30/10/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (46) - Crónica: "Sou Escorpião" E daí?"

SOU ESCORPIÃO! E DAÍ?

Pois bem, sou escorpião! Talvez seja melhor soletrar: es-cor-pi-ão… es-cor-pi-ão!... (no mínimo, alguém dirá logo: “Ui!...”). Já nem sei é obstinação, pura falácia, ou suja predição de ineficácia… isto de ver o signo como sina malfadada, deixando à partida, encurralados todos os que têm um signo de “má-fama”. Nunca gostei de generalizações abusivas, pois sei que cada ser é único. Sinceramente, apesar de falar no assunto, é algo que não me perturba, pois se me entregar a algo apaixonadamente, tiver algumas capacidades ou talento para o efeito e souber aproveitar a conjuntura e as oportunidades surgidas, sei, por antecipação, que tudo se resolverá em conformidade e não tenho com que me preocupar.

Apesar disso e tendo como pano de fundo o zodíaco, fiquei recentemente a saber que este é um ano de liberdade, que se deve entender como de libertação. Haverá novas ideias, movimento, impulsividade por instinto ou intuição, encontro com sentimentos profundos… Também há muito que sei que é nesse encontro com sentimentos profundos que me fico a conhecer melhor.

Com suavidade, deixo escapar o que se encontra escondido na caixa do “politicamente não correto”, tendo presente que a minha casa cármica mostra-me o que quero esconder e não mostrarei a ninguém. Também sei que tudo o que é negativo em mim tem um tempo de vida limitado e, como tal, simplesmente, desvalorizo-o, procurando manter na mente, de forma permanente, imagens positivas.

Assim, conheço-me como homem capaz de:
– Procurar o contacto com a natureza e apreciar as coisas simples da vida;
– Relacionamentos com bases sólidas, apesar de alguns constituírem-se como desafios permanentes;
– Criar empatias (algumas hipnotizantes) e, facilmente, desenvolver novas amizades;
– Nunca se deixar acomodar ou cristalizar, estando sempre disponível para avaliar a renovação, com as inerentes mudanças a operar, depois de ouvir o coração;
– Saber aproveitar (com garra) novas oportunidades, convicto de que não deve abraçar todos os desafios, mas aqueles que abraça, irá desenvolvê-los com paixão, mesmo mantendo a produtividade sem ordem de prioridade;
– Ser um abridor de caminhos e lançador de sementes, que tenham desenvolvimento e continuidade em novos ciclos (mesmo que outros fiquem com os louros);
– Idealizar, programar e liderar projetos em que acredita, com envolvimento, persistência, dedicação e exemplo (bem ao estilo do “follow me”);
– Enfoque no essencial, em detrimento do acessório, imprimindo uma marca pessoal nos esforços;
– Sentir-se carregado de energia positiva e muita luz e, na contrariedade, saber arranjar forças para erguer a cabeça e subir para a garupa do cavalo, desfrutando, de novo, a caminhada;
– Acreditar e envolver-se em causas, olhando serenamente para a vida, mas sempre com denotado entusiasmo;
– Atravessar períodos de grande sensibilidade, com tudo o que isso implica, mas procurando agir com alguma dose de inteligência emocional;
– Gostar de ser fiel à sua essência, pelo que evita tudo o que seja facilitismo e que esteja fora dos princípios éticos, que há muito interiorizou e não abdica;
– Sentir-se abençoado pela coragem de resolver a maior parte das questões, e se outras não consegue… é porque a solução não depende de si.

Aproveito alguns momentos da noite para uma profunda reflexão. É curioso: enquanto lá fora está escuro, eu fico com uma perspetiva mais clara das coisas! Tal, permite redefinir o percurso, para orientação futura, embora, na maior parte das vezes, simplesmente deixe fluir…

Para mim, durante muito tempo e apesar de saber da sua movimentação no espaço, as estrelas sempre estiveram em posição “estável” e pessoalmente favorável, tal como a minha constância em relação às coisas boas da vida, que recebo e agradeço diariamente. Sei que nasci no Ano Internacional do Sol Calmo. Pelo meu mapa astral, sei que sou um nativo com o Sol em escorpião e com a Lua em oposição. Também sei dos indícios “coincidentes” com o meu lado misterioso, emocional, sensível, determinado, capaz de facilmente brilhar (sem usar purpurinas) chamando a atenção por onde vier a passar e no gosto em ser notado pelos seus méritos (e não, certamente, por pendurar abóboras no pescoço).

