20/01/2017

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (52): Crónica: "Hoje é Dia de Pequena Crónica - Como é Possível?"

HOJE É DIA DE PEQUENA CRÓNICA – COMO É POSSÍVEL?

Há muito que ando para escrever uma crónica pequena e não consigo. Tenho consciência que quanto maior for a crónica menos as probabilidades de ser lida, já que há a tendência natural para desencorajar a leitura até ao fim, mesmo que o tema seja entusiasmante para quem escreve e para quem lê; e só gosto de escrever sobre o que me entusiasma. Assim, faço hoje um apelo interno à minha capacidade de síntese para a encurtar e, reparo, com esta introdução já ocupei [até aqui] seis linhas e vou escrever sobre algo que não me entusiasma, já para não aplicar a palavra “fascina”! Vamos então ao que interessa, se é que interessa.

Em surdina, tenho andado a remoer: “como é possível, num país com a grandeza dos Estados Unidos da América, o Partido Republicano não ter conseguido eleger um candidato credível e consensual, de modo a sentir-se que será o presidente de todos os americanos?”; “como é possível um candidato presidencial [o mesmo, de referido partido] avançar para uma campanha, baseada no improviso, sem a estratégia do próprio partido?”; “como é que um candidato, com aquele perfil, foi capaz de vencer as eleições presidenciais?”; “como é possível um candidato eleito agitar tanto o mundo, deixando-o à beira de uma ataque nervos?”; “como é possível o presidente cessante dizer adeus à Casa Branca com um índice de popularidade de 60% e um presidente a tomar posse no cargo com o referido índice nos 40%?”; “como é possível um candidato eleito ter aberto frentes de hostilidade contra países da União Europeia, países tradicionalmente amigos, e fazer um novo inimigo de estimação – a China?”; “como é possível um país, com serviços de inteligência e meios tecnológicos sofisticados, deixar que outro país – com quem mantém uma “guerra fria” de muitas décadas – consiga desvirtuar a intenção de voto e, depois disso, surgir como país amigo?”.

Bem posso questionar!...

Valha-nos ao menos, por cá, a vitalidade e popularidade do interventivo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que, mantendo-se em elevado estado de graça, surge a todo o instante em todo o lado, distribuindo afetos, beijos, abraços e tirando selfies sempre com um sorriso, incluindo apanhar roupa da corda a uma idosa, enquanto dialogava com ela, ou uma ida ao encontro de sem-abrigo, numa noite gelada. Este perfil, faz com que seja o político mais perto do povo (apesar de sempre ter pertencido às elites) e obtenha o maior índice de popularidade de toda a classe política; no final do ano anterior, chegou a bater todos recordes de popularidade (desde que existe o barómetro da Universidade Católica Portuguesa), com uma notoriedade de 99% e 97% de avaliações positivas, através de inquirição do CESOP – Universidade Católica. Então o contraste é claramente enorme quando se pensa na má imagem de Cavaco Silva na hora de saída do cargo, avaliado com a nota negativa de 7,7 pelo mesmo barómetro.  Não admira que o Observador tenha considerado o atual presidente da República como a Figura Política do Ano (2016).
Apesar de nós, portugueses, termos a tendência para sermos muito rezingões e acharmos que tudo está mal… eu acho que Portugal é um país muito especial. É fácil gostar-se deste país, e não é só pelo sol, paisagem e gastronomia. É que mesmo em plena vaga de frio, a assolar toda a Europa, o que mais brilha é o calor humano, com o presidente português no topo da pirâmide, enquanto durar o estado de graça. Mas esse estado de graça cultiva-se e, seguramente, não é semeando ventos!

Obs.: se a crónica não ficou assim tão pequena é porque, afinal, entusiasmei-me!


© Jorge Nuno (2017)   

08/01/2017

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (51) - Crónica "Estranhos Patetas Alegres e Patetas Tristes

ESTRANHOS PATETAS TRISTES E PATETAS ALEGRES

Ao cair do (p)ano de 2016, um artigo do Jornal de Notícias dá conta que um produtor do Reino Unido descobriu que as suas cabras produzem mais de 20% de leite do que o habitual, quando expostas ao tema “All I want for Christmas is you”, de Mariah Carey. Segundo o site brasileiro Canal Rural, isto acontece porque “as músicas de Natal costumam ser calmas, lentas e cheias de boas vibrações”.

