20/11/2019

Crónicas Leves - GENES DOS PORTUGUESES


GENES DOS PORTUGUESES

O conceituado patologista e investigador – Sobrinho Simões – na qualidade de presidente da Comissão Organizadora do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, referiu no seu discurso de 10 de junho de 2017: “(…) Os portugueses têm uma mistura notável de genes com as mais variadas origens, se há algo único, ou quase único em nós, é essa mistura genética. (…) E também porque fomos através do mar para tudo quanto era sítio na África, na Ásia e na América do Sul e de lá voltámos com filhos e, sobretudo, filhas. (…) O ponto que estou a procurar salientar é que a incorporação dos genes foi acompanhada pela incorporação das respetivas culturas, criando uma sociedade de genes muito variadas, tolerante em termos religiosos, avessa aos extremismos pseudo-identitários que irrompem um pouco por todo o lado. (…) Graças a nós e às nossas circunstâncias, temos todos os ingredientes, dos genéticos aos ambientais aos socioculturais e tecnológicos para aproveitar pela positiva, os tempos difíceis que se vivem na Europa e no mundo. Os nossos netos não nos perdoarão se desperdiçarmos esta oportunidade (…).”

Feita esta “repescagem”, que ajuda a uma melhor compreensão dos portugueses, enquanto povo, e os coloca num patamar elevado e único, mas igualmente com fortes responsabilidades, vejamos, apenas como exemplo, algumas miscelâneas de casos singulares.

