21/07/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (21) - Evolução - Entre Cemitérios e Corridas


EVOLUÇÃO – ENTRE CEMITÉRIOS E CORRIDAS

Normalmente, quando alguém, ou algo, chega ao fim de vida, torna-se inevitável falar em cemitério, quer se goste ou não da palavra ou da ideia. Comecemos pela ilusão dos “carros de sonho”. Sim, tal como as pessoas muito ricas, com um estatuto privilegiado na sociedade, também as viaturas mais fiáveis e apelativas no mercado, por mais caras que sejam e que dão status, vão parar ao cemitério e deixam-nos a certeza de que nada é eterno. Exemplo disso é o “estranho” cemitério com Ferraris, em Sacramento, E.U.A.

Entretanto, parece “normal” o cemitério quando se trata de viaturas clássicas / antigas. Tanto existe no Alabama, E.U.A., como em inúmeros locais do mundo, e que tem vindo a despoletar questões ambientais, pelos verdadeiros atentados à natureza. O maior cemitério de carros clássicos da Europa está situado num país impensável – a Suécia! Aconteceu a partir de 1967, ano em que se fez um referendo e foi aprovada a condução com o volante à esquerda, o que provocou a substituição, em massa, de viaturas com o volante à direita. Em 2017, a marca sueca Volvo anunciou que só iria produzir veículos elétricos. Prevê-se, num futuro próximo, um novo incremento de carros usados, movidos a gasóleo e gasolina, abandonados em cemitérios naquele país.    

No final de 2015, rebentou o escândalo, rotulado como o Dieselgate, após a descoberta que uma conceituada marca alemã – a Volkswagen (VW) – manipulou o software de mais de onze milhões de viaturas movidas a gasóleo e produzidas nas suas fábricas, para contornar os testes de emissões poluentes, que evidenciavam emissões bem superiores ao anunciado. Pressionada pelos E.U.A., a VW readquiriu, aos proprietários e concessionários, cerca de 350.000 veículos, gastando 7,4 mil milhões de dólares americanos e depositou-os em vários lotes de terreno espalhados pelo território norte-americano, com um total de 37 cemitérios. Nestes, inclui-se os cemitérios gigantes de Victorville, no deserto californiano, e em Detroit, sendo surpreendente e chocante a vista aérea com uma imensidão de automóveis novos e seminovos, alinhados, à espera de ser demolidos [e já o foram cerca de 20.000, segundo a agência Reuters]. Enquanto executivos da VW aguardam julgamento, outros responsáveis da marca admitem que, apesar dos elevados custos, as viaturas possam vir a ser reparadas e devolvidas aos clientes, prevendo-se que algumas outras possam ser “recondicionadas”.

Observa-se uma produção na indústria automóvel superior à procura, que provoca o armazenamento dos stocks excedentes a céu aberto, em muitos pontos do mundo. Entre outros, são muito conhecidos os casos de viaturas novas não escoadas e em elevado número nos seguintes locais: porto de Sheerness, Corby e Avonmouth, Inglaterra; São Petersburgo, Rússia; porto de Civitavecchia, Itália e porto de Valência, Espanha.

Contrariamente ao exposto, em Portugal, as vendas de viaturas novas tem vindo a disparar. O Diário de Noticias on-line, de 17 de julho de 2018, divulgou que «em maio de 2018 foram batidos recordes [na concessão de crédito automóvel, neste país]», sendo que nos primeiros cinco meses do ano registaram-se mais de 89.000 financiamentos concedidos[1], a «um ritmo de quase 600 por dia», levando a empréstimos de «mais de 1,26 mil milhões de euros nesse período». As novas regras de concessão de crédito recomendadas pelo Banco de Portugal vêm colocar travão nas vendas. A par desta iniciativa, a Comissão Europeia quer que os estados-membros apliquem o novo método WLTP (worldwide harmonized light vehicles test procedure), mais realista quanto a consumos e emissões poluentes, transitoriamente, a partir de 1 de setembro, que levará a aumentos significativos do custo de aquisição das viaturas convencionais novas, e definitivamente em janeiro de 2019, que conduzirá a novo aumento.    

Quanto aos muitos milhares de automóveis elétricos, produzidos inicialmente como um produto inovador, mas com um risco mal calculado, foram apodrecendo em grandes cemitérios, devido a lóbis da indústria petrolífera e da indústria automóvel convencional, além da falta de autonomia das viaturas elétricas e da inexistência de pontos de abastecimento elétrico, confinando-os a pequenos circuitos locais.

«Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades / muda-se o ser, muda-se a confiança: / todo o mundo é composto de mudança / tomando sempre novas qualidades (…)»[2]. Em Portugal, a venda de carros elétricos também disparou, registando-se um aumento de 130% em julho de 2017, face a período homólogo. Com os incentivos fiscais, decorrentes da ausência de emissões poluentes, a tendência é para continuar a aumentar as vendas de veículo com esta tecnologia amiga do ambiente, reforçado pelo novo ajuste que faz disparar o preço das viaturas a gasolina e gasóleo.

Atenta à evolução, a FIA[3] criou a série Fórmula E, com carros elétricos e que, além da competição, promovem o desenvolvimento deste tipo de viatura, ao nível da potência, aerodinâmica, eficiência…

Em junho de 2018, realizou-se em Portugal o 1.º Eco Rally, com carros exclusivamente elétricos, integrado no FIA Electric and New Energy Championship 2018. Teve classificativas nas serras da Arrábida e de Sintra. Segundo a UVE[4], que esteve na organização, «pretende-se medir a regularidade, não a velocidade pura».

