SER
PADRE NESTA FREGUESIA
É comum ouvir dizer, e eu próprio o
digo, que “não é fácil ser padre nesta freguesia!”, embora fosse mais adequado
referir a paróquia. Sem grandes preciosismos, importa a ideia. Muitas vezes por
trás do ato até estão as boas intenções, mas os efeitos produzidos acabam por
ser perversos, dados a conhecer pelos media,
sob a forma de notícias desagradáveis que se vão sucedendo, ininterruptamente,
tanto nas capas dos jornais como no abrir dos telejornais, para alimentar a
máquina e aquecer o ambiente, como o fazemos com as cavacas que, espaçadamente,
vamos colocando na lareira.
Nesta perspetiva, vem à baila o Fundo
Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu
(BCE), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e até o
Banco de Portugal (BdP), que alertam para os riscos de Portugal estar na
iminência de violar, no corrente ano, o Pacto de Estabilidade, que tem um teto
de 3%. Apontam também para a necessidade de corrigir o défice, e parece só
verem mais austeridade, como solução. Perante o mais que previsível
incumprimento de Portugal, fica a pairar no ar a ameaça de penalização até 0,2%
do PIB, que significa entre 360 a 370 milhões de euros e o congelamento de
parte dos fundos estruturais, que deixariam de ser utilizados. Isto acontece quando
o atual governo dá mostras de querer atenuar a austeridade, ao pretender
devolver aos cidadãos parte dos direitos que lhes foram retirados (com o
pretexto da necessidade de promover a austeridade no país, reduzindo a despesa
do Estado).
É certo que aprendi, nas minhas aulas
de Economia e na vida real, que os défices e dívidas públicas elevados impedem
que haja crescimento económico. Qualquer um sabe, mesmo que nunca tenha
frequentado a universidade, que não é recomendável gastar-se mais do que aquilo
que se tem, ou, se o fizer, a margem de endividamento deve ser mínima, face aos
rendimentos previstos. No caso concreto, a dívida pública portuguesa atingiu,
em abril, a soma astronómica de 235,8 mil milhões de euros. Qualquer
governante, cheio de boas intenções, pode sentir-se tentado em minimizar este
enorme problema denotando um enfoque obsessivo no esforço de consolidação
orçamental. A verdade é que mesmo assim continua a não se registar o esperado
crescimento. E quanto mais se fala em crise mais a crise se torna evidente,
menos confiantes ficam os investidores, mais desvalorizadas ficam as empresas
cotadas em bolsa, aumenta o número de pequenas e médias empresas a encerrar a
atividade, mais pobres ficam as famílias. À falta de ousadia e de tempo, aos
sucessivos governos parece restar apenas a solução, bem comum ao longo de
séculos, de aumentar a receita por via dos impostos, agravando ainda mais a
situação.
Esquecem as três citadas primeiras entidades
que se serviram de Portugal, como cobaia, para ensaiar modelos na aplicação de
medidas corretivas que pusessem o país nos carris, com governantes “à medida” e
apelidados, publicamente, de “bons alunos”. Esquecem que essas medidas foram indevidamente
aplicadas num curto espaço de tempo. Esquecem que elas tiveram consequências
gravosas na economia do país e na população, com aumento exponencial da pobreza
entre a população mais vulnerável, levando a que mais de um milhão de
portugueses ficasse no limiar ou abaixo do limiar da pobreza. Esquecem que as
suas orientações e imposições para o sector bancário, a par de inadequada
supervisão do BdP (como o foi nos casos BPP, BPN, BES e BANIF, a que se juntam
empréstimos ao Novo Banco, Caixa Geral de Depósitos (CGD), Caixa Agrícola e Banco
Comercial Português (BCP), teve custos altíssimos ao erário público. São tantos
e díspares os números divulgados, relacionados com a ajuda pública ao setor
financeiro, entre 2007 e 2015 que, ora se situa na casa dos 7,3% do PIB, significando
que os portugueses já contribuíram para este “peditório”, para salvar bancos, com
cerca de 8,5 mil milhões, ou na ordem dos 13 mil milhões (números divulgados
por um jornal económico). Tal facto, exige um esforço anormal ao contribuinte, agrava
a dívida pública, e faz aumentar o défice para valores preocupantes. Nos
citados anos, de 2007 a 2015, a dívida pública foi agravada em 20,6 mil milhões
(ou seja, 11,5 % do PIB) e continua essa tendência. Na calha já estão alinhados
o Novo Banco, CGD e BCP, para receber mais dinheiro, direta ou indirectamente,
dos cofres do Estado. Com as ações do BCP a menos de 2 cêntimos e meio, a
perder valor constantemente e a cair 25% nos três últimos dias, é fácil ver o
desfecho. A CGD, com capital maioritário do Estado e com respetivas orientações
estratégicas, serviu de almofada a outros bancos, que tiveram perdas
gigantescas. Agora, a CGD necessita, urgentemente, de ver-se recapitalizada em
4 mil milhões, para cumprir rácios de solvabilidade impostos pelo BCE e
Comissão Europeia. O governo fica no dilema de, ao querer injetar esse capital,
ir contra as regras da concorrência (que impedem a ajuda estatal, por ser
considerada ilegal), e agravar o défice, fazendo-o disparar de 2,2% (numa visão
bem otimista) para 4,3%. Sempre terá, eventualmente, a possibilidade de jogar
com a dívida pública. De qualquer dos modos, o tratamento contabilístico mais
favorável terá que ter concertação com a Comissão Europeia e estar sujeito a
acérrimas negociações, mesmo que outros países que estão igualmente em
derrapagem, como é o caso da França, tenha o descarado beneplácito de
Jean-Claude Juncker (presidente da Comissão Europeia), que alega que a França terá
tratamento diferenciado, porque é a França. Em jeito de balanço, da imprevisibilidade
de há poucos anos, rapidamente chegámos ao definhar e desaparecimento de bancos
em Portugal, que está a ser amargo para clientes particulares e empresas e para
os contribuintes em geral.
Acredito nas boas intenções quanto à
meta de cumprimento do défice, assim como aprecio o optimismo do
primeiro-ministro e do presidente da república, que desvalorizam o facto de
poder vir a ser preciso um orçamento retificativo. Sabe-se que para equilibrar
as contas, ou aplicam-se estratégias para aumentar as receitas, e o
investimento é uma das formas mais credíveis – veja-se o caso do investimento e
da competitividade na Alemanha, que levou ao crescimento sustentado da economia
e originou um superávite de 19,4 mil milhões de euros, no ano passado –; ou
então, em alternativa, resta reduzir a despesa. Mas logo que se tenta reduzir a
despesa, como aconteceu no Ministério da Educação, com a tentativa de reduzir a
despesa com os colégios com contratos de associação, que têm propriedade e
gestão privados e escolas públicas na proximidade, parece que o mundo caiu em
cima do governo. Não é fácil ser padre nesta freguesia!
© Jorge Nuno (2016)
Obs.: Crónica (quinzenal), saída hoje na BIRD Magazine
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