DAR
E RECEBER
Há
uma ebulição externa, que ocorre a uma velocidade estonteante, a que é preciso
estar atento. Sabendo disso, bem me esforço por investir no autoconhecimento,
para chegar mais facilmente à fonte do desejado equilíbrio espiritual, mental e
físico, que me transmita uma generalizada sensação de bem-estar. Bem me esforço
por marcar o meu próprio compasso, e ainda mais ao ver tanta barata tonta, que
se movimenta numa correria desprovida de sentido. Bem me esforço por conseguir
a melhor forma de lidar com o conflito – sem procurar evitá-lo –, e dar atenção
aos aspetos da realização pessoal ainda não conseguidos e/ou se os projetos
concebidos há uns tempos atrás, com tanta erosão… ainda fazem sentido nos dias
de hoje. Bem me esforço por me libertar, constantemente, de toxinas físicas e
emocionais, para conseguir a harmonia interior, que só a mim compete assegurar.
Procuro
estar atento e aberto a tudo quanto é novo e deixar-me envolver, de forma
generosa, tendo em vista o bem comum, que naturalmente me afeta positivamente.
Aprendi que a dádiva e a gratidão entram neste processo. Aprendi que os
benefícios de dar acabam, inevitavelmente, por ter um efeito de boomerang. Aprendi que a gratidão é
contagiosa e ajuda-nos a reconhecer as muitas coisas boas que nos acontecem na
vida (nas quais não reparamos, quando nos focamos no que não queremos). É
nesses instantes que ficamos salpicados de agradáveis “purpurinas” de
felicidade, como se se tratasse do toque mágico de uma varinha de condão. E são
estes momentos que trazem sentido à vida e nos projetam para novos avanços
qualitativos.
É
por estas razões que bem me esforço por seleccionar o que entra porta adentro e
pode afetar os meus sentidos. Mesmo assim, continuo a ser bombardeado, a todo o
instante, com informação – ela própria tóxica – de escândalos de corrupção, branqueamento
de capitais, fraude e evasão fiscais, abusos com o falso trabalho independente
(que escandalosamente chegou a atingir 80% de todos os contratos de trabalho,
celebrados em Portugal, nos últimos 3 meses…). A informação que é produzida –
com o muito respeito que tenho pelo jornalismo de investigação – com o natural direito
de divulgar factos e poder contribuir para a correção e punição de ilícitos
criminais, acaba por ser produzida com a sofreguidão e rapidez de quem quer ter
a exclusividade de ser o mensageiro da desgraça. A montante, a febre de
enriquecimento rápido e sem pudor, faz parecer sem sentido as palavras de
Raymond Cloosterman: “Ser rico não tem a ver com riqueza ou posses, mas sim com
o número de memórias preciosas que temos”. Estas palavras, certamente, pouco
importam a quem comete esses atos, que nada têm a ver com dádiva, mas com
apropriação de algo que não lhes pertence por direito próprio, por ser obtido
de forma menos digna ou fraudulenta. E quando menos se espera, o conhecimento
de esses atos vem a público. A reação que se segue, pelos consumidores de
informação, vai desde a tendência para: olhar para tudo isto com [uma
preocupante] indiferença, como se estivessem vacinados contra a epidemia; à
criação de estórias humorísticas e anedotas relacionadas com o caso, as quais são
rapidamente partilhadas nas redes sociais; assemelhar-se à curiosidade do voyeur, que acompanha o dia a dia de um
qualquer reality show televisivo de
baixo nível, sempre na esperança de ver a cena mais picante, mesmo que passe
mais de uma hora e meia em frente à TV, num ambiente degradante…
Da
minha parte, tento descobrir alguma notícia, mesmo que seja uma em duzentas,
que me dê a ideia que há grandeza humana. E como fico feliz, quando vejo uma,
como a de um polícia australiano que decidiu adotar, com sucesso, um pequeno
canguru, que perdeu a progenitora por atropelamento de um camião, mesmo que
tenha que alimentar o pequeno animal de três em três horas; ou a de uma equipa
de salvamento no Equador, que conseguiu resgatar um cão, com vida, dos
escombros provocados pelo forte sismo no Equador e que se encontrava nessa
situação há dois dias. Muitas vezes, é perante os animais que sobressai o
humanismo, evidenciado pela compaixão, bondade, preocupação e entrega generosa a
uma causa. No fundo, falamos de dádiva, sem estar à espera de recompensa.
David
Brooks, colunista no The New York Times,
escreveu que “A gratidão é uma espécie de riso do coração que surge depois de
uma bondade surpreendente”. Comecemos por provocar o riso no nosso próprio coração,
que nos fará sentir um imenso bem-estar. Este, “contaminará” positivamente quem
nos rodeia. Assim, com pequenos avanços, o mundo à nossa volta está em vias de
ser melhor.
©
Jorge Nuno (2016)