— A prova como os portugueses estão espalhados pelo mundo e, inevitavelmente, assimilam outras culturas é o facto de Portugal ser o país da União Europeia [EU] que mais recebe remessas de emigrantes, no valor aproximado de 3 mil milhões de euros anuais. Com o crédito facilitado em Portugal, este é o país da EU com mais crédito malparado, o que remete para um vasto leque de consumidores portugueses que vive acima das suas possibilidades e não consegue cumprir com os compromissos assumidos.
— No último dia 18 de novembro foi assinalado o Dia Europeu para a Proteção das Crianças Contra a Exploração Sexual e Abuso Sexual. O Relatório Anual 2018, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima [APAV], com base nos 46.371 atendimentos, maioritariamente por violência doméstica,  refere, entre outros, os crimes contra as pessoas, de natureza sexual: violação (crianças ou adultos) – 165; assédio sexual – 23; lenocídio – 9; importunação sexual – 126; abuso sexual de crianças – 346; abuso sexual de menores dependentes – 15; abuso sexual de pessoa incapaz de resistência – 5; pornografia de menores – 31; coação sexual – 50; outros crimes sexuais – 80. Dados recentes do Ministério da Justiça apontam para 2750 crimes de abuso sexual de crianças nos últimos 3 anos, sendo que cerca de 54% dos crimes praticados ocorreram no seio familiar. São números perturbadores, tendo em conta que ao tempo da intervenção da troika em Portugal e, com base em estimativas demográficas do Eurostat, Portugal teria, em 2013, “a mais baixa taxa bruta de natalidade entre os 28 estados-membros” – situação que se tem mantido com ligeiras oscilações –, ficando a ideia, nalgumas esferas, que a imigração de jovens pode ajudar a inverter esta situação, já que os jovens portugueses, com qualificações elevadas, preferem emigrar. Os portugueses que ficam, aventuram-se menos a trazer filhos ao mundo e aventuram-se, cada vez mais, em situações que entram no conceito de crime sexual.     
Mas os portugueses dão prova de excelência em vários domínios, seja na solidariedade, investigação, fiscalidade, artes de palco, desporto… Envolveram-se numa gigantesca onda de solidariedade quando se deu a ocupação de Timor e as imagens de TV mostraram alguns atos de barbárie, cometidos pelo regime indonésio. Pareceu-me que nunca tinha visto o povo português tão unido! A ajuda, bem mais do que moral, chegou ao outro lado do mundo. Mas este mundo dá muitas voltas e, mais uma vez se refere aqui o “tempo da troika”, para dizer que ficámos sensibilizados ao ver o jovem país Timor-Leste a fazer chegar-nos um donativo, numa altura em que Portugal ficou de pantanas, viu serem vendidas as “joias da coroa”, demasiadas tragédias humanas e a economia desfeita, muito por falta de uma governação cuidada, mas, acima de tudo, pelo desvio de avultadas quantias de dinheiro e bancos forçados a fechar portas. Há, por cá, quem seja perito em engenharia financeira, com cursos financiados pelo Estado para defraudar o próprio Estado. Soa a escandalosa a impunidade na questão da aplicação de capitais em offshores, mas a indolência dos portugueses leva-os a não se preocupar com estes paraísos fiscais, nem com a sangria de euros, que torna as remessas anuais dos emigrantes nuns simples trocos; não querem saber que a estrutura do Banco de Portugal crie um crivo de malha fina para tentar controlar contas  bancárias superiores a € 50.000 e deixe “passar” quando se trata de centenas de milhões. No entanto, os portugueses denotaram surpresa, e esboçaram alguma indignação, ao estalarem os escândalos relacionados com os donativos – resultantes de mais uma enorme onda de solidariedade –, aquando dos incêndios que originaram demasiadas mortes e destruição na região centro do país.
— Sim, temos cá gente excelente nas suas áreas. A missão da Polícia Marítima portuguesa no Mediterrâneo, junto à costa grega e à presente data, já permitiu resgatar quase 6700 migrantes ilegais desde 2014; algumas estações de TV portuguesas aumentaram o número para 15000. A Organização Mundial de Cancro da Mama [ABC Global Alliance] vai ser presidida pela médica oncologista, Fátima Cardoso, que acabou de ser distinguida com o prémio de Cancro da Mama Avançado, sendo que esta organização vai mudar a sua sede para Lisboa. A Fundação Champalimaud, com sede em Pedrouços, vai instituir um novo prémio anual de 1 milhão de euros para “distinguir trabalhos de investigação inovadores” esperando-se que permitam levar à cura do cancro; ao lado do centro clínico da Fundação – que está na vanguarda e tem projeção e credibilidade a nível mundial –, irá ser construído um novo centro de investigação e tratamento do cancro do pâncreas, com 50 milhões de euros doados por um casal estrangeiro, que acredita na potencialidade do projeto ser desenvolvido em Portugal. A Universidade de Sófia, Bulgária, vai instituir a cátedra José Saramago, em reconhecimento do mérito deste português, Nobel da Literatura. José Cid recebeu o Grammy latino de excelência musical. Crianças, jovens e atletas paralímpicos portugueses estão entre os melhores do mundo em modalidades desportivas de salão. No Dubai, o português Jordan foi eleito o melhor jogador de futebol de praia, depois de ser campeão mundial e europeu pela seleção nacional e campeão europeu pelo clube que representa – o Sporting de Braga. Mas não é bem com este futebol que o povo português vibra. Unidos, sim, mas com o futebol… futebol! A seleção portuguesa, com evidente mistura genética, é a atual campeã da Europa, a vencedora da Taça das Nações e estará pela 11.ª vez consecutiva nos maiores eventos mundiais desta modalidade; à boa maneira portuguesa, as grandes decisões arrastam-se sempre para os últimos minutos, com sofrimento e a olhar para o resultado do adversário direto. Mas é disto que o povo gosta!

Mas atenção, há que não ficar entorpecido! Lembremo-nos da frase de Sobrinho Simões sobre o legado aos nossos netos e do inconformismo do músico, cantor, compositor e produtor – José Mário Branco – que agora nos deixou. Cantava ele: “(…) Mas se todo o mundo é composto de mudança, troquemos-lhe as voltas q’inda o dia é uma criança (…)”.

© Jorge Nuno (2019)