ESTRANHOS
PATETAS TRISTES E PATETAS ALEGRES
Ao
cair do (p)ano de 2016, um artigo do Jornal de Notícias dá conta que um
produtor do Reino Unido descobriu que as suas cabras produzem mais de 20% de
leite do que o habitual, quando expostas ao tema “All I want for Christmas is
you”, de Mariah Carey. Segundo o site
brasileiro Canal Rural, isto acontece porque “as músicas de Natal costumam ser
calmas, lentas e cheias de boas vibrações”.
Acho
que os portugueses também apanharam boas vibrações neste Natal, pois os seus
índices de confiança ultrapassaram os do ano 2000. Segundo a manchete do jornal
Correio da Manhã, também em final de ano, dá conta da “Fúria consumista –
Portugueses gastam 210 milhões por dia no Natal”, com o valor total de
levantamentos em máquinas ATM e pagamento através de TPA a ultrapassar os 5,7
mil milhões no Natal e Ano Novo, e ainda faltavam uns dias para acabar o ano. O
jornal britânico “Financial Times”, pela mão do jornalista Peter Wise, aponta
ao primeiro-ministro português “índices de popularidade [de fazer inveja] que
outros políticos do centro-esquerda europeu apenas podem sonhar”, entendendo
que este confundiu os críticos, por ter superado as expetativas, apesar do
“modesto crescimento económico” e do “frágil setor financeiro”.
A
propósito do setor financeiro, ouve-se, insistentemente, que o BCE – Banco
Central Europeu está a ser pressionado para que não apoie os países
periféricos, onde se inclui Portugal. Não será por acaso que estão a subir os
juros da dívida portuguesa, a 10 anos, encontrando-se nos 4%, o que faz com que
Portugal pague mais de 8 mil milhões de euros só de juros anuais.
A
TVI24 noticiou que o fogo de artifício na passagem de ano na Madeira teve o
dobro dos disparos de 2006, tendo sido disparadas 132.000 peças. Já naquele ano
o “Guiness World Record” tinha atribuído o título de “Maior Espetáculo
Pirotécnico do Mundo” à passagem de ano na Madeira. O Governo Regional da
Madeira terá despendido 800.000 euros em oito minutos de diversão. Em
contrapartida, terá contribuído para que a ocupação hoteleira tenha
ultrapassado os 92%. A “estragar” a festa, mais uma vez a PGR – Procuradoria-geral
da República investiga se existem indícios da prática de crime na adjudicação
do material pirotécnico (cerca de 70% de produção nacional) e na execução
orçamental.
Já
em 2017, o Jornal de Notícias, tem como título de um artigo: “Nunca se investiu
tanto em escritórios em Portugal”, para em letras mais pequenas se poder ler
“Investimento imobiliário no segmento comercial foi de 1,3 mil milhões de euros
em 2016 e espera-se que este valor seja ultrapassado em 2017”.
Como
vem sendo habitual, com o novo ano surgem os aumentos dos custos com a
electricidade, gás, transportes, telecomunicações, portagens… enquanto o IAS –
Indexante dos Apoio Sociais (congelado desde 2009) crescerá 0,7%, passando de
419,22 euros para 422,15 euros, traduzindo-se num aumento inferior a 3 euros
mensais, o que significa 13,5 milhões de euros retirados em 2017 aos cofres do
Estado.
Um
estudo recente do Observatório da Natalidade e do Envelhecimento em Portugal,
tendo como coordenador Telmo Vieira (ISEG), envolveu uma amostra de 1335
pessoas, com 35 ou mais anos, e aponta que quase 70% dos inquiridos não tem
qualquer tipo de poupança para a reforma e que 7% dos reformados entrevistados
não podem comprar os medicamentos prescritos. O estudo, a juntar-se a outros,
reforça que “é preocupante a sustentabilidade do sistema de previdência social
em Portugal”.
Também
já em 2017, o Jornal de Notícias faz manchete: “Insolvências – todos os dias há
30 portugueses a abrir falência [declarados insolventes pelos tribunais]”.
Continuando a ler, fica-se a saber que foram afetadas 11006 famílias, sendo que
635 aderiram ao PER – Programa Especial de Revitalização, continuando o GAS –
Gabinete de Apoio ao Sobreendividado [da DECO] a receber estes pedidos de ajuda.
Haverá 26030 registos de casos de sobreendividamento nos primeiros dez meses de
2016. Segundo a coordenadora do GAS – Natália Nunes –, numa entrevista
concedida ao jornal Correio da Manhã, 15% dos que pediram ajuda são reformados
com baixo rendimento, mas também há pedidos de ajuda entre quem tem “empregos
precários e com salários muito baixos” e considera que “a situação financeira
das famílias não teve alterações que acompanhem este aumento da procura de
crédito, que é preocupante”.
Apesar
da situação ser preocupante, prefiro ver esta onda de optimismo. Na minha
adolescência fixei uma frase, que guardo até hoje, e que rezava assim: “Um
pessimista é um pateta triste; um otimista é um pateta alegre”. Estava cansado
de ver tanto pateta triste; sinceramente, prefiro os patetas alegres. Deve sentir-se
as influências semelhantes às das cabras. Com tanta música de Natal a espalhar
“boas vibrações” pelas ruas, só pode! E esta “boa onda” deixa-nos antever os
resultados das próximas eleições autárquicas.
©
Jorge Nuno (2017)
Crónica publicada na BIRD Magazine de 07-01-2017
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