PARA CÁ DO MARÃO
O dito popular “Para lá do Marão,
mandam os que lá estão” [na ótica de quem vive no litoral] poderá ter
alimentado a ideia generalizada – e o ego de alguns transmontanos – com toda a
carga simbológica que representa, que devido ao seu isolamento de longos
séculos, com difíceis acessos, isso remetia-os para uma sensação de poder e de
“independência”, sendo implícita a rejeição do poder centralizado da muito
afastada capital do país. E foi esse poder centralizado que, por demasiado
tempo, pareceu desconhecer a realidade e as necessidades “para lá do Marão”,
agudizando o fosso entre o litoral e esta região do interior.
Em boa hora, em plena monarquia, nos
anos de 1885 e 1886, o ministro Emídio Navarro, com a tutela das pastas das
Obras Públicas, Comércio e Indústria, deu indicações para se avançar “com o
estudo de todas os caminhos de ferro de via estreita na zona de Trás-os-Montes”,
que viria a dar origem, anos mais tarde, às linhas do Douro, Tâmega, Corgo, Tua
e Sabor. Foram obras gigantescas, em termos de esforço orçamental, para um país
muito debilitado economicamente. Mas também é certo que foram obras que vieram
facilitar a vida às populações próximas de tais vias e desenvolver a região e o
próprio país, já que permitia o escoamento de variados produtos, com incidência
nos produtos agrícolas e nos provenientes da extração mineira e florestal. Nos
anos oitenta, do século passado, tudo se desmoronou, por opção política e
desinvestimento neste tipo de infraestruturas, levando a novo retrocesso e a
algum marasmo, aqui e ali com algumas iniciativas autárquicas pontuais dignas
de registo, já em plena democracia, como que a querer reavivar a ideia do
citado dito popular.
Foi este
território apelidado de “Reino Maravilhoso”, pela mão e genialidade de Miguel
Torga, que referiu nos seus escritos “(…) De repente, rasga a crosta de
silêncio uma voz de franqueza desembainhada: Para cá do Marão, mandam os que cá
estão!... [claro, na ótica de um transmontano] Sente-se um calafrio. A vista
alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se
apodera de nós? Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico porque o
nume invisível ordena: - Entre!
A gente
entra e já está no Reino Maravilhoso.”
Hoje,
precisamente neste sábado, é inaugurada uma importante obra que fura, durante
cerca de seis quilómetros, o “oceano megalítico”. Eu chamar-lhe-ia “encrespado
e tortuoso oceano megalítico”, ao centrar a atenção na conhecida Estrada
Nacional 15, quando tinha necessidade de a percorrer, acompanhando aquele
serpentear na Serra do Marão. É certo que vai perder a importância estratégica
que deteve durante imensos anos, e que deixarei de ver, lá bem no alto, aquela
panorâmica inesquecível de cortar a respiração. Apesar das derrapagens
orçamentais, das peripécias que levaram à suspensão das obras e a que tivessem
uma duração final de sete anos… também é
certo que, a partir de domingo, o Túnel do Marão passa a ter um importante
papel na aproximação entre o litoral e o interior transmontano, mesmo com a
decisão das portagens definidas por quem está “para lá do Marão” [na ótica de
um transmontano].
Acredito
que, com este túnel, não fará mais sentido continuar-se a debater e a rebater:
“Para lá…” ou “Para cá do Marão (…)!”
Outra
coisa também acredito: quando atravessar o túnel no sentido Porto – Vila Real, irei
lembrar-me sempre que estou a entrar no Reino Maravilhoso! E pensar como Torga:
“Esta terra é a própria generosidade ao natural. Como um paraíso, basta
estender a mão”.
©
Jorge Nuno (2016)
Obs.: Crónica saída na BIRD Magazine, em dia de inauguração do Túnel do Marão
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