NO QUARTO
COM ELA
Já há três dias que andava ansioso pelo
momento. Não é por acaso que eu tinha estes dois livros na mesa de cabeceira do
quarto: “Cérebro – Manual do Utilizador”, obra da Dr.ª Sandra Aamodt (da
Universidade de Yale) e do Dr. Sam Wang (da Universidade de Princeton);
“Descontrair a Mente”, escrito pelo Prof. Dr. Dietrich Langen, falecido em 1980
e, ao que consta, dedicou “mais de quarenta anos de experiência na área da
divulgação médica do treino autógeno”. Com estes, procurava, além de exercitar
a mente, obter aprendizagem de técnicas de relaxamento, com alguma
sistematização, de modo a fazer melhor uso do cérebro.
Em boa verdade, há cinco anos que
recuso ser um sexagenário, por me considerar um sexalescente – e até há quem
diga “sexylescente” –, já que está nos meus planos manter-me ativo, sem
preocupações quanto ao passar dos anos. Também é certo que podia sentir-me um
pouco mais relaxado quando pegava nos referidos livros, mas não contribuíam
para me tranquilizar completamente. Experienciava isso ao ver as notícias na
TV, particularmente aquelas que considerava um estímulo à minha capacidade de
compreensão e/ou um atentado à minha inteligência. Tinha acabado de ver aquela
que se reportava ao vírus Zika, alegando que em Portugal estará “montada
vigilância apertada nas fronteiras para detetar a presença de insetos que
represente ameaça”. Ora, sendo estes tão minúsculos e… aos milhões, fiquei
curioso de saber como será “essa vigilância apertada nas fronteiras” para os
insetos, quando nem se consegue controlar a meia dúzia de cavalos à solta [para
os animais não há fronteiras] que fazem aumentar a sinistralidade rodoviária. Depois,
as notícias da Comissão Europeia (CE) sobre Portugal, a fazer-me lembrar Henry
Ford, fundador da Ford Motor Company, que disse: – O cliente pode ter o carro que quiser, desde que seja preto; assim,
também a CE – que é pouco ou nada democrática, pois os seus membros não se
submetem a sufrágio eleitoral – toma decisões, que obriga a obedecer (sob a
forma de acordo), mesmo quando não se concorda com as decisões concretas, e argumenta
com a “regras europeias” dizendo, sub-repticiamente, que Portugal pode escolher
e adotar as políticas que quiser, desde que seja a política definida pela União
Europeia.
Nestas
minhas deambulações, para minha satisfação, o tal momento especial chegou.
Aguardava-a, pacientemente, no quarto. Reconhecia que me sentia em desvantagem,
antes e depois da sua entrada. Logo após ter-me perguntado se estava
bem-disposto, apressei-me (não sei se desajeitadamente, pelo modo brusco com
que o fiz) a perguntar-lhe onde é que ela queria: – Na cama ou no cadeirão?
Reparei
no seu ar jovial, e a sua movimentação indiciava grande à-vontade, como quem
está habituada a estas lides. A sua resposta deixava transparecer que estava
confiante e, por ser dada de modo delicado, fez com que me sentisse menos
constrangido: – Pode ser onde quiser; na
cama ou no cadeirão. É onde se sentir mais confortável. Escolha, pois por mim tanto
faz.
Ainda
não sei bem por quê, impulsivamente, escolhi o cadeirão. Há dias assim…
–
Então sente-se e descontraia –
disse-me, enquanto exibia um sorriso tranquilo e baixava-se mesmo à minha
frente, bem próxima de mim.
Vi
então aumentar, exponencialmente, os meus níveis de ansiedade, fazendo
agarrar-me com firmeza aos braços do cadeirão, como se estivesse no consultório
dentário e já ouvisse o silvar da broca a aproximar-se da minha boca, sem estar
anestesiado! Nestas circunstâncias, tudo indiciava que os ensinamentos do Prof.
Dietrich Langen não iriam ser absorvidos por mim. De pouco me valeu que este
tivesse feito tanto esforço a apregoar como “Descontrair a Mente” e, em vez
disso, houve lugar a um turbilhão de ideias, por instantes sem controlo, quando
seria suposto sentir alguma tranquilidade, por antecipação. Genuína e
estranhamente, admiti que, em vez daquela jovem com atributos, nem me
importaria que estivesse ali uma outra mulher, mesmo que quarenta anos mais
velha, de corpo disforme, com peito muito grande e descaído, e até aceitaria
que ela fosse uma rezingona mal-humorada, verrugosa, de cabelo desgrenhado e
aspeto descuidado. Mas, não… tinha bem próximo uma jovem, dinâmica e confiante,
e acreditava que esta iria fazer-me soltar. Com esta idade nunca, mas mesmo
nunca, tinha passado por situação semelhante.
Perante
o meu ar receoso, bem evidente, volta a dizer: – Incline-se para trás, abra mais um bocadinho as pernas e descontraia.
Ela
foi de tal modo eficaz que em menos de três minutos, já com os preliminares
incluídos, zás!... Estranhamente, acabou por ser muito rápido, entre um misto
de uma ligeira dor e de um imenso alívio. Finalmente… a jovem enfermeira
retirou-me a algália!
© Jorge Nuno (2016)