O
PAI NATAL ESCONDEU O MENINO JESUS
No
“Natal dos Hospitais” – programa anual da RTP1 nesta época festiva – o apresentador/entrevistador,
agachado, perguntava a uma criança: “Então diz-me lá, porque gostas tanto do
Natal?”. Resposta pronta, simples e direta do miúdo, com um sorriso rasgado: “Porque
recebo muuuitaaaas preeendaaaas”!
Esta
resposta é a confirmação do que qualquer responsável de marketing há muito sabe: “Natal – época de aumento exponencial de
vendas”. Aliás, a própria RTP1, no seu “Jornal da Tarde” de 21 de dezembro de
2016, revela um estudo do IPAM, coordenado por Mafalda Ferreira, a indiciar que
nesta época de Natal “o consumo com compras de Natal vai ser o mais alto dos
últimos seis anos”, havendo a previsão de um aumento de 24% face a 2015. Sendo
dito, na reportagem, que se houver falhas é por defeito, ou seja, o consumo poderá
ainda ser maior do que o previsto.
No
mesmo canal, no programa “DDT - Donos Disto Tudo”, surge um sketch humorístico que se desenrola no
setor de brinquedos de um hipermercado e tem três personagens: “Gostosona” [Joana
Pais de Brito, a fazer de mascote de Natal, vestida de vermelho]; “Linguadão” [Eduardo
Madeira] como alternativa à Gostosona”, e o “diretor de markeking de uma cadeia
de hipermercados” [Joaquim Monchique]. Em estilo hip-hop, supostamente pretendia-se
cativar a atenção de crianças. O diretor de marketing
fazia recomendações aos colaboradores apalhaçados e lembrava: “(…) é uma
maneira de sacar a guita aos paizinhos deles”. A dado passo, destacava-se o
Linguadão a cantar: “Não aceitem as peúgas. Vocês têm de aprender a ser
pedinchões, umas autênticas sanguessugas. Com o Linguadão é só gastar… gastar!...”
Recebi,
do poeta amigo – Henrique Pedro –, um e-mail com votos de Boas Festas e um link com um poema de sua autoria.
Coincidência… o título tem algo de semelhante com o que tinha definido para
esta minha 50.ª crónica, escrita para a BIRD Magazine. O título do poema é: “Deitaram
o Pai Natal na Manjedoura no Lugar de Jesus”. Comecei e ler o poema e achei-o
muito oportuno e descrevo apenas uma estrofe:
“(…)
Converteram-no [ao Pai Natal] em mito comercial
e
deixaram-no na manjedoura
para
vender o feno e a palha do berço
e
o esterco do estábulo
(…)”.
Porque
entendo que o poema merece ser lido na íntegra e o poeta merece maior
notoriedade, deixo aqui o link: http://henriquepedro.blogspot.pt/2016/12/deitaram-o-pai-natal-na-manjedoura-no.html
Também
no meu romance “As Animadas Tertúlias de Um Homem Inquieto”, o Filó, personagem central, tem esta estirada, em
conversa com o Max: “(…) Antes tinha estado a fazer embrulhos do Natal e fui
distribuir as encomendas e só não fiz de Pai Natal porque tinha de ficar horas
a fio com criancinhas sentadas ao meu colo, a dizer coisas que elas gostam de
ouvir, mas que eu não gosto, porque as mentiras não fazem o meu género. Iludir,
por quê? Era melhor terem o presépio, com as figuras e pronto. E até já as
ovelhas, a vaquinha e o burrinho estão a mais. E mesmo assim preferia fazer de
burrinho do que de Pai Natal. Venderem ilusões a crianças, isso não se faz!
Ainda por cima, no Natal é criada uma ambiência de apego material, que é
precisamente o oposto do espírito natalício. Não era capaz de ter uma
criancinha ao colo a dizer-me: Ó Pai Natal, eu quero uma PlayStation 3 de 320
GB, com comando Dualshock e uma consola Wii, com desportos radicais, um MP4
Player para Windows, um Smartphone Android 2.2 e mais isto e mais aquilo… Não
sou mal-educado nem mal-intencionado, mas da maneira que isto está, acho que
abria logo as pernas para essa criancinha cair e dizia-lhe logo, enquanto ela
chorava baba e ranho “Não queres antes pedir ao Pai Natal para passar depressa
o dói-dói?”.
Conheço
bem o Filó e garanto das suas boas intenções, sendo incapaz de fazer mal a uma
criança. Para quem não leu o livro, garanto também que aquilo era um desabafo
de revolta, ao ver o ascendente do Pai Natal – o tal que traz e/ou entrega as
prendas – e, igualmente revolta, ao ver tanto consumismo desenfreado (sendo
certo que ele – Filó – vivia com muitas dificuldades económicas). E como esse
consumismo, representado pelo Pai Natal, está a fazer desaparecer o verdadeiro
espírito natalício – que tem como mote o nascimento de Jesus de Nazaré –, celebração
que deveria simbolizar humildade, bondade, compaixão, solidariedade…
Por
este andar, que ninguém se admire se ouvir perguntar: “Quem é esse? [o tal Menino
Jesus]. Daqui, afirmo: “O Pai Natal
escondeu o Menino Jesus”.
Votos
de um Santo Natal.
©
Jorge Nuno (2016)
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