A INTELIGÊNCIA, OS ELEITORES E OS BURROS
Partindo
do nada, como de costume, logo pairou no ar a ideia de escrever sobre Bragança,
pois – por mais estranho que pareça – foi considerada a 3.ª cidade mais
inteligente do país, situando-se no Top 4, juntamente com Lisboa, Porto e
Oeiras, num estudo independente intitulado “Portuguese
Smart Cities Index 2015”, efetuado pela IDC – líder mundial em Market Intelligence.
Da
inteligência, por oposição, surge-me de imediato a ideia de escrever sobre
burros. Pode-se pensar, e com razão, que os decisores têm dificuldade em agir,
em planear e, finalmente, colocar no terreno as condições necessárias à
prevenção de incêndios, e pode-se intuir que estou a pensar em “burrice”, por
essa falta de estratégia nacional. Na verdade, sabemos que anualmente os
incêndios se tornam um flagelo, pondo em risco bens e pessoas, exigindo um
enorme esforço humano e financeiro no seu combate, particularmente na época de verão,
e que ano após ano vamos assistindo, nem que seja à distância, nos primeiros
minutos dos telejornais. Foi com agrado que soube que burros de terras de
Miranda do Douro iriam ser usados na prevenção de incêndios florestais, num
projeto a cargo da Associação para o Estudo e Proteção de Gado Asinino (AEPGA) e
a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), experiência que se vai
iniciar em 2016, tal como tem vindo a apresentar resultados positivos o projeto
que promove a terapia com burros destinado a crianças com deficiências físicas
e mentais, incluindo crianças autistas ou com dificuldades de relacionamento, e
também com o envolvimento da AEPGA e da UTAD.
Sinto
um aviso sonoro de chegada de correio eletrónico, e interrompo o raciocínio e o
início da escrita. Trata-se de uma mensagem, contendo um link, enviado por um amigo jornalista e escritor, por quem nutro
uma grande estima, devido ao seu perfil e envolvimento generoso no
associativismo e na cultura. Nesse artigo, aborda com incidência o interior do
país, apesar de viver no litoral, no distrito de Setúbal. Realça a “alteração
do mapa das freguesias”, levando ao fim de imensas sedes de Juntas de Freguesia,
com “perda do poder autárquico”, o “fim do programa de apoio para a terceira
idade”, o retirar de “Centros de Saúde, Repartições de Finanças, Tribunais,
Escolas (…)”, originando um forte retrocesso nas vidas dos cidadãos, deixando
no ar uma inquietante preocupação quanto ao défice de esclarecimento e à
intenção de voto destes portugueses que vivem no interior, com tendência para favorecer
“quem lhes fez tanto mal”.
Vivendo
eu no interior, por opção, e conhecendo esta realidade, não posso deixar de
concordar com a maioria do conteúdo deste artigo. Acrescento que políticas
erradas, ao longo de décadas, acelerou a desertificação do interior e considero
que o país, de forma desproporcionada, está mesmo inclinado para o litoral,
onde se promove o investimento e se concentram populações. Mas quanto ao
sistema eleitoral usado para as legislativas, ao método de Hondt e representatividade
na Assembleia da República (AR), ao excessivo número de deputados eleitos, aos
elevados gastos nas campanhas eleitorais, ao financiamento dos partidos, aos lobbies instalados, à falta de interesse
dos partidos políticos em promoveram “reformas” internas, que apregoam para o
Estado, com consequências no bolso do cidadão… em tudo isto, de forma
corporativa, defende-se o status quo.
Não é inocente, ingrata ou de gente “burra”, “atrasada” ou pouco esclarecida, a
opinião generalizada que paira sobre a classe política, com políticos de topo
na hierarquia do Estado a ter pontuação negativa, que é como quem diz: vergonhosamente
abaixo de zero.
Os
portugueses, seja de que região forem, são livres de votar na formação
partidária que quiserem, de votarem em branco, ou de não votarem, engrossando a
enorme lista de abstencionistas em todo o país, como aconteceu nas últimas
eleições para as legislativas, com abstenção de 41,1% (a mais alta de sempre) e
nas últimas presidenciais, com 53,37% (também número recorde), a que se juntam
mais os votos nulos e em branco, levando a que a atitude dos portugueses fosse
associada a “indiferença, laxismo e falta de confiança”, perante o ato
eleitoral, a política e os políticos.
Mas se ainda resta a dúvida quanto ao peso pouco
expressivo dos eleitores que vivem no interior do país, deixo aqui o número de
eleitores e o número de deputados a eleger no próximo ato eleitoral de outubro.
Na faixa interior do país, que considerei composta pelos círculos eleitorais de
Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre e Évora (eliminando Beja, por
também ter território no litoral), há um total de 735.141 eleitores inscritos
nos cadernos eleitorais, que colocam 16 deputados na AR. No círculo eleitoral de
Setúbal há 725.783 eleitores que colocam 18 deputados na AR. Constata-se que os
cinco distritos do interior citados têm mais 9.358 eleitores e elegem menos
dois deputados que o de Setúbal. Só cinco distritos do litoral – Aveiro, Braga,
Lisboa, Porto e Setúbal – elegem 60% dos deputados.
Na
hora de votar – e falta cerca de um mês – o esclarecimento é importante, e nem
quanto a isso os partidos políticos chegaram a acordo, preferindo fazer debates
televisivos prévios, relacionados com os ditos debates que (tudo indica) não se
vão realizar. Entretanto, há que deixar os burros fazer o seu trabalho, desde
que em prol do bem comum, seja em terras de Miranda ou onde quer que se
encontrem. Na hora de votar… há que fazer uso da inteligência, consciente que
todas as ações/decisões produzem consequências, e ainda mais, quando se fala de
inteligência coletiva, a exigir “reformas” do sistema partidário e firme mudança
de atitude.
© Jorge Nuno (2015)
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