A ROSA PÚRPURA DO MUNDO
VIRTUAL
Aos poucos, foi-se chegando à conclusão que
cada pensamento tem influência sobre a realidade física e cria [mesmo] a realidade.
Indo um pouco mais longe, há quem desenvolva a ideia da “transformação quântica
do pensamento”, pratique, e ganhe muito dinheiro com isso. Li, num livro de Pam
Grout: “neurocientistas dizem-nos que 95 por cento dos nossos pensamentos são
controlados pelo subconsciente pré-programado da nossa mente. Em vez de
efetivamente pensar estamos a ver um ‘filme’ do passado”. Isto quererá dizer
que está ao nosso alcance mudar a visão das coisas e mudar completamente a
nossa vida, fazendo com que a experiência de vida seja bem mais gratificante,
desde que mudemos a forma de pensar, mais que ultrapassada, que temos vindo a usar
até aqui. Entretanto, continuamos embrenhados num mundo ilusório, de fantasia e
de ignorância.
Lembro-me, há cerca de 40 anos atrás, de
ter recebido um familiar – que vivia numa localidade do interior e veio à
capital –. A dada altura, pronunciou-se que as pessoas da cidade eram doidas,
pois “ficavam a falar para a parede”, tal como se estivessem em Jerusalém,
junto ao Muro das Lamentações. Acredito que seria essa sensação que os
citadinos lhe transmitiam, embora acreditando que não estariam a fazer as suas
orações, pois os gestos, a [falta de] concentração e o pouco tempo nessa pose
não indiciavam tal. Disse-lhe, simplesmente, que essas pessoas estavam junto de
um intercomunicador que há, normalmente, ao lado da porta principal de cada
prédio, e que comunicavam com alguém que vive num dos andares. Se esse familiar
tivesse dado um salto no tempo e hoje observasse as pessoas a caminhar nos
passeios da cidade, com um ou mais sacos em cada mão e a cabeça torta, apoiado
num dos ombros, certamente diria que toda a gente da capital, além de continuar
doida (por falar sozinha na rua), tinha torcicolo, já que seria difícil
imaginar que há agora um pequeno objeto – o smartphone
– que nos permite fazer inúmeras tarefas, entre elas, como a mais trivial das
funções, falar à distância com outra pessoa.
Lembro-me, também, de um filme com
argumento e realização de Woody Allen – A Rosa Púrpura do Cairo – que
fantasiava o “boom” do cinema dos anos 30, em plena recessão nos Estados Unidos
da América, e retratava uma mulher [mal] casada, com trabalho precário e uma
paixão pelo cinema, e um marido desempregado, que a explorava e maltratava. Era
um filme dentro de outro, com o ator Jeff Daniels no papel do ator Gil
Shepherd, a fazer do explorador Tom Baxter, para decifrar o enigma do faraó que
mandou corar de roxo uma rosa para a sua rainha, constando-se que agora, no
túmulo dela, crescem rosas púrpura. A dada altura, essa mulher – a atriz Mia
Farrow, no papel de Cecilia – apercebeu-se que o personagem Tom Baxter reparou
nela (por ter ido pela quinta vez ver o mesmo filme), vindo este a saltar da
tela, em plena sala de cinema, e dirigir-se a ela, dando lugar a um casal
apaixonado, que logo virou um trio amoroso, já que o ator Gil Sheperd a
baralhou e fez ver que o “outro”, não passava de um personagem. Imagino quantas
mulheres não se terão deliciado a ver este filme! Há ilusão, fantasia, romance…
e parece que as pessoas apreciam isso mesmo, pois os milagres continuam a acontecer,
mesmo que depois se acendam as luzes para os cinéfilos poderem sair em
segurança.
O problema é que podemos não estar a
equilibrar o mundo virtual com o real, começando pelo tempo que diariamente
dedicamos ao virtual, precisamente por nos parecer real, fundindo ambos, e não
termos consciência disso. Há que ter em atenção para não deixar degradar o
relacionamento – esse sim, real – ao nível familiar entre marido e esposa, pais
e filhos, núcleo de amigos… Não se trata de falsos moralismos, mas quantas
vezes está o casal à mesa (como se vê na zona da restauração de um centro
comercial), cada um com o seu telemóvel a ver o correio eletrónico, a consultar
a sua página do Facebook (ou dos amigos) ou a comunicar noutras redes sociais,
tendo aí uma vida mais ativa do que fora delas? Algo vai mal quando uma pessoa
fica desesperada por estar quase a atingir o plafond dos dados móveis, e sentir que é pior do que ter a
sinalética do painel da viatura a indicar que o combustível está na reserva; ou
por não ter acesso a wi-fi (à borla) durante
24 minutos e sentir que é bem pior que ficar sem água na torneira durante 24
horas; ou correr para o telemóvel, num desassossego, logo que ouve o sinal
inconfundível de uma mensagem acaba de chegar ou, simplesmente, para espreitar
se há novidades, ignorando completamente o toque da campainha da porta. Para
alguns especialistas, este tipo de comportamento já foi rotulado de patologia.
Que tal começar por experimentar um fim de semana desligado da Internet e
procurar outras alternativas, porventura interessantes, com contacto direto
com familiares e pessoas amigas e com a natureza? Que tal restringir o acesso à
Internet ao longo da semana, e fazer uma utilização moderada, como se estivesse
a fazer uma dieta, sem sentir sacrifício ao não empanturrar-se desordenamente. A
“cura de desintoxicação”, talvez possa passar por aqui, como treino básico.
Ainda em relação ao pensamento e à vontade própria, há uma máxima que diz: “Se
souber aquilo que quer, pode tê-lo”. Ter uma vida mais saudável e feliz, em
grande parte, depende de cada um de nós; e uma “verdadeira” rosa púrpura (ou
mais) pode ajudar a perfumar a nossa vida.
© Jorge Nuno (2015)
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