EVOLUÇÃO
– ENTRE CEMITÉRIOS E CORRIDAS
Normalmente,
quando alguém, ou algo, chega ao fim de vida, torna-se inevitável falar em
cemitério, quer se goste ou não da palavra ou da ideia. Comecemos pela ilusão
dos “carros de sonho”. Sim, tal como as pessoas muito ricas, com um estatuto
privilegiado na sociedade, também as viaturas mais fiáveis e apelativas no
mercado, por mais caras que sejam e que dão status,
vão parar ao cemitério e deixam-nos a certeza de que nada é eterno. Exemplo
disso é o “estranho” cemitério com Ferraris, em Sacramento, E.U.A.
Entretanto,
parece “normal” o cemitério quando se trata de viaturas clássicas / antigas.
Tanto existe no Alabama, E.U.A., como em inúmeros locais do mundo, e que tem
vindo a despoletar questões ambientais, pelos verdadeiros atentados à natureza.
O maior cemitério de carros clássicos da Europa está situado num país
impensável – a Suécia! Aconteceu a partir de 1967, ano em que se fez um referendo e foi
aprovada a condução com o volante à esquerda, o que provocou a substituição, em
massa, de viaturas com o volante à direita. Em 2017, a marca sueca Volvo
anunciou que só iria produzir veículos elétricos. Prevê-se, num futuro próximo,
um novo incremento de carros usados, movidos a gasóleo e gasolina, abandonados
em cemitérios naquele país.
No
final de 2015, rebentou o escândalo, rotulado como o Dieselgate, após a
descoberta que uma conceituada marca alemã – a Volkswagen (VW) – manipulou o software de mais de onze milhões de
viaturas movidas a gasóleo e produzidas nas suas fábricas, para contornar os
testes de emissões poluentes, que evidenciavam emissões bem superiores ao
anunciado. Pressionada pelos E.U.A., a VW readquiriu, aos proprietários e
concessionários, cerca de 350.000 veículos, gastando 7,4 mil milhões de dólares
americanos e depositou-os em vários lotes de terreno espalhados pelo território
norte-americano, com um total de 37 cemitérios. Nestes, inclui-se os cemitérios
gigantes de Victorville, no deserto californiano, e em Detroit, sendo
surpreendente e chocante a vista aérea com uma imensidão de automóveis novos e
seminovos, alinhados, à espera de ser demolidos [e já o foram cerca de 20.000,
segundo a agência Reuters]. Enquanto executivos da VW aguardam julgamento,
outros responsáveis da marca admitem que, apesar dos elevados custos, as
viaturas possam vir a ser reparadas e devolvidas aos clientes, prevendo-se que
algumas outras possam ser “recondicionadas”.
Observa-se
uma produção na indústria automóvel superior à procura, que provoca o
armazenamento dos stocks excedentes a céu aberto, em muitos pontos do mundo. Entre
outros, são muito conhecidos os casos de viaturas novas não escoadas e em
elevado número nos seguintes locais: porto de Sheerness, Corby e Avonmouth,
Inglaterra; São Petersburgo, Rússia; porto de Civitavecchia, Itália e porto de
Valência, Espanha.
Contrariamente
ao exposto, em Portugal, as vendas de viaturas novas tem vindo a disparar. O
Diário de Noticias on-line, de 17 de
julho de 2018, divulgou que «em maio de 2018 foram batidos recordes [na
concessão de crédito automóvel, neste país]», sendo que nos primeiros cinco
meses do ano registaram-se mais de 89.000 financiamentos concedidos[1], a
«um ritmo de quase 600 por dia», levando a empréstimos de «mais de 1,26 mil
milhões de euros nesse período». As novas regras de concessão de crédito
recomendadas pelo Banco de Portugal vêm colocar travão nas vendas. A par desta
iniciativa, a Comissão Europeia quer que os estados-membros apliquem o novo método
WLTP (worldwide harmonized light vehicles
test procedure), mais realista quanto a consumos e emissões poluentes,
transitoriamente, a partir de 1 de setembro, que levará a aumentos
significativos do custo de aquisição das viaturas convencionais novas, e
definitivamente em janeiro de 2019, que conduzirá a novo aumento.
Quanto
aos muitos milhares de automóveis elétricos, produzidos inicialmente como um
produto inovador, mas com um risco mal calculado, foram apodrecendo em grandes
cemitérios, devido a lóbis da indústria petrolífera e da indústria automóvel
convencional, além da falta de autonomia das viaturas elétricas e da
inexistência de pontos de abastecimento elétrico, confinando-os a pequenos
circuitos locais.
«Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades / muda-se o ser, muda-se a confiança: / todo o
mundo é composto de mudança / tomando sempre novas qualidades (…)»[2]. Em
Portugal, a venda de carros elétricos também disparou, registando-se um aumento
de 130% em julho de 2017, face a período homólogo. Com os incentivos fiscais,
decorrentes da ausência de emissões poluentes, a tendência é para continuar a
aumentar as vendas de veículo com esta tecnologia amiga do ambiente, reforçado pelo
novo ajuste que faz disparar o preço das viaturas a gasolina e gasóleo.
Atenta
à evolução, a FIA[3]
criou a série Fórmula E, com carros elétricos e que, além da competição,
promovem o desenvolvimento deste tipo de viatura, ao nível da potência,
aerodinâmica, eficiência…
Em
junho de 2018, realizou-se em Portugal o 1.º Eco Rally, com carros
exclusivamente elétricos, integrado no FIA
Electric and New Energy Championship 2018. Teve classificativas nas serras
da Arrábida e de Sintra. Segundo a UVE[4],
que esteve na organização, «pretende-se medir a regularidade, não a velocidade
pura».
No
cemitério do Gethsêmani Morumbi, São Paulo, Brasil, que tem uma área de 135.000
metros quadrados, está disponível uma significativa frota de veículos elétricos
para facilitar o acesso das pessoas às campas distantes da portaria, e também
para transporte dos defuntos à sua última morada.
Até lá… bons passeios, sem pressa e, preferivelmente, sem poluição.
Até lá… bons passeios, sem pressa e, preferivelmente, sem poluição.
© Jorge Nuno (2018)
[1] Fonte: Banco de Portugal.
[2] Luís Vaz de Camões, num soneto
escrito em pleno século XVI.
[3] Federação Internacional do
Automobilismo.
[4] Associação de Utilizadores de
Veículos Elétricos.