Acho que os portugueses também apanharam boas vibrações neste Natal, pois os seus índices de confiança ultrapassaram os do ano 2000. Segundo a manchete do jornal Correio da Manhã, também em final de ano, dá conta da “Fúria consumista – Portugueses gastam 210 milhões por dia no Natal”, com o valor total de levantamentos em máquinas ATM e pagamento através de TPA a ultrapassar os 5,7 mil milhões no Natal e Ano Novo, e ainda faltavam uns dias para acabar o ano. O jornal britânico “Financial Times”, pela mão do jornalista Peter Wise, aponta ao primeiro-ministro português “índices de popularidade [de fazer inveja] que outros políticos do centro-esquerda europeu apenas podem sonhar”, entendendo que este confundiu os críticos, por ter superado as expetativas, apesar do “modesto crescimento económico” e do “frágil setor financeiro”.

A propósito do setor financeiro, ouve-se, insistentemente, que o BCE – Banco Central Europeu está a ser pressionado para que não apoie os países periféricos, onde se inclui Portugal. Não será por acaso que estão a subir os juros da dívida portuguesa, a 10 anos, encontrando-se nos 4%, o que faz com que Portugal pague mais de 8 mil milhões de euros só de juros anuais.

A TVI24 noticiou que o fogo de artifício na passagem de ano na Madeira teve o dobro dos disparos de 2006, tendo sido disparadas 132.000 peças. Já naquele ano o “Guiness World Record” tinha atribuído o título de “Maior Espetáculo Pirotécnico do Mundo” à passagem de ano na Madeira. O Governo Regional da Madeira terá despendido 800.000 euros em oito minutos de diversão. Em contrapartida, terá contribuído para que a ocupação hoteleira tenha ultrapassado os 92%. A “estragar” a festa, mais uma vez a PGR – Procuradoria-geral da República investiga se existem indícios da prática de crime na adjudicação do material pirotécnico (cerca de 70% de produção nacional) e na execução orçamental.

Já em 2017, o Jornal de Notícias, tem como título de um artigo: “Nunca se investiu tanto em escritórios em Portugal”, para em letras mais pequenas se poder ler “Investimento imobiliário no segmento comercial foi de 1,3 mil milhões de euros em 2016 e espera-se que este valor seja ultrapassado em 2017”.

Como vem sendo habitual, com o novo ano surgem os aumentos dos custos com a electricidade, gás, transportes, telecomunicações, portagens… enquanto o IAS – Indexante dos Apoio Sociais (congelado desde 2009) crescerá 0,7%, passando de 419,22 euros para 422,15 euros, traduzindo-se num aumento inferior a 3 euros mensais, o que significa 13,5 milhões de euros retirados em 2017 aos cofres do Estado.
Um estudo recente do Observatório da Natalidade e do Envelhecimento em Portugal, tendo como coordenador Telmo Vieira (ISEG), envolveu uma amostra de 1335 pessoas, com 35 ou mais anos, e aponta que quase 70% dos inquiridos não tem qualquer tipo de poupança para a reforma e que 7% dos reformados entrevistados não podem comprar os medicamentos prescritos. O estudo, a juntar-se a outros, reforça que “é preocupante a sustentabilidade do sistema de previdência social em Portugal”.

Também já em 2017, o Jornal de Notícias faz manchete: “Insolvências – todos os dias há 30 portugueses a abrir falência [declarados insolventes pelos tribunais]”. Continuando a ler, fica-se a saber que foram afetadas 11006 famílias, sendo que 635 aderiram ao PER – Programa Especial de Revitalização, continuando o GAS – Gabinete de Apoio ao Sobreendividado [da DECO] a receber estes pedidos de ajuda. Haverá 26030 registos de casos de sobreendividamento nos primeiros dez meses de 2016. Segundo a coordenadora do GAS – Natália Nunes –, numa entrevista concedida ao jornal Correio da Manhã, 15% dos que pediram ajuda são reformados com baixo rendimento, mas também há pedidos de ajuda entre quem tem “empregos precários e com salários muito baixos” e considera que “a situação financeira das famílias não teve alterações que acompanhem este aumento da procura de crédito, que é preocupante”.

Apesar da situação ser preocupante, prefiro ver esta onda de optimismo. Na minha adolescência fixei uma frase, que guardo até hoje, e que rezava assim: “Um pessimista é um pateta triste; um otimista é um pateta alegre”. Estava cansado de ver tanto pateta triste; sinceramente, prefiro os patetas alegres. Deve sentir-se as influências semelhantes às das cabras. Com tanta música de Natal a espalhar “boas vibrações” pelas ruas, só pode! E esta “boa onda” deixa-nos antever os resultados das próximas eleições autárquicas.


© Jorge Nuno (2017)

Crónica publicada na BIRD Magazine de 07-01-2017