EM FORÇA… NA TERCEIRA IDADE
Há poucos dias atingi, oficialmente, a
chamada terceira idade. Pode parecer estranho e soar a falso, mas esse facto
encheu-me de uma genuína alegria. Durante alguns anos, como professor numa
Universidade Sénior, encorajei os meus alunos a um envelhecimento ativo, por acreditar
nas suas potencialidades e tendo em vista, sempre, a melhoria da qualidade de
vida. Numa sociedade inclusiva, como entendo que deverá ser a nossa, devem ser “dadas”
oportunidades aos idosos. E na eventual ausência dos convenientes apoios
formais, essas oportunidades devem ser “conquistadas”, a partir das bases, por
iniciativa dos próprios. Há que cuidar da manutenção da saúde física e mental,
como também de prolongar a autonomia e independência, mantendo ou recriando,
cada um, os seus objetivos – bem pessoais –, de acordo com as suas tendências,
capacidades e talentos.
Hoje, sinto que é isso mesmo que procuro
fazer. Se apregoei a “aprendizagem ao longo da vida” e estive envolvido em
projetos nacionais que tornaram isso possível a muitos cidadãos, hoje mantenho
essa postura de entusiasta pela aprendizagem, apesar da minha condição de
aposentado. Se o culto pela leitura esteve sempre presente na minha vida, hoje
está mais do que nunca, pela minha maior disponibilidade. Tenho sobre a minha
secretária dois livros, que vou intervalando na leitura, além da permanente
consulta do dicionário. Um deles é “Um Cérebro Sempre Jovem”, de Tony Buzan, em
que na introdução, pode ler-se algo surpreendente: Pare de pensar que cada ano que passa o aproxima mais dos seus
terríveis “momentos seniores” (…). É um erro completo partir do princípio de
que o seu cérebro se deteriora com a idade: existem dados científicos que o
comprovam. A verdade é que tem de
cuidar do seu cérebro, tal como qualquer outra parte do seu corpo, para o
manter em bom funcionamento (…). Mantenha o seu cérebro ágil e em forma, e ele
terá um desempenho tão bom quanto pretende. Conseguirá, de facto, ser capaz de
o manter à prova de idade.
Vi reforçada a perceção, que sempre me tinha
acompanhado, de que deveria fazer um bom uso do cérebro, a começar por ter que
o exercitar sem descanso. Foi nesta perspetiva que optei, há uns anos, por
aderir ao “novo acordo ortográfico”, mesmo sabendo da discordância dos puristas
da língua e de todos aqueles acomodados, pouco ou nada sensíveis a qualquer
mudança, seja ela qual for, e do imenso investimento e embaraço pessoal que
isso implicaria, para mim. Comprei um novo dicionário, com as palavras escritas
“corretamente” segundo o novo acordo. Ao mesmo tempo, adquiri o livro “Saber
Usar a Nova Ortografia”, de Edite Estrela, Maria José Leitão e Maria Almira
Soares. Como sempre fui um homem de ação, escrevi, escrevi, escrevi… e de uma
pessoa que estava numa posição confortável, passei a ser uma das “pessoas que
são constantemente assaltadas pelas dúvidas linguísticas mais elementares” e
pelas dúvidas relacionadas com a capacidade do meu cérebro, que aparentava
perder qualidades. É esta uma das razões do aparecimento do meu segundo
romance, que intitulei “O Milagre da Memória” (ainda não editado). E também do aparecimento
do segundo livro, que adquiri e está atualmente, de forma permanente, em cima
da minha secretária – “500 Erros Mais Comuns na Língua Portuguesa”, de Sandra
Duarte Tavares –, que tem um curto e delicioso prefácio de Ricardo Araújo
Pereira, e que aqui deixo um breve excerto: A
minha profissão é escrever textos humorísticos. (Interpretá-los é apenas um
acidente, muitas vezes na dupla acepção de acaso e desastre). O meu trabalho é
escrever palavras num papel e esperar que elas façam rir alguém. Ou seja:
tentar provocar uma convulsão física violenta noutra pessoa. Trata-se de
procurar produzir em alguém o efeito das cócegas, mas sem lhe tocar. Os erros
de linguagem, a menos que sejam propositados, dificultam-me a vida. Falar ou
escrever com erros equivale, no meu caso, a beijar mal, ou a fazer cócegas que
magoam. Por isso, junto da secretária onde trabalho, tenho vários livros de
pessoas que me ajudam a parecer um pouco menos analfabeto (…).