A verdade é que pouco me importava com tudo isso, e ainda menos com: o ascendente Saturno, na casa 8, a contribuir para ter vontade de mudar os padrões e aprender a ter mais desapego, deixando-me a vontade de alívio progressivo na carga da bagagem, que levo na viagem; o domínio de Plutão, por estar na casa 7, a caraterizar-me de forma determinante ao nível relacional; a hora sideral aquando do meu nascimento, em que Mercúrio, Vénus e Neptuno se encontravam na casa 9 (juntamente com o Sol), tivessem uma enorme influência nas grandes mudanças e/ou se me foi proporcionada uma generosidade a atingir os limites do inconsciente, que me terá levado ao desejo de ensinar/formar/difundir o saber, mas sempre com a vontade insaciável e permanente de aprender e aumentar o conhecimento.

Ai este generoso espelho que me faz ver e realçar o lado bom que há em mim!

Sou como sou. Sou Escorpião! E daí?

© Jorge Nuno (2016)


Obs.: Publicado na BIRD Magazine (criada na UTAD)

28/10/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (45) - Crónica: "Acreditar no Bibliomóvel"

ACREDITAR NO BIBLIOMÓVEL

Há poucas semanas fiz um passeio por algumas aldeias raianas do concelho de Bragança. Achei curioso, em pleno século XXI, cruzar-me com duas viaturas pesadas, ambas de caixa tapada com toldo e destinadas ao comércio direto com a população. Uma delas, de matrícula espanhola, vendia fruta e uma outra, de matrícula portuguesa, vendia mercearias, onde não podia faltar o bacalhau, além de outros produtos próprios de uma drogaria. Sei que um pouco abaixo deste concelho, uma cabeleireira usa um furgão que serve de salão de cabeleireiro itinerante. Há outros negócios em curso, de modo a tentar a sua sorte, cujos empreendedores veem os problemas da interioridade e do isolamento das populações como uma oportunidade. Sei da existência da Unidade Móvel de Saúde de Bragança, que foi criada através de uma parceria entre o Município, os Centros de Saúde e a Santa Casa da Misericórdia de Bragança, tendo como finalidade as visitas domiciliárias, prestação de cuidados de enfermagem, acompanhamento de utentes em situação de vulnerabilidade, despiste de situações de risco, vacinação, sessões de esclarecimento, etc.

Lembro-me da distribuição de peixe congelado por todo o país e, claro, de o ver chegar ao interior do país, em furgões preparados para o efeito. Por iniciativa estatal, no final dos anos cinquenta do século passado, foi criada, a empresa SAPP – Serviço de Abastecimento de Peixe ao País, que pretendia introduzir um novo conceito de abastecimento e de alimentação. Foi lançada a campanha “Vamos comprar, congelar e cozinhar peixe congelado”, criando mesmo publicidade através de uns desenhos animados, que passavam na TV a preto e branco, como forma de propagandear o peixe congelado. Foram também elaborados uns livros de banda desenhada com a “Menina Pescadinha”, por forma a abranger as crianças, já que não fazia parte do hábito de consumo nas populações, em qualquer estrato social, e era preciso criar incentivos, com reforço nos mais novos.

Não me esqueço da importância das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian – uns furgões cinzentos da marca Citroën, embora também os houvesse em cor avermelhada (mas que nunca vi) –. Já andava na escola primária quando este projeto nacional foi lançado. Ansiava pela chegada da carrinha e era um leitor assíduo, com o número máximo de livros que era permitido a cada um. Apesar das orientações que o condutor e bibliotecário tentava dar aos leitores mais jovens, eu não as respeitava e fazia as minhas escolhas como se pertencesse ao público adulto. Sei que com 14, 15, 16 anos já lia clássicos da literatura, como: “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoievski; “Guerra e Paz”, de Leão Tolstoi; “Grandes Esperanças”, de Charles Dickens; “O Vermelho e o Preto”, de Stendhal; “Os Miseráveis”, de Victor Hugo; “O Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queiroz [que li durante uma noite]; “Esplendores e Misérias das Cortesãs”, de Honoré de Balzac; “Doutor Jivago”, de Boris Pasternak, entre muitos outros.

Se o objetivo deste serviço de bibliotecas itinerantes era o de “promover o gosto pela leitura e elevar o nível cultural dos cidadãos, assentando a sua prática no princípio do livre acesso às estantes, empréstimo domiciliário e gratuitidade do serviço”, não tenho dúvidas da influência deste serviço móvel, e da importância dos muitos autores que li, na minha forma de encarar o mundo, de crescer como pessoa e, mais tarde, ao dedicar-me à escrita. Ficou desde sempre, e para sempre, um enorme gosto pela leitura, pelo que deixo o meu testemunho: comigo o objetivo foi atingido!

