ESTUDOS E CONTRADIÇÕES
Habituei-me a olhar para a comunidade
científica, ao nível da investigação, com muito respeito e até admiração; ainda
mais pelos inúmeros prémios e reconhecimento internacional, particularmente em
relação a jovens investigadores portugueses, com vários no patamar dos melhores
a nível mundial, o que leva que este pequeno país seja considerado um país de
grandes investigadores.
Julgo saber distinguir a diferença entre:
estudos relacionados com investigação – a que aludi no primeiro parágrafo –,
com pessoas e/ou entidades credíveis; recolha e tratamento de dados
estatísticos, e apresentação de resultados, normalmente por entidades
independentes, estando os seus membros imbuídos de uma cultura ética que
confere credibilidade aos resultados obtidos; estudos científicos manipulados,
indo ao encontro de quem promove esses estudos, na forma de cliente ou sponsor, algumas vezes camuflado de
mecenas; evocação e realce de aspetos particulares dos estudos ou, pior,
adulteração de dados, conforme circunstâncias do momento e conveniências
políticas; e o meu próprio feeling,
baseado na minha experiência de vida, com toda a subjetividade que isso
acarreta, e crença na minha capacidade de ir à procurar de respostas e formular
uma opinião pessoal.
Temos tendência a alinhar no senso comum – por
parecer tão óbvio –, e por ser isso que se espera; mas fundindo muito do que
acabei de referir, reparo que me sinto algo confuso com algumas conclusões
provenientes de estudos diferentes, pelas evidentes contradições que nos chegam
e pelo que o nosso olhar (mais ou menos) atento nos revela. De uma forma
simplista, numa primeira abordagem poderia pensar em métodos e técnicas
diferentes, a que recorrem pessoas e entidades diferentes. Mas vamos por
partes…
Comecemos pelos investigadores. Chegam-nos relatos de muitos jovens investigadores
que se sentiram “forçados” a sair do país, ou ficaram no desemprego, por não
terem sido aprovadas as respetivas bolsas de investigação ou, sendo-o,
foram-lhes atribuídas valores mais baixos do que o esperado, criando um natural
desespero e um evidente acréscimo de dificuldades a quem sonhava fazer carreira
nesta área, falando-se, com alguma insistência, num desinvestimento anormal na
investigação. Segundo o estudo, com atualização recente (2015-06-26), baseado
em dados da DGEEC/MEC – Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico
Nacional e dados do INE – Inquérito ao Emprego, tendo como fonte a Pordata (da
Fundação Manuel dos Santos), a proporção – em permilagem – dos investigadores em
atividades de investigação e desenvolvimento (I&D), equivalente a tempo
inteiro por 1000 ativos, foi sempre em crescendo de 1982 (0,9 ‰) até 2013 (8,2
‰), com um ligeiro decréscimo apenas em 2012 (7,9 ‰). Tendo ainda como fonte a
Pordata e a FCT, haverá 52.000 investigadores em Portugal, 322 unidades de
investigação e foi de 80 milhões o valor das bolsas atribuídas nos últimos
cinco anos.
Pobreza,
abandono e obesidade. Tem
soado o alarme em muitas autarquias, as quais vão tomando iniciativas avulsas,
como seja: manter abertos os refeitórios das escolas em período de férias
escolares, devido ao considerável número de crianças e jovens que passam fome. São
preocupantes os números divulgados pelo MEC, com base no relatório da DGEEC,
face às elevadas taxas de abandono dos cursos nas Universidades e ainda mais
nos Institutos Politécnicos. Também algumas universidades efetuaram estudos; a
Universidade do Minho aponta como algumas dessas causas de abandono: a
atividade laboral (não era suposto
estarem a estudar?) e constrangimentos familiares (falta de recursos
financeiros?). Segundo dados do INE, através do Inquérito às Condições de Vida
e Rendimento (2014), existem mais de 1,96 milhões de portugueses em risco de
pobreza. A responsável do Banco Alimentar contra a Fome anunciou que receberam
alimentos 355.749 pessoas (em 2013), das quais cerca de 120.000 são crianças,
que teriam passado fome se não se tivesse recorrido ao Banco Alimentar. A ONU,
baseada em dados da UNICEF, alertou que em 2011 estariam 28,6 % das crianças
portuguesas em risco de pobreza. Tendo como fonte a OMS – Organização Mundial
de Saúde, a obesidade está a ser um problema sério tanto nos países
desenvolvidos como nos emergentes, apontando que em Portugal têm peso a mais: 38%
das crianças de 7 anos; 32% das que têm 11 anos; e 24,5% das que têm 15 anos. A
mesma OMS, que tanto apregoa a virtude da Dieta Mediterrânica, deixou o aviso
que Portugal, logo [estranhamente] a seguir à Grécia, é o segundo país europeu
em que há maior prevalência de excesso de peso infantil. O estudo MUN – SI
(2014) elaborado nos municípios de Viana do Castelo, Fundão, Oeiras, Montijo e
Seixal, revelam que 44% das crianças estão “mal nutridas” e 4% apresentam
“magreza extrema”, sendo que 39,4 % apresentam excesso de peso e 15,8 % são
mesmo consideradas obesas, concluindo ainda que, na grande maioria, as crianças
obesas eram oriundas de “famílias com rendimentos mais baixos”.
