QUANDO
A RAPOSA GUARDA O GALINHEIRO
Escreveu
María Elvira Pombo Marchand, no seu livro “Pela mão dos anjos”, que “Magia é a
capacidade de nos transformarmos assim como à nossa realidade”, dando a
indicação que “o objetivo da magia é a felicidade. O requisito principal para
que aconteça magia é acreditar que tudo é possível”. Também Kyle Gray escreveu,
no seu livro “Orações aos anjos – como pedir ajuda ao céu para criar milagres”,
que “rezar é algo universal. Todas as religiões e sistemas de crenças incluem
uma ou outra forma de oração. Todos os dias, as pessoas rezam para ter saúde,
dinheiro, sucesso, ou até só para terem boas colheitas. Para muitos, a oração é
uma prática diária; para outros, o último recurso em desespero de causa”. Pois
bem, dirijo-me a crentes e a não crentes e informo que hoje é o Dia Mundial da
Oração. Entendo que, a comemorar-se este dia, deveria ser no Dia de Todos os
Santos, pois a oração coletiva, reforçada a Todos os Santos, poderia trazer
magia e criar autênticos milagres, com maior facilidade. E como estamos a
precisar que aconteça magia e autênticos milagres!…
O
Banco de Portugal (BdP), através da nota de informação estatística 23/2017,
anuncia um acréscimo da dívida pública em janeiro de 2017, estando agora nos
242,8 mil milhões de euros, que resulta de um aumento de 1,8 mil milhões de
euros, relativamente ao final do ano de 2016. Quando estão apontadas falhas
graves à supervisão do BdP – longe de cumprir a sua missão e ainda a ocultar
informação pertinente, por se considerar soberano e não ter de prestar contas a
ninguém, o que não deixa de ser estranho num estado democrático –, eis que o
governo quer impor duas mulheres no conselho de administração do BdP, quando o
expectável seria atalhar pela substituição do fragilizado governador.
O
polémico assunto dos e-mails trocados entre o anterior presidente da CGD e o
atual ministro das Finanças acaba por ser abafado, temporariamente, com o
surgimento de nova polémica. Esta dá-nos conta que, entre 2010 a 2014, teriam
sido transferidos para offshores em
paraísos fiscais valores aproximados a 4 mil milhões de euros / ano; em 2015
dispara para 8.885 milhões de euros. O atual secretário de estado dos Assuntos
Fiscais – o tal que viajou para Paris, para ver o jogo Portugal – Hungria, no Campeonato
Europeu de Futebol de 2016, a expensas da GALP, apesar de representar o estado
português num conflito fiscal milionário com essa empresa, por esta recusar o pagamento
de dois impostos com um valor total superior a 100 milhões de euros – deu
indicação aos serviços de administração tributária para verificação das
declarações entregues pelos bancos no portal da Autoridade Tributária (AT) e
ter-se-á concluído que havia falhas no registo dos offshores, entre 2011 e 2015. Este facto originou que essa
imensidão de dinheiro saísse do país, sem controlo nem o correspondente
pagamento de impostos. Em audição parlamentar, ainda desresponsabilizou
politicamente os governantes, dizendo que se terá tratado de um erro
informático e deixou no ar a ideia de que não terá havido manipulação de
informação para encobrir uma eventual fuga de capitais. É afirmado, publicamente,
que estariam ocultas 97% das transferências financeiras para offshores do Panamá.
O
secretário de estado dos Assuntos Fiscais do anterior governo, após esta
descoberta, também em audição parlamentar, veio dizer que ocultou o facto para
não alertar e, com isso, poder vir a beneficiar o infrator. Assumiu
individualmente essa responsabilidade (coisa rara), acrescentando que “não há
impostos perdidos nas transferências em causa” (coisa estranha) para, de
seguida, ser elogiado pelo caráter (coisa bizarra) por uma deputada do CDS-PP,
partido onde é membro da Comissão Política Nacional. Apressaram-se os habituais
comentadores acreditados na matéria, instalados em determinados canais
televisivos, a explicar da legalidade das operações e a minimizar esta ocorrência,
retirando-lhe a carga política, atirando a responsabilidade para os técnicos
que manuseiam os sistemas informáticos, manipulam a informação e fornecem, aos
respetivos políticos em funções no setor, os dados trabalhados, que é suposto
serem credíveis. Lembra-se que, por aquela altura havia a estratégia,
incentivada pela troika, de “espremer” os portugueses da classe média-baixa e
todos os que já possuíam baixos rendimentos, como sendo a única alternativa
para resolver os problemas de insolvabilidade do país.
O
referido ex-membro do governo é advogado, especialista em direito fiscal,
docente da disciplina de fiscalidade no “Mestrado em Direito e Gestão” promovido
pela Nova School of Business and Economics, em Lisboa. É neste estabelecimento
do ensino superior, e noutros similares, em cursos financiados, em parte, com
dinheiro dos contribuintes, que se formam os reputados fiscalistas, a quem mais
tarde é dada uma remuneração principesca pelo seu trabalho, tendo em vista
ultrapassar os “podres” da legislação e permitir às empresas fugir aos
impostos. Numa altura em que o atual governo, através de uma equipa de juristas
da Presidência do Conselho de Ministros, está a procurar limpar a legislação
desadequada à atualidade, tendo já sido encontradas 1500 leis obsoletas
aprovadas entre 1974 e 1978, estará na hora de se deixar de encomendar
legislação a conhecidos grupos de advogados associados que, com alguma
promiscuidade na sua ligação a deputados, têm criado legislação com “buracos” e
mais tarde assessorarem na solução. Entretanto, é confrangedor ver que não se
usa os instrumentos da procura da incómoda verdade… enquanto passa incólume
quem faz uso dos paraísos fiscais, por falta de mecanismos de troca de
informação ou de vontade de exercer o controlo.
O
ex-Dono Disto Tudo, do BES, no interrogatório judicial da Operação Marquês,
terá referido que “só o diabo pode explicar coincidências das transferências
para Bataglia e os negócios da PT [que leva dois importantes antigos gestores
da PT a serem constituídos arguidos, por benefício próprio de muitos milhões].
Do Grupo Espírito Santo terá sido desviado 8 milhões de euros para um offshore, em nome do ex-Dono Disto Tudo,
havendo um comunicado dos seus advogados a referir que esta operação e “a tese
de fortuna escondida (…) é pura ficção”.
Apesar do diabo ter
sido queimado recentemente pelo Carnaval, quem sabe se, em Dia Mundial de
Oração, não se justificará mesmo as orações a Todos os Santos, centradas num
único objetivo – impedir que as raposas deixem de guardar os galinheiros –.
© Jorge Nuno (2017)
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