A VIAGEM
“Limita-se uma vida ao seu destino”
Como se um passageiro clandestino,
De fardo, nem ousasse caminhar…
“Pesada cruz de sombras e canseiras”
Por quem comete um chorrilho de asneiras
E, livre, não se deixa condenar.
“As rochas são fantasmas na penumbra”
Para quem na vida pouco vislumbra,
Mas realce “há sempre na noite escura”…
Em que na pura exaltação dos credos
“A madrugada vem despir os medos”
E o teu olhar devolve-me doçura.
“Tremem mãos de comoção no instante”
Como se fosse em viagem errante
“Onde ao lavrar os sonhos me confundo”.
“Ser um menino-velho com ideias”
E partilhar contigo vida a meias
Vem dar alento ao meu pequeno mundo.
Pouco importa ver as frases bordadas,
“O vício das palavras relembradas”…
“P’ra mascarar aquilo que pareço”;
Ou “se a saudade é roxa ou prateada”,
A minha poesia a ser cantada,
Vastos elogios que não mereço…
Quando um dia aquela negra ceifeira
Vier rondar para eu ser poeira,
Sem negociar uns quaisquer critérios
E não retroceder envergonhada,
Nem quiser a viagem adiada…
Irei “subir a rampa dos mistérios”.
“Há retalho do mundo à minha espera”,
Mais além do que se vê nesta esfera,
“Com música astral das noites brancas”.
“Um mundo dos espíritos das horas”
Que no teu relógio já não ignoras
E tudo irá fluir sem alavancas.
Mas “sei que alguém nos becos da memória”
Anotará a verdadeira estória
(Mesmo sem ter que a contar às crianças).
Neste longo amor, que eu tanto bendigo,
“Sei que o meu coração vai ter contigo”,
Ser peregrino de boas lembranças.
Não “esconjuro o feitiço do retorno”
E para obviar todo este transtorno
Irei fazer aquilo que apetece…
Surgir em qualquer noite de luar,
Afável, envolver-me a namorar
“Em loucuras de amor que o amor tece”.
© Jorge Nuno (2016)
Obs.: Baseado em alguns
versos ou ideias extraídas da obra poética de Ulisses Duarte, a quem desta
forma presto a minha homenagem. Envolve trabalhos da obra póstuma “Palavras com
Distância”, os poemas “A Nau do Tempo”, “O Telefonema”, “O Limite”, o “Conto da
Morte Anunciada” e parte da compilação de versos de Ulisses Duarte, feita pelo
poeta Albertino Galvão.