais de um ano li uma deliciosa história, vinda do Oriente, e atribuída
ao mestre Zen Goso Hoyen, mencionado diversas
vezes por Osho – mestre espiritual
indiano, professor de filosofia e conferencista –.
Reza
então o seguinte: O filho de um ladrão, ao ver que o pai estava a ficar velho e
não poderia prosseguir por muito mais tempo aquela “arte”, pediu-lhe que o
ensinasse, para que houvesse continuidade nos negócios. O pai terá concordado e
saíram ambos para assaltar uma casa, naquela mesma noite.
Chegados
à casa, o experiente larápio disse ao filho, enquanto abria uma arca – Mete-te
aqui dentro e escolhe a roupa que quiseres –. Assim que ele entrou na arca, o
pai fechou a tampa e trancou-a, impedindo o rapaz de sair. Como se isso não
bastasse, o pai fez imenso barulho, com o propósito de acordar os moradores e depois
saiu, sorrateiramente, em silêncio.
Compreensivelmente
aterrado, o rapaz procurou uma forma de se livrar daquela situação e lembrou-se
de imitar um gato. Perante o barulho anormal, seguido do miar do gato, o dono
da casa disse à criada para ir ver o que se passava naquele compartimento. Ela
aproximou-se da mala, de candeia em punho, e mal abriu a tampa o rapaz soprou a
chama da candeia e fugiu, indo os moradores atrás dele. Ao ver um poço junta à
estrada, o rapaz pegou num pedregulho, atirou-o para dentro do poço e
escondeu-se próximo, a coberto da escuridão, enquanto os perseguidores pareciam
conformados e satisfeitos com o afogamento do ladrão.
Chegado
a casa, o rapaz mostrou toda a sua fúria pela atitude do pai, que tinha
colocado em risco a sua vida, e quando se esforçava para explicar o que lhe
tinha acontecido, o pai diz-lhe – Não precisas de me dar pormenores. Se estás
aqui é porque aprendeste o ofício!
Lembra-me
também o comentário cáustico à “parábola do bom e do mau ladrão” no Calvário,
em que não poderia haver bom ladrão, pois ambos tinham sido crucificados. Se
era bom ladrão porque mostrava não só arrependimento e fé, mas também sentimentos
de justiça, caridade e até de coragem, deixava de o ser por ter sido apanhado.
Transportando
para os dias de hoje, estamos a viver momentos conturbados, em que há um
desacreditar total na política e nos políticos. Viu-se o que aconteceu com os
defensores da democracia a quererem impor a democracia a outros povos, com
culturas muitos diferentes, as quais aceitam naturalmente a autocracia, a
oligarquia, a teocracia... Depois da borrada feita, é confrangedor ver o enorme
e inglório esbanjar de recursos, materiais e de vidas humanas, para tentar – pela
força das armas – dar um novo rumo ao planeta. É confrangedor observar o
exemplo de muitas democracias ocidentes que se estão a tornar em verdadeiras
cleptocracias - que literalmente se designa por “Estado governado por ladrões”,
em que ainda relativamente jovens, alguns têm engenho e arte para aprender
depressa e sem ser necessário a intervenção do mestre! E como é confrangedor
observar que muitas vezes temos a atitude daquela criada, de candeia na mão, a
abrir a arca, a facilitar… distraídos com o miar forjado do larápio, e
deixamo-lo sair, sorrateiramente, como um bom ladrão, que nem arrependimento
mostra. Apenas deixamos transparecer, com alguma candura – Aqui há gato!
© Jorge Nuno (2015)
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