09/06/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (18) - "Algarve - Allgarve - Oilgarve"


ALGARVE – ALLGARVE – OILGARVE

Na vida pessoal e na natureza, as mutações são constantes; nada é estático, nem definitivo. Dizia George Bernard Shaw[1]: «O progresso é impossível sem mudanças. Aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada». É preciso reconhecer que, na maior parte das vezes, é necessário muita ousadia e resiliência perante pressões adversas e que conduza, com sucesso, à superação de obstáculos.

Quando surge a palavra “Algarve”, associa-se mentalmente a outra palavra inglesa “relax”[2], o que é compreensível, por ser um dos maiores destinos turísticos dos portugueses, mas também estrangeiros, com predominância dos ingleses. Na BTL[3], o presidente da região de turismo do Algarve, Desidério Silva, afirmou que «o Algarve continua a ser o destino de férias dos turistas ingleses», tendo mencionado que só estes ocuparam, em 2017, 65,2 % das camas disponíveis na região, num total de 6,1 milhões de dormidas, representando metade dos passageiros movimentados no aeroporto de Faro. Dá que pensar! Dá que pensar… que empreendimentos turísticos, operadores turísticos e agências viagens e de aluguer de viaturas, companhias aéreas e, claro, turistas britânicos, tenham movimentado tantos milhões de libras esterlinas (GBP), em circuito fechado, e o dinheiro fique, na sua maioria, no Reino Unido. Dá que pensar… que um português, entrando num restaurante no Algarve, encontre ementas só em língua inglesa e empregados britânicos, e que para pedir uma simples mousse de chocolate o tenha que fazer em inglês. Dá que pensar… os enormes “outdoors”, à beira da estrada, cheios de frases tal como “Real Estate”, ou “Eco Luxe Exceptional Villas”, “Live the difference! Algarve Luxury Property”. Dá que pensar… a dependência britânica e os efeitos do Brexit[4] que, a curto prazo, inevitavelmente, irá alterar a sua afluência a esta região. Dá que pensar… a seca extrema que o país viveu em 2017, precisamente numa altura de época alta para o turismo, em que já se fazia sentir a falta de água e o seu consumo a subir exponencialmente. Dá que pensar… as “pegadas ecológicas”, originadas pelo turismo, com Portugal[5], em 2011, a deter «a 9.ª pegada ecológica mais elevada entre 24 países do Mediterrâneo”, sendo evidente na região algarvia. Para minimizar esta última situação, foi criado um projeto para «fornecer aos municípios as ferramentas para vivermos de forma sustentável com os nossos recursos naturais, preservando o planeta Terra[6]».

Na Feira de Turismo do Algarve, em 2007, o então ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho, fez a apresentação pública da marca “Allgarve”. Mesmo ainda sem se saber bem o que se pretendia com a “marca”, esta já estava a ser alvo de chacota, pela “aproximação inglesada”, como se tratasse de subjugação e perda de soberania. Dizia este ministro, na inauguração, ao anunciar um investimento inicial de seis milhões de euros: «O turismo está ao nível mais alto de sempre, mas a ambição vai mais além disto: queremos mais turistas de curta duração, turistas de férias e mais estrangeiros que procurem Portugal para segunda residência» e estaria muito confiante nos resultados que viriam a ser suscitados pela marca “Allgarve”, já que achava poder contribuir para «criar mais oferta de qualidade, compatibilizar turismo e ambiente, aumentar o número de companhias “low cost” presentes no aeroporto de Faro (…) e dar benefícios fiscais para segunda residência de estrangeiros». Na altura, a AHETA[7] rejeitou esta campanha, por entender que ofendia «as mais elementares regras e princípios de marketing turístico». Cinco anos depois, Elidérico Viegas, presidente da AHETA, referiu que o insucesso do “Allgarve” [acabado de extinguir] se deveu a má estratégia e teimosia do ex-ministro Manuel Pinho e que «o programa nasceu torto, nunca se endireitou e morreu sem glória». Também alguns deputados algarvios, da oposição, consideraram-no «um sorvedouro de dinheiro» [4,6 milhões de euros, só no último ano, acabando sem dinheiro para vencimentos].

“Algarve, sim! Oilgarve, nunca!” é o título de um artigo[8], de 2016, que refere já terem sido «atribuídas 9 concessões para exploração de petróleo e gás natural em águas e terras algarvias. O Turismo do Algarve não é e não quer ser o Turismo Petrolífero – são duas palavras que não combinam». No presente, sucedem-se as manifestações “contra” e sessões de esclarecimento, estimuladas por ambientalistas, a que se juntam algumas formações partidárias, movimentos de cidadãos e populações locais. Foi anunciado pela PALP – Plataforma Algarve Livre de Petróleo, que a ENI, Galp Energia, Portfuel, Repsol e Partex, querem fazer prospeções já em setembro, tanto em terra como ao largo da costa. A PALP exige «um estudo de impacto social, económico e ambiental, e, ainda, [pretende] pressionar o estado para publicitar toda a informação inerente à prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural em Portugal».

Sabe-se que o turismo representa 60% do emprego na região e que 40% deste território é área protegida. Sabe-se que a atividade de extração de hidrocarbonetos contribui para: o aquecimento global; fomentar a atividade sísmica, numa zona crítica; afastar a fauna marinha, devido ao intenso ruído que provoca; eventuais derrames de resíduos; perfurações indevidas, que podem atingir veios aquíferos[9]. Sabe-se que os combustíveis fósseis tendem a perder importância e que Portugal tem sido impulsionador – e muito bem – de energias alternativas renováveis, conseguindo-se chegar a uma produção autossuficiente.
      
Dá que pensar… até o resultado financeiro proveniente da exploração destes recursos naturais do subsolo poderá ir, maioritariamente, parar ao bolso de estrangeiros.

Ao mudarem-se mentalidades, que seja em abono deste planeta azul, com muitas manchas verdes e não negras. Que este despertar coletivo dê força à necessária resiliência contra “negócios escuros”, teimosia e más estratégias.

Allgarve… já era! Oilgarve… não, obrigado! Algarve, sempre!   

© Jorge Nuno (2018)


[1] Irlandês (1898 – 1950), foi dramaturgo / autor de comédias satíricas, romancista, contista, ensaísta e jornalista.
[2] Com o significado de tranquilidade, sossego, relaxamento…
[3] Bolsa de Turismo de Lisboa, de 2018.
[4] Designação da saída do Reino Unido da União Europeia.
[5] In site “Green Savers”.
[6] Idem.
[7] Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve.
[8] In esquerda.net
[9] Lençóis subterrâneos de água potável.

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