VISIONÁRIOS,
MILHÕES, SANITAS E NOTÍCIAS FALSAS
Têm
surgido, cada vez com mais frequência, investigadores e investidores
visionários e arrojados, a conseguir feitos extraordinários, envolvendo,
inevitavelmente, muitos milhões. Para corroborar o que se afirma, aqui ficam
três casos surpreendentes, noticiados recentemente.
1
- «Implante no cérebro permitiu usar tablets
com o pensamento[1]».
Dá-se conta de um teste, bem-sucedido, com três voluntários tetraplégicos, que
se deixaram submeter ao implante de um chip
– «um pequeno sensor [do tamanho de um comprimido], instalado na parte córtex
responsável pelo movimento». Estes voluntários «conseguiram usar programas num tablet para mandar correio eletrónico,
trocar mensagens num chat, ouvir
música e usar aplicações de partilha de vídeos (…). Navegaram na Internet,
fizeram compras online, contactaram
família, amigos, trocaram mensagens entre si e com a equipa de investigadores
de várias instituições norte-americanas, como as universidades de Stanford e
Brown». É referido no artigo que «a tecnologia Braingate deteta sinais
associados com movimentos registados no córtex motor, descodifica-os e envia-os
para dispositivos externos»; assim, é possível «mover o cursor e selecionar um
ícone 22 vezes por minuto numa série de aplicações». Nasce a esperança de
melhor qualidade de vida para pessoas tetraplégicas ou que sofram de esclerose
lateral amiotrófica.
2
– Os parlamentares europeus, com o apoio de técnicos especializados, andaram
uma enormidade de tempo para harmonizar as normas europeias relativas às
sanitas nos estados-membros. Tê-lo-ão conseguido, com a referência e título da
norma: EN 997:2012 «Sanitas independentes e conjuntos de sanitas e cisternas
com sifão incorporado». A entrada em vigor deu-se em 1.12.2012. Passados seis
anos, não é preciso ser-se muito viajado para nos apercebermos da disparidade
de sanitas existentes, dos elevados consumos de água na descarga, a revelar
pouca eficiência e, em muitos casos, inexistência de redes ou de falta de
tratamento de esgotos. O visionário e filantropo Bill Gates – o fundador da
Microsoft – foi mais longe, investindo mais de 200 milhões de dólares em sete
anos de trabalho de investigação nesta área, através da Fundação Bill e Melinda
Gates – que tanto tem contribuído para o desenvolvimento humano –. A notícia é
dada do seguinte modo: «Bill Gates apresentou o futuro da sanita[2]»,
sabendo-se que «2,3 mil milhões de pessoas em todo o mundo ainda não tem acesso
a saneamento básico[3]».
Recentemente, Bill Gates esteve num evento, em Pequim, precisamente sobre
saneamento; terá levado consigo um frasco com fezes humanas, para sensibilizar
para esta problemática, e «apresentar 20 ideias para melhorar o saneamento em
locais que não tem redes de esgotos». Naquele frasco, poderiam estar «quase 200
biliões de rotavírus, 20 mil milhões de bactérias e 100 mil ovos de larvas
parasitárias», daí surgirem tantas doenças como a cólera, diarreia e outras. As
vinte ideias apresentadas seriam «20 protótipos de produtos sanitários,
pensados para destruir bactérias e outros organismos causadores de doenças»,
tendo chegado a uma sanita inovadora que «separa resíduos sólidos dos líquidos
e dispensa a criação de uma rede de esgotos»; prevê-se que possam estar
disponíveis em 2030. Até lá, continuarão a morrer – segundo ele – cerca de 500
mil pessoas por ano, devido a mau saneamento.
3
– «O homem mais rico em Portugal, conhecido como o ‘Rei da Indústria Alimentar’
devolve ao povo no seu último projeto[4]».
Trata-se de Alexandre Soares dos Santos, o tal que foi acusado de: desviar a
sede do grupo Jerónimo Martins para a Holanda, por haver ali uma menor
tributação fiscal; promover campanhas sem IVA nos hipermercados Pingo Doce no
dia 1.º de Maio, em vez de libertar os seus milhares de colaboradores neste dia
do trabalhador; fazer comentários polémicos, mal aceite, apesar de estarmos
numa democracia. A notícia que tem vindo a circular no site da CNN, assinado pela jornalista Kaya Yurieff, garante que «O
dono do Pingo Doce investiu 100 milhões de euros em bitcoins» e continua: «Apesar da ingratidão e injustiças do governo
em Portugal, Soares dos Santos prestou uma ajuda tremenda ao governo nas
últimas décadas. As suas contribuições para a civilização portuguesa e
assistência que prestou ao governo não tem paralelo nos últimos 20 anos e, com
93 anos, elaborou discretamente um plano para devolver o controlo financeiro ao
povo português com um investimento de 100 milhões na sua última empresa Bitcoin
Revolution. Este é o seu último desejo». Sugere-se a obtenção de lucros fáceis
e acentuados, com um investimento mínimo de € 250, que pode render mais de €
1500 num curtíssimo espaço de tempo. No Polígrafo[5]
surge o título: «Fake news sobre
Alexandre Soares dos Santos anuncia investimentos que nunca existiu». A suposta
autora «garante ao Polígrafo que nunca a escreveu». Confirma-se que a CNN não
tem conteúdos em Português, que depois de clicar no seu site é remetido para Sundaynewsfeed, que «Soares dos Santos não
investiu na dita empresa Bitcoin Revolution, nem tem qualquer ligação a essa
entidade (…) que aparenta ser um esquema fraudulento. Toda a informação
apresentada no artigo é falsa, servindo de chamariz para a promoção da Bitcoin
Revolution e captação de eventuais investidores (…) e acabam por ser pedidos
dados pessoais e bancários».
Estão
a proliferar as fake news – ou
notícias falsas – que, por não serem imediatamente desmascaradas, podem
conduzir a situações fraudulentas, criar demasiado ruído em torno de
determinado assunto, desviar a atenção de reais problemas, fazer extremar
posições com aproveitamento político e até fazer mudar o sentido de voto em
período eleitoral. Toda a atenção é pouca, pois são notícias em que as pessoas
embarcam facilmente e discutem logo nas redes socias, influenciando-se
mutuamente. Está ser muito frequente nas notícias sobre desporto. E então,
quando se trata de dinheiro, quando a galinha é muito gorda… há que ter cuidado
redobrado com as promessas de lucro fácil.
© Jorge Nuno (2018)
[1] Título
do artigo do DN/Lusa, 21.11. 2018
[2] Título
do artigo do Jornal Público, 6.11.2018, assinado por Inês Chaíça
[3] Dados da
OMS – Organização Mundial de Saúde
[4] In CNN,
pela jornalista Kaya Urieff, em 18.09.2018
[5]
Considera-se o primeiro jornal português de Fact Cheking