A LUCIDEZ DO EMBRIAGADO
Já na
rua, bem agasalhado, sozinho, começo o meu habitual passeio pedestre, que tanto
pode ter de saudável como de doentio – quando em esforço, ultrapasso a dúzia de
quilómetros –. De repente, sinto um arrepio eletrizante na coluna, que se
expande em frações de segundo por todo o corpo. Não, não é influência do
intenso frio nesta manhã de inverno. Apenas o relance do sonho quase a
esfumar-se e, que com algum esforço, tento recuperar, depois de ter acordado há
uma hora atrás. Havia uma aranha negra a trabalhar a sua teia e muito dinheiro
a voar. Viam-se euros, yenes, libras esterlinas, dólares americanos, riais
sauditas, rublos, yuans, francos suíços, shekels e papel-moeda de muitos outros
países. A movimentação do dinheiro não era desordenada, como no caso da noite
de Natal em Hong Kong, quando se abriram as portas traseiras de um carro de
transporte de valores, com quase quinze milhões de dólares americanos, espalhando
as notas por uma movimentada avenida e que muitos aproveitaram para recolher e,
honestamente, entregar às autoridades, enquanto que outros, embora não
comemorando o Natal, terão pensado tratar-se de uma ”prenda” que podiam levar
para casa. A movimentação das notas era algo semelhante a um tapete voador, das
histórias das “Mil e Umas Noites”. As notas voavam ordenadamente, como quem não
tem pressa de chegar, com uma direção precisa, num único sentido, ondeando
ligeiramente, sendo mais evidente nas pontas.
Durante
o percurso, costumo fazer uso da contemplação, no contacto com a natureza, e
vou tirando algumas fotos para reter o que vejo de interessante e de agradável,
numa tentativa, natural, de começar o dia a relaxar, procurando abster-me das
notícias desagradáveis com que sou bombardeado diariamente e que me provocam
irritação… mas, por momentos, não resisto: vem-me à mente a falta de capacidade
dos Serviços de Urgências dos Hospitais, onde morrem pessoas por falta de
assistência e as declarações da DGS num dos balanços da gripe, onde se ficou a
saber terem morrido mais 1900 pessoas nas duas primeiras semanas do ano do que
em igual período do ano passado, denotando o SNS estar a acusar os cortes e a
evidenciar falta de meios, conduzindo ao recurso das urgências do setor privado.
Consigo
desviar a atenção das “desgraças”, ao parar junto de uns arbustos – azevinho –
sentindo-me deliciado com as folhas mescladas de verde e branco (de um pouco de
neve que ainda restava) e o contraste das bagas vermelhas. Prossigo a
caminhada, numa passada tão vigorosa quanto o trilho e o físico permitem, e vem
à mente o sonho com o dinheiro a voar. – Mas o dinheiro nem era meu!... –
penso, quase numa tentativa de voltar a desviar do pensamento o que queria
evitar. Depois, volta à baila a aranha negra. Pensando bem, afinal, parece-me
que não haverá motivos para ficar preocupado, pois as aranhas podem assustar…
mas o seu simbolismo, no sonho, está associado à criatividade, que algo me
poderá estar a inspirar, pelo que devo corresponder a esses impulsos criativos.
E ver a aranha a tecer a teia poderá significar que serei recompensado pelo meu
esforço. Sinto-me um pouco mais tranquilo e lembro-me de um pequeno texto que
escrevi em 2012, pondo-me a recitá-lo alto, enquanto caminho.
“A
ARANHA
Estes
aracnídeos são feios, assustam, matam.
Estes
aracnídeos repugnam.
Sabem
produzir seda para a construção das teias.
Sabem
como construir teias.
Sabem
como construir teias resistentes.
Sabem
como construir teias resistentes a climas adversos.
Sabem
esperar pelas vítimas.
Os
membros do Clube de Bilderberg também.”
