ALGARVE
– ALLGARVE – OILGARVE
Na
vida pessoal e na natureza, as mutações são constantes; nada é estático, nem
definitivo. Dizia George Bernard Shaw[1]: «O
progresso é impossível sem mudanças. Aqueles que não conseguem mudar as suas
mentes não conseguem mudar nada». É preciso reconhecer que, na maior parte das
vezes, é necessário muita ousadia e resiliência perante pressões adversas e que
conduza, com sucesso, à superação de obstáculos.
Quando
surge a palavra “Algarve”, associa-se mentalmente a outra palavra inglesa “relax”[2], o
que é compreensível, por ser um dos maiores destinos turísticos dos portugueses,
mas também estrangeiros, com predominância dos ingleses. Na BTL[3], o
presidente da região de turismo do Algarve, Desidério Silva, afirmou que «o Algarve
continua a ser o destino de férias dos turistas ingleses», tendo mencionado que
só estes ocuparam, em 2017, 65,2 % das camas disponíveis na região, num total
de 6,1 milhões de dormidas, representando metade dos passageiros movimentados
no aeroporto de Faro. Dá que pensar! Dá que pensar… que empreendimentos turísticos,
operadores turísticos e agências viagens e de aluguer de viaturas, companhias
aéreas e, claro, turistas britânicos, tenham movimentado tantos milhões de
libras esterlinas (GBP), em circuito fechado, e o dinheiro fique, na sua
maioria, no Reino Unido. Dá que pensar… que um português, entrando num
restaurante no Algarve, encontre ementas só em língua inglesa e empregados
britânicos, e que para pedir uma simples mousse de chocolate o tenha que fazer
em inglês. Dá que pensar… os enormes “outdoors”, à beira da estrada, cheios de
frases tal como “Real Estate”, ou “Eco Luxe Exceptional Villas”, “Live the
difference! Algarve Luxury Property”. Dá que pensar… a dependência britânica e os
efeitos do Brexit[4]
que, a curto prazo, inevitavelmente, irá alterar a sua afluência a esta região.
Dá que pensar… a seca extrema que o país viveu em 2017, precisamente numa
altura de época alta para o turismo, em que já se fazia sentir a falta de água
e o seu consumo a subir exponencialmente. Dá que pensar… as “pegadas ecológicas”,
originadas pelo turismo, com Portugal[5],
em 2011, a deter «a 9.ª pegada ecológica mais elevada entre 24 países do
Mediterrâneo”, sendo evidente na região algarvia. Para minimizar esta última
situação, foi criado um projeto para «fornecer aos municípios as ferramentas
para vivermos de forma sustentável com os nossos recursos naturais, preservando
o planeta Terra[6]».
Na
Feira de Turismo do Algarve, em 2007, o então ministro da Economia e da
Inovação, Manuel Pinho, fez a apresentação pública da marca “Allgarve”. Mesmo
ainda sem se saber bem o que se pretendia com a “marca”, esta já estava a ser
alvo de chacota, pela “aproximação inglesada”, como se tratasse de subjugação e
perda de soberania. Dizia este ministro, na inauguração, ao anunciar um
investimento inicial de seis milhões de euros: «O turismo está ao nível mais
alto de sempre, mas a ambição vai mais além disto: queremos mais turistas de
curta duração, turistas de férias e mais estrangeiros que procurem Portugal
para segunda residência» e estaria muito confiante nos resultados que viriam a
ser suscitados pela marca “Allgarve”, já que achava poder contribuir para
«criar mais oferta de qualidade, compatibilizar turismo e ambiente, aumentar o
número de companhias “low cost” presentes no aeroporto de Faro (…) e dar
benefícios fiscais para segunda residência de estrangeiros». Na altura, a AHETA[7]
rejeitou esta campanha, por entender que ofendia «as mais elementares regras e
princípios de marketing turístico».
Cinco anos depois, Elidérico Viegas, presidente da AHETA, referiu que o
insucesso do “Allgarve” [acabado de extinguir] se deveu a má estratégia e
teimosia do ex-ministro Manuel Pinho e que «o programa nasceu torto, nunca se endireitou
e morreu sem glória». Também alguns deputados algarvios, da oposição,
consideraram-no «um sorvedouro de dinheiro» [4,6 milhões de euros, só no último
ano, acabando sem dinheiro para vencimentos].
“Algarve,
sim! Oilgarve, nunca!” é o título de um artigo[8],
de 2016, que refere já terem sido «atribuídas 9 concessões para exploração de
petróleo e gás natural em águas e terras algarvias. O Turismo do Algarve não é
e não quer ser o Turismo Petrolífero – são duas palavras que não combinam». No
presente, sucedem-se as manifestações “contra” e sessões de esclarecimento,
estimuladas por ambientalistas, a que se juntam algumas formações partidárias,
movimentos de cidadãos e populações locais. Foi anunciado pela PALP – Plataforma
Algarve Livre de Petróleo, que a ENI, Galp Energia, Portfuel, Repsol e Partex,
querem fazer prospeções já em setembro, tanto em terra como ao largo da costa. A
PALP exige «um estudo de impacto social, económico e ambiental, e, ainda,
[pretende] pressionar o estado para publicitar toda a informação inerente à prospeção,
pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural em Portugal».
Sabe-se
que o turismo representa 60% do emprego na região e que 40% deste território é
área protegida. Sabe-se que a atividade de extração de hidrocarbonetos contribui
para: o aquecimento global; fomentar a atividade sísmica, numa zona crítica;
afastar a fauna marinha, devido ao intenso ruído que provoca; eventuais derrames
de resíduos; perfurações indevidas, que podem atingir veios aquíferos[9]. Sabe-se
que os combustíveis fósseis tendem a perder importância e que Portugal tem sido
impulsionador – e muito bem – de energias alternativas renováveis, conseguindo-se
chegar a uma produção autossuficiente.
Dá
que pensar… até o resultado financeiro proveniente da exploração destes
recursos naturais do subsolo poderá ir, maioritariamente, parar ao bolso de
estrangeiros.
Ao
mudarem-se mentalidades, que seja em abono deste planeta azul, com muitas
manchas verdes e não negras. Que este despertar coletivo dê força à necessária
resiliência contra “negócios escuros”, teimosia e más estratégias.
Allgarve…
já era! Oilgarve… não, obrigado! Algarve, sempre!
© Jorge Nuno (2018)
[1] Irlandês
(1898 – 1950), foi dramaturgo / autor de comédias satíricas, romancista,
contista, ensaísta e jornalista.
[2] Com o
significado de tranquilidade, sossego, relaxamento…
[3] Bolsa de
Turismo de Lisboa, de 2018.
[4]
Designação da saída do Reino Unido da União Europeia.
[5] In site
“Green Savers”.
[6] Idem.
[7] Associação
dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve.
[8] In
esquerda.net
[9] Lençóis
subterrâneos de água potável.
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