Desemprego
jovem e trabalho precário.
Segundo a CGTP, foi destruído um total de 617.000 postos de trabalho, entre
2008 e 2014. Os dados do INE apontam que terá havido um decréscimo de 298.000
pessoas empregadas, entre o 1.º trimestre de 2011 (em que se registava um
desemprego jovem de 28%) e o 1.º
trimestre de 2015 (com aumento do desemprego jovem, passando para 34,4%). O INE
indicou também que, no mesmo período, se agravou o desemprego de longa duração.
Já o CIES – Observatório das Desigualdades, tendo como fonte Labour Force Survey (Eurostat), revela
que, entre os 27 países da EU, Portugal situa-se em terceiro (a seguir à
Polónia e Espanha) quanto à maior incidência de casos de trabalho precário,
registando-se, no 1.º trimestre de 2010, cerca de 23,2 % dos casos entre
trabalhadores por conta de outrem, agravado em 3% face a 2005, sendo que o
trabalho precário jovem era de 54,6%. Daí para cá, há a perceção que a situação
ainda se agravou mais, com o aumento da precariedade laboral de profissões
qualificadas e a consequente desvalorização salarial e degradação das condições
de trabalho. Entretanto, em 2015-07-13, o membro do Governo que tutela o
Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, referiu no Algarve:
“Desde o início de 2013, e até hoje, conseguimos criar 175.000 novos postos de
trabalho. Sobretudo, postos de trabalho com qualidade e efetivos”, dizendo
também que “por cada contrato a termo [precário] são gerados três postos de
trabalho permanente nos quadros das empresas”.
Festivas
de Música no Verão. Neste
cantinho à beira mar plantado, em período de estio e de férias (para quem tem
ocupação profissional ou estuda), singram, um pouco por todo o lado, os
festivais de música. Aponto alguns dos mais emblemáticos (passe a publicidade
dos principais promotores): NOS Alive (Algés); MEO Marés Vivas (V. N. de Gaia);
Vodafone Paredes de Coura; Sumol Summer Fest (Ericeira); Super Bock Super Rock
(Lisboa); NOS Summer Opening (Funchal); Sol da Caparica; Marés de Agosto
(Açores); Festival do Crato. De uma forma geral, são apelativos os programas
apresentados em cada ano. Se tivermos em atenção que o público-alvo da quase
totalidade destes festivais são os jovens, e que é relativamente elevado o
valor de cada entrada (ou mesmo o pacote completo) face ao nível de vida dos
portugueses, não podemos deixar de estranhar o sucesso destes festivais em tempo
de crise, realçando, como mera exemplificação, o NOS Alive 2015, que com um mês
de antecedência já não era possível comprar o passe de 3 dias e/ou o bilhete
diário de 9 de julho – por ter esgotado – com uma assistência de 55.ooo pessoas,
sendo os bilhetes dos restantes dias a € 55 /cada. Estranha-se ainda mais, por
ter acabado agora esse festival e já estarem à venda os bilhetes para o NOS
Alive 2016 – com um ano de antecedência – ficando o bilhete diário por € 56, e
o passe de três dias por € 119. Fico perplexo! Se calhar… o membro do Governo
que tutela o dito ministério terá razão; será por haver tantos novos postos de
trabalho, com qualidade e na situação de efetivos nos quadros das empresas que
tudo isto é possível!
© Jorge Nuno (2015)