Por razões várias, este serviço de bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, viria a ser extinto em 2002. Foram muitas as autarquias a acreditar e  tomarem iniciativa semelhante, que promovesse a leitura e elevasse o nível cultural dos cidadãos (por via da leitura). Para o efeito, renovaram as bibliotecas fixas, tornando-as espaços atrativos, em zonas centrais, de fácil acesso, e criaram as chamadas bibliomóvel, para fazer chegar os livros a zonas mais remotas da sua área jurisdicional. Entre essas autarquias, menciono (por ordem alfabética) as de: Arouca, Aveiro, Coimbra, Loulé, Oliveira de Azeméis, Pombal, Porto de Mós, Proença-a-Nova, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, São Pedro do Sul, Valença. Acredito que poderá haver mais autarquias envolvidas em neste tipo de projeto, mas não tenho problemas em admitir que desconheço.

Em abril de 2016, realizou-se na Universidade de Coimbra uma conferência intitulada “Bibliomóvel no Século XXI. Novos desafios”, a provar que é dada importância ao assunto. Felizmente há gente, com visão, a acreditar no bibliomóvel. Pode mesmo parecer uma coisa do passado, ainda mais por nos situarmos na era das tecnologias. Desengane-se quem pensa que nas zonas raianas, e outras zonas do interior, há livre acesso à internet e até mesmo rede móvel, para uso de um simples telemóvel, pois ou não tem ou é deficiente o sinal recebido. A pretexto do acesso fácil à cultura, por via informática/internet, o fomento da leitura não pode abrandar e tem de prosseguir, para fazer chegar os livros [físicos] às populações desfavorecidas do interior, tal como lá chega, de modo ambulante, a cabeleireira, a enfermeira, o comerciante…

© Jorge Nuno (2016)


Obs.: Crónica publicada na BIRD Magazine (UTAD), em 08-10-2016

01/10/2016

A Viagem

A VIAGEM

“Limita-se uma vida ao seu destino”
como se um passageiro clandestino,
de fardo, nem ousasse caminhar…
“pesada cruz de sombras e canseiras”
por quem comete um chorrilho de asneiras
e, livre, não se deixa condenar.

“As rochas são fantasmas na penumbra”
para quem na vida pouco vislumbra,
mas realce “há sempre na noite escura”…
em que na pura exaltação dos credos
“a madrugada vem despir os medos”
e o teu olhar devolve-me doçura.

“Tremem mãos de comoção no instante”
como se fosse em viagem errante
“onde ao lavrar os sonhos me confundo”.
“ser um menino-velho com ideias”
e partilhar contigo vida a meias
vem dar alento ao meu pequeno mundo.

Pouco importa ver as frases bordadas,
“o vício das palavras relembradas”…
“p’ra mascarar aquilo que pareço”;
ou “se a saudade é roxa ou prateada”,
a minha poesia a ser cantada,
vastos elogios que não mereço…

Quando um dia aquela negra ceifeira
vier rondar para eu ser poeira,
sem negociar uns quaisquer critérios
e não retroceder envergonhada,
nem quiser a viagem adiada…
irei “subir a rampa dos mistérios”.

“Há retalho do mundo à minha espera”,
mais além do que se vê nesta esfera,
“com música astral das noites brancas”.
“um mundo dos espíritos das horas”
que no teu relógio já não ignoras
e tudo irá fluir sem alavancas.

Mas “sei que alguém nos becos da memória”
anotará a verdadeira estória
(mesmo sem ter de a contar às crianças).
Neste longo amor, que eu tanto bendigo,
“sei que o meu coração vai ter contigo”,
ser peregrino de boas lembranças.

Não “esconjuro o feitiço do retorno”
e para obviar todo este transtorno
irei fazer aquilo que apetece…
surgir em qualquer noite de luar,
afável, envolver-me a namorar
“em loucuras de amor que o amor tece”.

© Jorge Nuno (2016)


Obs.: Baseado em alguns versos ou ideias extraídas da obra poética de Ulisses Duarte, a quem desta forma presto a minha homenagem. Envolve trabalhos da obra póstuma “Palavras com Distância”, os poemas “A Nau do Tempo”, “O Telefonema”, “O Limite”, o “Conto da Morte Anunciada” e parte da compilação de versos de Ulisses Duarte, feita pelo poeta Albertino Galvão.