MAGIA
E REIS
Em
2009, fiz uma viagem memorável a Israel e, entre muitos locais bíblicos, estive
em território ocupado pela Autoridade Palestiniana. Para um turista, de visita a
este território, pode chocar ver os muros, as barreiras militares instaladas do
lado israelita, com soldados fortemente armados e, particularmente, quando apercebe-se
de que está a entrar no autocarro um palestiniano, de metralhadora e dedo no
gatilho. Como homem de fé, confiante ou anestesiado pela emoção da viagem – que
decorria, de forma extremamente agradável, sem quaisquer incidentes –, não
valorizei aquele facto; afinal, tratava-se de um inspeção de rotina. Pouco
depois, encontrava-me em Belém, a mítica cidade natal de Jesus.
Aí,
absorto nos meus pensamentos, retrocedi cerca de dois mil anos. Imaginei as
dificuldades vividas naquela época e confrontei-as com os conflitos que se
mantêm, atualmente, numa Terra Santa permanentemente debaixo de tensão.
Imaginei
os Reis Magos a chegar alguns dias depois do nascimento, em camelos, guiados
por uma estrela. Imaginei que se esse acontecimento fosse na Europa, em plena
Idade Média, esses três reis – só pelo facto de serem apelidados de “magos” –,
provavelmente, nunca teriam chegado ao destino, pois seriam queimados vivos na
fogueira, em nome de um deus qualquer. E o relato de magos já vem de períodos
muito anteriores a este! Não deixa de ser interessante que a Bíblia[1]
refira Moisés e os magos – a vara de Aarão – como se segue: “O senhor disse a
Moisés e a Aarão: quando o faraó vos disser: Fazei um prodígio, dirás a Aarão:
Pega na tua vara e lança-a diante do faraó e transformar-se-á numa serpente”.
(…) Aarão lançou a sua vara à frente do rei e dos seus servidores, e ela
transformou-se numa serpente. O faraó mandou, porém, chamar os sábios e os
magos: e os magos do Egito fizeram o mesmo com os seus encantamentos”. E foi
preciso mais magia… surgindo as conhecidas pragas – águas convertidas em
sangue, rãs, mosquitos, moscas venenosas, peste nos animais, úlceras, granizo,
gafanhotos, trevas – ou ainda, como se pode ler[2]:
“O Senhor disse a Moisés: E tu, ergue a tua vara, estende a tua mão sobre o mar[3],
divide-o para que os filhos de Israel possam atravessá-lo a pé enxuto. (…)
Moisés estendeu a mão sobre o mar, e o Senhor fustigou o mar com um impetuoso
vento do oriente, que soprou durante toda a noite. Secou o mar, e as águas
dividiram-se”, conseguindo, finalmente, a libertação do povo hebreu e encaminhá-lo
para a Terra prometida.
Imaginei
que se fosse na época atual, algum regulador impediria os Reis Magos de fazer
chegar aquelas ofertas ao Menino Jesus, devido ao ouro, incenso e mirra, eventualmente,
ultrapassarem o valor legal das ofertas permitidas por lei. Também a Bíblia[4]
refere a grandeza no reinado de Salomão, filho do rei David, em que a tentação
pelo ouro era enorme: “O peso de ouro que anualmente era levado a Salomão era
de seiscentos e seis talentos[5],
sem contar com o tributo que recebia grandes e pequenos vendedores dos reis da
Arábia e de todos os governadores do país (…) Toda a gente desejava ver a face
de Salomão para ouvir a sabedoria que o Senhor lhe tinha dado. E todos lhe
traziam presentes (…) ouro, vestes, aromas, cavalos (…)”. Apesar da evidência
dos factos, há um provérbio[6]
atribuído a Salomão, que diz: “Os tesouros mal adquiridos de nada servem, mas a
justiça livra da morte”.
É
tradição cristã encerrar as festividades de Natal e de Ano Novo, em cada dia 6
de janeiro, comemorando a visita e oferendas dos três Reis Magos ao Menino
Jesus. Há uma passagem no Novo Testamento[7]
que refere os Magos do Oriente: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no
tempo de Rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente. ‘Onde
está o rei dos judeus que acaba de nascer?’ – perguntavam. ‘Vimos a sua estrela
no Oriente e viemos adorá-Lo’. Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes perturbou-se
e toda a Jerusalém com ele. E, reunindo todos os príncipes dos sacerdotes e
escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam:
‘Em Belém, da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta’. (…) Então Herodes
mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes informações exatas sobre a
data em que a estrela lhes havia aparecido. E enviando-os a Belém, disse-lhes:
‘Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do Menino, e, depois de O
encontrardes, vinde comunicar-mo, para que eu também vá adorá-Lo’. (…) E a
estrela que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até que, chegando ao
lugar onde estava o Menino, parou. Ao ver a estrela sentiram grande alegria, e
entrando na casa viram o Menino com Maria, Sua mãe. Prostraram-se, adoraram-No
e, abrindo os cofres, oferece-Lhe presentes: ouro [por Belchior (ou Melchior), que
terá partido da Europa, sendo esta uma oferta habitual aos “deuses” e à realeza],
incenso [por Gaspar, que terá partido da Ásia e o levou para proteger o Messias]
e mirra [por Baltazar, de África, e era uma oferta comum aos profetas]. Avisados
em sonho a não voltarem para junto de Herodes, [os Reis magos] regressaram à
sua terra por outro caminho”.
Nos
países hispânicos, é tradição a entrega de ofertas às crianças no dia 6 de
janeiro, com idêntico simbolismo das oferendas dos Reis Magos, para alegria das
crianças. Há magia em dar e receber, desinteressadamente. Há magia na troca, a
qual faz circular [boa] energia. Não passa, forçosa e unicamente, pelo ouro,
jóias e outros bens similares, mas por riquezas imateriais. É evidente a magia
que paira no ar durante a época natalícia e no início de um novo ano. Não deixa
de ser impressionante como as pessoas dizem naturalmente: “Tudo de bom para ti;
que a vida te sorria; tem um excelente ano…”. Escreveu, Deepak Chopra: “ A
simples ideia de dar, de abençoar, de oferecer uma simples oração, tem o poder
de afetar a vida dos outros”. Bom ano para todos.
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