DIA DO SER HUMANO
Quando
chega o chamado Dia Internacional da Mulher, ano após ano, vai-se ouvindo
dizer, por ignorância, convictamente de forma sentida, ou em tom de
brincadeira: “Também devia haver o Dia do Homem!”. Pois bem, foi mesmo
instituído o Dia Internacional do Homem, com o apoio da ONU, devendo-se, tal
facto, a vários grupos de defesa dos direitos masculinos que quatro
continentes. É comemorado, em mais de 70 países, desde 1999, no dia 19 de
novembro. No entanto, o Brasil já se tinha antecipado em 1992 e continua a
comemorá-lo no dia 15 de julho, sendo, estranhamente, uma iniciativa da Ordem
Nacional dos Escritores. Como alguns dos objetivos principais desta comemoração,
pretende-se:
– promover
modelos masculinos positivos (onde se incluam “homens do dia-a-dia cujas vidas
são decentes e honestas”);
–
comemorar as contribuições masculinas positivas para a sociedade, comunidade,
família, casamento, guarda de crianças e meio ambiente;
–
concentrar sobre a saúde do homem e seu bem-estar social, emocional, físico e
espiritual;
(…)
– criar
um mundo melhor onde as pessoas possam sentir-se seguras e crescer para
alcançar o seu potencial.
Um dos co-fundadores do Dia do Homem no Brasil
– Edson Marques – pretendia mesmo que se alterasse o nome para “Dia+Noite do
Homem Livre”. Sem querer desvirtuar a ideia, o título parece insinuar que o
proponente provavelmente quereria, ao menos uma vez por ano, que houvesse uma
festa do tipo “despedida de solteiro”.
Após o
surgimento da instituição do Dia do Homem, logo apareceram textos caricatos,
embora com verdades (na ótica do homem heterossexual) e algum humor, como seja:
“Ser
homem é:
– ter de
reparar na roupa nova dela e ter de ouvi-la dizer que está sem roupa, quando o
problema é onde colocar novos armários para colocar mais roupa;
– ter de
ignorar completamente que ela está com um pouco de celulite ou jamais dizer que
ela engordou, mesmo que isso reflita a verdade;
– ter de reparar que ela cortou o cabelo,
mesmo que seja só 1 cm;
(…)”
Como
homem, e apenas com a finalidade de desenvolver a ironia criativa, acrescento
mais umas achas nesta fogueira, que parece sem fim:
– ter de
reparar que ela mudou a tinta do cabelo de Imédia
Excellence Fashion Paris 2.160 Preto Couro para Imédia Excellence Fashion Paris 1.101 Preto Alta Costura;
– ter de
reparar que ela mudou as unhas de gel de cor azul marinho+turquesa, para nail art azul geométrica, já que na
anterior muda não reparou que as tinha em tom azul com glitter.
No seguimento
da criação do Dia do Orgulho Gay, também um vereador, da prefeitura de São
Paulo (Brasil), propôs e foi aprovada a criação do Dia do Orgulho Hétero.
Segundo o próprio, teria a pretensão de contribuir para conceder os mesmos
direitos que os grupos homossexuais conquistaram aos heterossexuais. Poucos
dias depois, o prefeito de São Paulo disse que iria vetar a criação do Dia do
Orgulho Hétero, já que para ele este projeto era desprovido de sentido, pois “o
heterossexual é maioria, não é vítima de violência, não sofre descriminação,
preconceito, ameaças ou constrangimentos”.
Em
contraste com a opinião do prefeito de São Paulo (Brasil), o atual ministro-adjunto
no governo português – Eduardo Cabrita – em afirmações recentes, mencionou o
Relatório Anual de Segurança Interna 2015, que aponta para que haja em Portugal
“cerca de 15% de homens vítimas de violência doméstica” e anunciou que irá ser
criada (como projeto-piloto) a primeira casa abrigo para homens, com capacidade
para 10 vítimas. Obs.: Atualmente há, em Portugal, 37 casas abrigo para
mulheres vítimas de violência doméstica, a viver em situação precária e a
precisar de apoios diversos; prevê-se a inauguração de mais 3, a curto prazo;
algumas dessas casas destinam-se, exclusivamente, a acolher mães solteiras,
grávidas e mulheres separadas com filhos.
Nestes
tempos conturbados, de confusão, com tanta “capelinha”, tanta violência e falta
de elevação, se se sente necessidade de criar, manter e comemorar um Dia
especial, como forma de chamar a atenção para algo, então poderá estar na hora
de criar sinergias e deixar cair o Dia do Homem, da Mulher (incluindo a
Africana), da Criança, do Orgulho Gay, do Orgulho Hétero, da Consciência Negra,
do Deficiente (seja Mental, Físico, Visual, Auditivo…), do Doente (seja de
Alzheimer, com AVC, Coronário, Renal…), do Atleta (seja Profissional, Olímpico,
Paralímpico…), do Escritor (…). Em substituição destes múltiplos “Dias de
Qualquer Coisa Relacionados Com o Ser Humano” proponho que se crie,
simplesmente, o Dia do Ser Humano (enquanto
existir motivo para tal)!
Tudo será
mais fácil se cada ser humano tiver uma maior predisposição para aceitar as
diferenças, sejam elas de sexo, raciais, de crenças…, pelo que deixará de haver
necessidade de se gastar energias em lutas contra discriminações ou
estereótipos criados ao longo dos tempos e que assimilámos. O caso mais
flagrante: Homem e Mulher representam as diferenças que se completam. O Dia do
Ser Humano até poderia adoptar como intenção única: “criar um mundo melhor onde
as pessoas possam sentir-se seguras e crescer para alcançar o seu potencial
[com condições para dizer SIM ao seu coração]”. Bastaria que mudássemos só um
pouquinho a nossa postura e o planeta Terra pareceria outro, bem melhor. Mas
isso implica transformações pessoais, onde entram palavras e atos como
Simplicidade, Cooperação, Amor.
A
humanidade está perante fortes desafios e até as palavras acabadas de citar
parecem desprovidas de sentido, perante mais um ato de barbárie no sul de
França, que originou 84 mortos, em dia que se comemorava a Igualdade,
Fraternidade e Liberdade, ou do uso da força militar na Turquia – um grande
país, de enorme importância estratégica, que tem o segundo maior exército da
NATO e forte ligação ao Ocidente – para que, com o golpe de estado, pudesse
destituir o governo e o presidente Erdogan, que para uns é acusado (suavemente)
de exercer uma democracia “musculada”, para outros – os militares revoltosos,
opositores e povo curdo –, Erdogan “impôs um regime autoritário de medo”, sendo
que, pelos relatos que nos chegam, esta tentativa de golpe de estado já se
traduz em mais de 200 mortos, entre militares e civis, e a prisão de cerca de
1500 militares.
©
Jorge Nuno (2016)
Obs.: Crónica saída hoje na BIRD Magazine (da UTAD)
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