Volta
tudo à primeira forma, pois dá-se um clique e lembro-me do dinheiro a voar no
sonho e junto as peças do puzzle, com
o Clube de Bilderberg – o clube secreto, como sendo a “mão invisível” dos poderosos
que operam na sombra e controlam e orientam decisões em todo o mundo. Alega
mesmo a jornalista e escritora sevilhana, Cristina Martín Jimenez, depois de
exaustiva investigação, que se deu um ataque financeiro planeado a Portugal e
que há uma intenção clara, daqueles, em contribuir para que se retire aos
países a capacidade decisora (leia-se: perda de soberania), esvaziando o poder
democrático.
Há quem
não tenha dúvidas que Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor-geral do FMI, nomeado
para o cargo após indicação do Clube de Bilderberg, foi vítima de uma
conspiração construída ao mais alto nível por se ter tornado uma ameaça
crescente aos grandes grupos financeiros mundiais. As suas declarações, como a
necessidade de regular os mercados e as taxas de transações financeiras, assim
como uma distribuição mais equitativa da riqueza, assustaram os que manipulam,
especulam e mandam na economia mundial, tornando-se, por isso, a sua “sentença
de morte”. Através do relatório da ONG britânica Oxfan, certamente
saberia que os oitenta mais ricos mundo têm tantos ativos como os 3,5 mil
milhões de mais pobres (recentemente, é indicado que em 2016 o 1% mais rico
terá mais de 50% dos ativos existentes no mundo); que os setores que mais cresceram
e que compõem a riqueza do 1% são, fundamentalmente, os das finanças, dos seguros,
seguindo-se os da saúde (serviços médicos e indústria farmacêutica), que investem
muito em lobbying; saberia que,
através de um órgão das Nações Unidas, a riqueza mundial estava concentrada nas
mãos de um número restrito de pessoas e que o fosso aumentava a um ritmo
alarmante e que se essa renda mundial fosse distribuída de uma maneira
equitativa, cada cidadão disporia de ativos na ordem dos 21 mil dólares
americanos.
“Esta”
democracia grega e o líder do Syriza, recém-empossado primeiro-ministro grego (mesmo
fazendo uma estranha coligação com o pequeno partido nacionalista de direita
“Gregos Independentes”, para ter maioria no parlamento), será fonte de enorme
inspiração para cidadãos de outros países que se querem livrar das “garras
opressoras”. É, simultaneamente, uma forte preocupação para aqueles que detêm
excessiva importância na União Europeia e nos meios financeiros mundiais e,
como tal, poderá ser um alvo a abater. É que o Alexis Tsipras fez a afronta, na
campanha eleitoral, de dizer “não a mais resgates, não a mais submissão, não a
mais chantagens”, quer correr imediatamente com a troika, acha que os governantes devem trabalhar em prol dos
cidadãos que os elegeram e não devem desmerecer essa confiança e, ainda por
cima, escolheu para ministro das finanças um economista que é conhecido pelas
suas posições de recusa de mais austeridade no país. Logo após serem conhecidos
os resultados, do FMI, do Bundesbank e do ministério das finanças alemão, surgiu
logo a chuva de avisos que “o apoio económico externo só continua se forem
cumpridos os acordos”. Logo após a tomada de posse, o primeiro-ministro grego
respondeu com uma visita, cheia de simbolismo, ao monumento às vítimas dos
nazis em Atenas.
Ia nas
cogitações sobre as desigualdades sociais como geradoras de conflitos e nas
supostas lutas religiosas… quando passo, a caminho de casa, ao lado de um “snack-tasca”,
procurado tanto pela bebida como pelas saias, e vejo um conhecido sujeito,
visivelmente embriagado, a cambalear, apesar de ter um braço na parede e estar
a ser segurado por uma das “meninas” que ali trabalha – sujeito que já tinha
visto noutra altura, igualmente naquele estado, a ser segurado por três
“meninas”, que o impediam de entrar na sua velha viatura, de um vermelho
descorado, cuja matrícula não lhe permitiria circular no centro da cidade de
Lisboa (caso lá quisesse ir), mas que nem conseguiria avançar os oitenta metros
até à primeira rotunda, tal o seu estado. Desta vez, arrastava a fala e dizia,
repetidamente, para quem queria ouvir: “Abre os oooolhos muuuula! Abre os
oooolhos muuuula!...”.
Que
lucidez!
©
Jorge Nuno (2015)