No cemitério do Gethsêmani Morumbi, São Paulo, Brasil, que tem uma área de 135.000 metros quadrados, está disponível uma significativa frota de veículos elétricos para facilitar o acesso das pessoas às campas distantes da portaria, e também para transporte dos defuntos à sua última morada. 

Até lá… bons passeios, sem pressa e, preferivelmente, sem poluição.
© Jorge Nuno (2018)

       




[1] Fonte: Banco de Portugal.
[2] Luís Vaz de Camões, num soneto escrito em pleno século XVI.
[3] Federação Internacional do Automobilismo.
[4] Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos.

07/07/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (20) - "A Última Coca-Cola no Deserto"


A ÚLTIMA COCA-COLA NO DESERTO

Para Portugal, o Mundial da Rússia já é passado. Poucas horas a seguir à desilusão, os portugueses atentos conseguiram ganhar algum de ânimo, ao saber que, pela segunda vez consecutiva, este país é o grande triunfador dos World Travel Awards, considerados os “Óscares” do Turismo. Obteve 36 prémios, entre eles: o Melhor Destino Europeu (pelo segundo ano consecutivo); Lisboa, como sendo a Melhor Cidade Destino da Europa e com o Melhor Porto de Cruzeiros (pelo terceiro ano consecutivo); a Madeira a ser considerada o Melhor Destino Insular; os passadiços do Paiva, na Serra da Freita, a Melhor Atração de Turismo Aventura… Na mesma ocasião, soube-se também que Portugal terminou a sua participação nos Jogos do Mediterrâneo – em que fez a sua estreia, representado em 29 modalidades – e conseguiu três medalhas de ouro, oito de prata e treze de bronze, atenuando a desilusão do futebol.

É certo que o elevado número de turistas que nos visitam fomentam a economia, contribuindo para que haja uma sensação coletiva agradável de um Portugal que, decididamente, terá saído da crise, ajudando a superá-la. Parece respirar-se de outra forma, com mais confiança no futuro. Mas também é certo que este inusitado afluxo de turistas, particularmente nas grandes metrópoles de Lisboa e Porto, e ainda mais nos seus centros históricos, estão a causar problemas impensáveis há pouco anos atrás. São contratos de arrendamento a não ser renovados e os moradores a ser despejados, para investimento no turismo de habitação ou requalificação para reinvestimento, e a muita procura a fazer disparar os preços nas vendas dos imóveis, criando um mercado artificial, com valores altamente inflacionados, que leva o Banco de Portugal a apertar os critérios para a concessão de empréstimo para a compra de habitação e para o crédito ao consumo, que colide contra tanto entusiasmo.

Os portugueses ainda mais atentos não deixam passar em claro um novo máximo histórico da nossa dívida pública, preocupante, atingido em maio deste ano; representa um total de 250.313 milhões de euros, de acordo com dados revelados pelo Banco de Portugal. Só o setor empresarial do Estado, em 2017, tem uma dívida de 24.290,7 milhões de euros, segundo o Jornal Económico, sendo que «a Infraestruturas de Portugal continua a ser a empresa pública mais endividada (…) com uma dívida de 8.289 milhões [de euros]».

Bem, talvez se compreenda que os portugueses prefiram saber as novidades no arranque da época desportiva dos “três grandes”, cada um, à sua maneira, a procurar acumular pontos antes do apito inicial do jogo. Sabe-se da importância em atribuir importância a algo, como forma de a promover, em que a imagem positiva daí resultante dá frutos. Veja-se o caso das finanças portuguesas e do respetivo ministro – Mário Centeno –, que em virtude do “milagre” conseguido, foi eleito presidente do Eurogrupo. Até parece que ele era a última bolacha do pacote ou a última coca-cola no deserto.

Talvez se compreenda a necessidade de introduzir o marketing em quase tudo, se entendermos o conceito, segundo Philip Kotler, como a «ciência e a arte de explorar, criar e entregar valor para satisfazer as necessidades de um mercado-alvo com lucro. Marketing identifica necessidades e desejos não realizados». E neste sentido, Portugal tem apostado no Turismo e na própria imagem no exterior e, no futebol, a SAD do Sporting Clube de Portugal tem muito trabalho a fazer, principalmente para unir os associados e adeptos, depois de ver desbaratinado o seu plantel principal. Quanto ao ex-treinador deste clube, tantas vezes acusado de se achar melhor treinador que qualquer outro, sempre me pareceu um homem simples, que percebe do negócio, que sabe o que quer e o que não quer. Deliberadamente, ou não, soube construir a sua imagem e quando foi “empurrado” para fora de um grande clube, foi logo acolhido por outro grande clube, e agora por outro, de grandes posses financeiras, na Arábia Saudita – país em que mais de metade do seu território é deserto. Não sabemos se os adeptos do Al-Hilal entenderam que Jorge Jesus seria a última coca-cola no deserto, ou que o próprio pense isso de si mesmo, mas retemos, com alguma estranheza, o entusiasmo com que foi recebido no aeroporto de Riade.

No Mundial não fomos além dois oitavos, é uma realidade; mas há realidades só possíveis no mundo do futebol, como é o caso de dezenas de muçulmanos a aclamar, em uníssono, o ex-treinador do Sporting Clube de Portugal: “Jesus! Jesus! Jesus!...”!

© Jorge Nuno (2018)