NO MELHOR E NO PIOR
A história poderia acabar na cerimónia, com
o padre a dizer – “Na presença da família, dos amigos e de Deus eles irão
trocar os seguintes votos: que se apoiarão mutuamente a partir de hoje, na
riqueza e na pobreza, no melhor e no
pior, na saúde e na doença (…)” –. Desculpem se vos transmiti essa ilusão,
mas esta crónica não se baseia numa história que acaba em casamento; que regra
geral começa bem e tantas vezes acaba mal; ou, embora menos frequente, que
começa mal e acaba bem!
Também não terá a ver, unicamente, com
excessos ou defeitos de interpretação decorrentes da nossa personalidade e do
nosso modo de olhar; por isso é que terá surgido o rótulo de pessoas otimistas
e pessimistas. Sobre estes, muito novo, aprendi que “os otimistas são patetas
alegres” e “os pessimistas são patetas tristes”, embora passado 50 anos apenas
não tenha dúvidas: que os pessimistas são patetas tristes; e que eu continuo a
não gostar de ver atribuídos rótulos em pessoas.
Indo direito ao assunto, sem mais demoras,
esta crónica aborda, sumariamente, alguns feitos de que somos capazes – “no
melhor” – e que nos faz sentir uma pontinha de orgulho, mesmo que diretamente o
esforço não seja nosso, assim como aqueles aspetos que deixam um sabor amargo,
por representarem o lado negativo e nos colocarem numa posição delicada, por
oposição – “no pior” – onde, mais uma vez, não deixamos indícios de ter feito qualquer
esforço direto para evitar.
Recentemente,
fiquei muito agradado por saber que:
– O Mercado
do Livramento, em Setúbal, foi incluído pelo USA Today na “lista dos mais famosos mercados de peixe do mundo”;
– Através do
“Readers’ Choice”, em “10 Best’s” – uma divisão do mesmo USA Today –, por votação, Portugal foi
escolhido como o melhor país europeu;
– Segundo The Gardener’s Garden, da Phaidon Press, há cinco jardins em
Portugal entre os melhores 250 jardins do mundo, sendo eles: Serralves, no
Porto; Palácio da Fronteira, em Lisboa; Quinta da Regaleira, em Sintra; Quinta
do Palheiro, no Funchal e o Parque Terra Nostra, nas Furnas, Açores;
– Foi
aprovado pela UNESCO a criação da Reserva da Biosfera, após candidatura
conjunta englobando as regiões de Bragança, Zamora e Salamanca; será
considerada a maior reserva transfronteiriça da Europa e equivale a ter “um
selo de qualidade”, pelo uso e preservação da biodiversidade;
– O jornal
online norte-americano The Hufftington Post, através da sua
secção de viagens, considerou o Douro o melhor itinerário turístico fluvial da
Europa;
– A cidade
do Porto foi eleita, por dois anos seguidos, o Melhor Destino Europeu; foi
também colocada, pelo Finantial Times,
na lista das dez cidades do sul da Europa mais atrativas para o investimento
estrangeiro;
– O chairman e fundador da Fosun – de nome Guo Guangchang – terá
influenciado os investidores, particularmente chineses, ao considerar Portugal
como melhor país da Europa para investir;
– Cinco
treinadores portugueses brilharam ao sagrarem-se campeões nos respetivos
campeonatos nacionais de futebol, na época 2014/2015, pelo Chelsea
(Inglaterra), Basileia (Suíça), Zenit de São Petersburgo (Rússia), Olyimpiakos
(Grécia) e S. L. Benfica (Portugal);
– Três
atletas portugueses brilharam ao serem considerados: o melhor jogador de futebol do mundo, pela
3.ª vez (pela FIFA); o melhor jogador de futsal do mundo, pela 2.ª vez (através
de votação no Site Futsal Planet) e o melhor jogador de futebol do Europeu
Sub-21, em 2015 (através de um painel de especialistas da UEFA);
– Portugal
esteve no pódio dos Jogos Europeus de Baku, Azerbaijão, em diversas
modalidades, obtendo dez medalhas: ouro – nas modalidades de Ténis de Mesa,
Taekwondo e Judo; prata – em Triatlo, Tiro e Canoagem K1 1000 m e 5000 m;
bronze –em Futebol de Praia, Taekwondo e Trampolim Sincronizado Feminino;
– Um grupo
de investigadores portugueses foi premiado por terem vindo “a desenvolver
estratégias de luta contra a infeção por VIH (escolha efetuada por um vasto
painel de cientistas internacionais que integram o programa “Partnering for Cure”);
– Uma
investigadora portuguesa, da Universidade de Coimbra, viu atribuído, em
Roterdão, um prémio internacional pelo seu trabalho de “investigação sobre a
osteoporose após a menopausa, devido à redução dos níveis da hormona
estradiol”;
– Um
inventor português foi premiado, com a medalha de ouro, na 43.ª edição do Salão
Internacional de Invenções de Genebra (o mais importante do género em todo o mundo),
ao criar um sistema que permite ajudar os invisuais a atravessar as
passadeiras, sem semáforos e com recurso ao telemóvel.
Quanto ao
“pior” (porque a crónica já vai longa) relato apenas duas situações:
– Segundo
um relatório da ONU, com previsões para 2015, aponta que “Portugal vai ter a
segunda pior taxa de fecundidade do mundo”, apenas será ultrapassado pela
Bósnia-Herzegovina, sendo que esta previsão pode agravar-se por não ter em
conta a forte emigração de jovens portugueses;
– Segundo a ONG Transparency Internacional (TI), baseando-se no Índice de Perceção
de Corrupção de 2014 (o último conhecido), que engloba 175 países, Portugal é
um dos países preocupantes, encontrando-se ao nível do Botswana, Chipre e Porto
Rico. Comparativamente com os países europeus, consegue ser mais transparente
do que a Itália, Grécia, Hungria, República Checa, Polónia e Roménia, com o
senão de neste ranking ainda não
estarem refletidos os casos: “Visto Gold”; “Duarte Lima e “José Sócrates”.
Paralelamente, surge a informação que “Portugal é o 25.º país do mundo onde é
mais fácil fazer negócios” e onde “funcionários de empresas públicas são os que
mais aceitam subornos internacionais”.
Entretanto,
vou ouvindo comentários jocosos, do tipo:
– Ah...
não acredito que o mercado de peixe em Setúbal seja um dos mais famosos do
mundo; alguém deve ter dado uma caixa de robalos ao jornalista!
– O chinês
lá sabe a razão que o leva a dizer que Portugal é muito bom para investir!
– Alguém
no Porto anda a untar as mãos ao que escreve para o jornal.
(…)
Tantas
vezes somos nós próprios a desacreditar as coisas boas que temos em Portugal,
que não valorizamos, mas que são realçadas por outros olhares, vindos de fora.
Tantas vezes nem damos conta do mérito dos portugueses, ou se damos, reagimos
com indiferença ou com uma pontinha de inveja. Tantas vezes deixamos passar,
impunemente, atos reprováveis, e na nossa habitual bonomia… até ficamos com
pena dos prevaricadores e à espera de um bom desfecho; mas se os inquéritos são
arquivados ou os processos judiciais ficam em “águas de bacalhau”, dizemos,
aparentando um ar zangado – Isto é sempre a mesma coisa!... Eles safam-se
sempre!
Ao longe
ouvem-se uns cães a ladrar e continua a marcha, com o “siga a rusga”, tal como
nas noites de São João.
© Jorge Nuno (2015)
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