Mais uma vez,
sinto – mesmo que conte apenas a intenção de me instruir e parecer “menos
analfabeto” – que estarei no bom caminho. Sinto também que a minha ousadia,
experiência e alegria de viver, como sénior, me está a dar um retorno fabuloso.
Receber uma imensidão de mensagens e muitos telefonemas, por parte de
familiares e de amigos, a felicitar-me em dia de aniversário e em que entro em força… na terceira idade, são
entendidas como uma bênção – a de estar rodeado de amigos –. Fiz uns cálculos
rápidos (lá está… é preciso exercitar o cérebro!) e cheguei à conclusão de
necessitaria de cerca de 8 horas para responder a todas essas mensagens, caso
gastasse 2 minutos com cada. Eu sei que "para os amigos há sempre
tempo" (mensagem escrita num relógio de sol existente em Portalegre) e,
aos poucos, levei uma semana a responder a cada um, e espero que a memória não
me tenha atraiçoado. Foi mesmo um dia inesquecível. Com tantas amizades a
felicitar-me – o que fez aumentar o meu bem-estar –, e com todo o meu
empenhamento em dar bom uso ao cérebro, lembrei-me do programa de humor
acutilante do Ricardo Araújo Pereira, que surgiu por altura da última campanha
eleitoral para as Legislativas, intitulado “É Tudo Muito Bonito, Mas”. É que
três acontecimentos neste dia de aniversário, em que tudo é [ou parece] muito
bonito, mas há sempre um “mas”… tornaram mesmo o dia inevitavelmente
inesquecível.
Caso 1 -
Ao sair da garagem com o carro, estacionei por breves instantes no exterior.
Logo a seguir, três “idosos” (provavelmente um pouco menos idosos que eu
próprio), com ar quem vem à feira da cidade, mesmo que não seja dia de feira, olhavam
insistentemente para a minha viatura e para mim, com um sorriso ainda mais
enigmático do que a da Gioconda. “Devem estar a confundir-me com o anterior presidente
da câmara”, pensei e sorri-lhes, o mais educadamente que consegui. Pouco
depois, quando fui à mala do carro, descobri que tinha um dos pneus traseiros
completamente em cima do passeio, excessivamente alto. Com é possível não ter
dado por isso?
Caso 2 –
Resolvi oferecer uma prenda a mim mesmo – um candeeiro flexível para a minha
secretária, substituindo o bonito candeeiro existente, mas pouco prático –.
Antecipadamente, tinha recortado um bocado do panfleto, com o produto, de uma
conhecida cadeia de hipermercados. Não encontrando o produto, dirigi-me ao
responsável de loja e mostrei-lhe o recorte, para que me dissesse onde o
poderia encontrar. Olha espantado para o recorte e diz: “Mas hoje não é
quinta-feira. Tem por trás alguma coisa do “Halloween”? – virou e tinha mesmo. Havia
concordância, o que o deixa ainda mais confuso, e é então que se lembra de
perguntar, como quem já sabia a resposta, e fê-lo com um sorriso semelhante ao
dos citados “idosos”: “Bô… não me diga que guardou o jornal do ano passado?
Como é possível isto ter
acontecido?
Caso 3 –
Apesar de estar um céu muito nebuloso e escurecer mais cedo, resolvi passar o
resto do dia em contacto com a natureza e fui até ao Parque Natural de
Montesinho, onde se estava perante uma paisagem protegida, deslumbrante e
incomum, pela arborização e tons ocre a castanho avermelhado das folhas, em
pleno outono. Aproximando-se a hora de almoçar, fui à bonita aldeia
(recuperada) de Montesinho, para um repasto com gastronomia regional. Como não
via ninguém e o restaurante da aldeia estava fechado, dirigi-me à casa do Povo,
onde me disseram: “Agora é tempo de castanha e eles foram por ela!”. Antecipo,
mentalmente, o “como é possível?”. Sim, como é possível, uma pessoa com esta
experiência de vida, acreditar que o único restaurante da aldeia estava à sua
[minha] espera… em tempo de fartura de castanhas? Em vez de um repasto típico,
numa aldeia transmontana bem caraterística, acabei no centro comercial da
cidade (único sítio onde se poderia encontrar um “restaurante” aberto, de uma
qualquer cadeia de fast food) a comer
um “calzone italiano”, já por volta das 16h30, o que representaria 17h30, se não
tivesse havido a mudança da hora no dia anterior.
Dia
inesquecível, a mostrar que estou em
força… na terceira idade, e que, apesar de tudo, a minha experiência de
vida valorizou, mantendo em alta o lado positivo.
©
Jorge Nuno (2015)
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