AS MINHAS CUECAS “CHANNO”
Mesmo ao meu lado, o rapaz resmungava e
fazia má-cara perante a insistência da mãe. Apercebi-me que ela fazia um enorme
esforço para tentar convencê-lo a experimentar aquele número e modelo de
calçado desportivo, marca Crivit, que
em boa verdade só tinha visto no Lidl.
Mas nada demovia o rapaz, mesmo que a mãe dissesse: “já levei para a tua irmã,
ela gostou e duraram até lhe deixar de servir”; “só custam € 19,99”; “os que tu
queres, da Nike… custam cinco vezes
mais e duram o mesmo tempo.” Ao fim de alguns momentos de impasse a mãe acabou
por lhe dizer: “Pronto… se quiseres compro-te os ténis da Nike na feira”. Foi como se a mãe acendesse um novo rastilho curto,
pois o rapaz voltou a explodir de imediato, argumentando que era calçado
falsificado e não tinha a mesma qualidade dos originais.
Vivemos num mundo que venera e incentiva o
culto das “marcas de prestígio”. A própria indústria publicitária também faz
uso de estratégias para atrair as marcas e fazê-las gastar mais, agora e cada
vez mais através da via digital. Pelos vistos, este jovem teria apreendido a
mensagem – repetida à exaustão, com envolvimento de quantias exorbitantes –,
emitida por quem tem a missão de fazer apetecível um produto ou uma marca,
mesmo que o rácio custo/qualidade não justifique a sua aquisição.
Quanto mais valorizado estiver o produto ou
a marca, mais prolifera a contrafação, na expetativa de que estará assegurada
clientela e o lucro fácil. Não é por acaso a frequência com que as autoridades,
como a GNR – Guarda Nacional Republicana e a ASAE – Autoridade para a Segurança
Alimentar e Económica (Órgão de Polícia Criminal) fiscalizam e fazem a retenção
de mercadorias contrafeitas, por se estar perante imitação e uso ilegal de
marca, acontecendo maioritariamente junto de vendedores ambulantes. Através do site da ASAE, na área do “Grupo
Anti-Contrafação”, ficou-se a saber que em menos de 30 dias aconteceu a
apreensão de mercadoria contrafeita nas seguintes localidades: festas de São
Paio, Torreira (avaliada em € 36.000); na via pública em Faro (€ 3.000); na
feira quinzenal de Moimenta da Beira (€ 28.000); através de fiscalização
rodoviária, em Albergaria-a-Velha (€ 6.000); na feira semanal de Tondela (€
70.000); na via pública em Santa Maria da Feira (€ 5.500)…
Entretanto, são muitos os consumidores –
por uma questão de status –, a
acreditar que lhes trará prestígio e distinção superior, perante os demais, o
uso daquela mala “Louis Vuitton”, daqueles óculos “Dior”, daquela peça de
vestuário “Dolce & Gabanna”, ou daqueles sapatos “Prada” ou ténis “Nike”, mesmo
sabendo que esses ditos produtos de “luxo” têm uma forte probabilidade de serem
contrafeitos ou “desviados” por amigos do alheio e (re)colocados à venda, na
ilusão que importa mais parecer do que ser.
Na qualidade de aposentado e sem ter a
necessidade imperiosa de uma vida social ativa ou de ter que ir aperaltado para
o emprego, sinto-me livre de ter que usar: uma gravata “Calvin Klein” (ou
sequer usar gravata); uma camisa “Luchiano Visconti”; um fato “Armani”; uns
boxers “Guess”; umas meias “Ralf Lauren” e uns sapatos “Galliano”. Como é bom
sentir-me livre com o meu pijama de verão “Peng Li” (ou sem ele) e como é bom
sentir-me livre com as minhas cuecas “Channo” (ou sem elas)!
© Jorge Nuno (2015)
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