DOS VIRTUAIS AO ALUGUER DE AMIGOS
Falar
de amor, ou mesmo de amizade, nem sempre é fácil, ainda mais por parecer que as
palavras ficam esvaziadas de sentido. Não foi por acaso que escrevi um poema,
que intitulei “Embelezar o que é belo?”, ao pretender escrever sobre o amor,
realçando os equívocos em torno da palavra e conceito, a que associei a
seguinte frase de Blaise Pascal (1623–1662): Clareza de espírito significa igualmente clareza na sua paixão. É por
isso que uma mente superior e clara ama com ardor e vê distintamente aquilo que
ama. Identifico-me, claramente, com o conteúdo desta frase. Mas pegando
numa outra frase – a de Mário Quintana (1906–1994) –, que diz: A amizade é um amor que nunca morre, vejo-me
tentado a abordar a importância da amizade, sob diversas formas.
Longe
vão os tempos de brincadeiras na rua, em que as crianças conviviam de forma
salutar, com exercício físico natural, mesmo que pelo meio se registassem
episódios menos agradáveis. A verdade é que passados os instantes do rebuliço,
apenas ficavam temporariamente os sinais, como uma camisa rasgada, um joelho
esmurrado, a repreensão de um adulto… e logo se reatava a brincadeira e
cimentava a amizade, que se prolongava pela vida fora, caso se continuasse a
viver na mesma localidade.
Lembro-me
quando atingi a maioridade e frequentava a Escola Náutica, em Lisboa, fiz
algumas passagens pelo clube Stella Maris
– que faz parte da organização católica internacional que visa
“proporcionar bem-estar, hospitalidade e apoio espiritual a todos cujas vidas
dependem do mar –. Havia momentos descontraídos, sem “segundas intenções”, que
proporcionavam a integração numa cidade desconhecida, o convívio e a criação de
laços de amizade, tratando-se de amigos e amigas que nunca mais vi, mas que
tiveram muita importância pessoal naquela época.
Não
gosto de ficar preso ao passado, pois muita coisa mudou e continua a mudar, a
uma velocidade vertiginosa. Sinto que o melhor que temos a fazer é mantermo-nos
na crista da onda e aproveitarmos para surfar, gozando o momento atual. E no momento
atual, nas nossas vidas, estão os familiares e amigos, que nos acompanham na
viagem.
Foi
com o aparecimento das redes sociais on-line
que muita coisa mudou, ao nível relacional. Encontrámos amigos que julgávamos
ter perdido, reativando essa amizade, com redobrada intensidade. Criámos novas
amizades e convivemos à distância. Chegámo-nos a encontrar, presencialmente,
com alguns desses “amigos virtuais”, descobrindo que, afinal, parece que éramos
amigos há uma eternidade! E como o mundo conturbado está a precisar da criação
de fortes laços de amizade!
Li
algures que a amizade é uma força
permanente, que não se compra, não se aluga, não se vende. Nasce e morre com a
gente. Sem querer misturar “alhos com bugalhos”, sabe-se que há quem
procure acompanhantes de luxo para viagens de negócios, havendo, ao fim de
algum tempo, relações de grande cumplicidade e de amizade (para não ir mais
longe). Com o surgimento das passagens aéreas, em voos low cost, a partir de € 8 (quando um bilhete de autocarro ronda os
€ 15, para cobrir uma distância de 220 kms entre duas cidades) é natural haver agora
mais pessoas a viajar, a baixos custos, para outros países; tal como é natural
o surgimento de uma resposta às necessidades daqueles que se deslocam e não
conhecem o local para onde se dirigem. É aqui que entra uma nova atividade
económica: alugar amigos! Sim, há algumas plataformas tecnológicas, como a Rent a Local Frend, que permite alugar
um amigo, a exemplo das que há como alternativa ao táxi – caso da Uber e Cabify
–. Este serviço de aluguer de amigos existe em dezenas de cidades mundiais e
permite contratar pessoas comuns, que possam levar o visitante a locais imperdíveis,
que saem fora dos circuitos organizados. No fundo, é o mesmo que contratar um
amigo a mostrar-lhe os pontos de interesse da sua cidade, no que tem de mais
genuíno e caraterístico. Para que se fique com uma ideia dos preços, enquanto
em Nova Iorque o acompanhamento diário, por parte de um amigo, pode rondar os
160 USD, em Lisboa oscila entre € 100 e € 120. Há outros serviços idênticos
locais, direcionados a pessoas que têm problemas de solidão e gastam quantias
significativas em medicamentos para dormir e em antidepressivos, quando,
provavelmente, bastaria encontrar alguém disponível para ouvir e acompanhar.
Mas atenção, há mesmo serviços de “acasalamento”, procurando o parceiro ideal,
bem patente na expressão sorridente daquele sujeito patusco no anúncio da
televisão, que dizia: “Estou marabilhado!”
©
Jorge Nuno (2016)
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