28/04/2017

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (57) - Crónica: "Claques e Cliques"

CLAQUES E CLIQUES

Está um dia bonito, apesar das nuvens. De pé, olho através dos vidros duplos. O trânsito na avenida é intenso, mas não o ouço. Os choupos oscilam ligeiramente e vão soltando o “algodão branco”, que se espalha e dança pelo ar por mais algumas semanas. Costuma representar alegria e espanto nas crianças e, supostamente, um incómodo nas pessoas com hipersensibilidade cutânea. Certamente poucos saberão (ou nem quererão saber) que há choupos machos e fêmeas, e que uns largam o “algodão” e outros o pólen, o tal que pode ser causador de alergias. Tenho consciência que a poluição urbana, gerada pelos veículos automóveis, afetará mais a saúde humana do que os níveis de pólen dos choupos nesta altura do ano, ou pior ainda, na ausência dos choupos, caso fossem abatidos a motosserra, como vem a acontecer. Creio que representa um dos muitos mitos urbanos, já que as pessoas nos meios rurais convivem bem com os choupos.

É visível o habitual movimento das “formiguinhas” humanas, na ciclovia, que usam este agradável espaço para fazer caminhadas, corridas individuais ou em pequenos grupos, tanto a pé como de bicicleta, para passear, levando os carrinhos de bebé ou os animais, ou simplesmente sentarem-se calmamente à sombra dos mesmos choupos. Por detrás, os campos de ténis, em terra batida, têm o habitual movimento, dando a sensação que alguns jovens estão a ter as primeiras aulas na modalidade. Olhando um pouco mais para trás dos campos, vejo alguns corajosos a dar umas braçadas numa das piscinas municipais exteriores, nesta tarde primaveril.

À mente vem-me o meu profundo gosto pelo desporto e a ideia de como o desporto pode ser salutar.

Neste ano, passei pela ponte 25 de abril, uns minutos antes de fechar ao trânsito rodoviário, para proporcionar a realização da “Meia Maratona de Lisboa”. Nalguns anos anteriores, tirei fotos que mostravam a dimensão desta iniciativa. Eram dezenas de milhares de participantes, a colorir totalmente esta enorme ponte; mais outras dezenas de milhares de espetadores, a assistir ao longo do traçado, e centenas de milhares a ver na TV. Soube do sucesso da segunda prova do circuito internacional – “Mundial Rallycross 2017” – em Montalegre, prova que se realiza em mais nove circuitos de países europeus e no Canadá e África do Sul. Eram esperados cerca de cem mil visitantes nesta aprazível vila da raia transmontana, o que me deixa muito agradado. A poluição sonora (do roncar dos motores) e a atmosférica (dos escapes), nada habitual por estas terras, ficaram completamente ofuscadas pelo entusiasmo, pelo que já se espera pelo evento do próximo ano. No início de setembro, volta ao Porto a “Red Bull Air Race World Championship”. É um evento mundial, que passa também por: Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos; San Diego e Indianápolis, EUA; Chiba, Japão; Budapeste, Hungria e Lausitz, Alemanha. Pela espetacularidade, atrai centenas de milhares de pessoas às margens do Douro, no Porto e Gaia. Estes três eventos desportivos, que movimentam multidões e muitos milhões, não deixam de ser um negócio, com riscos calculados, em que todos os envolvidos podem ganhar. Sinceramente, não vejo ninguém a querer, propositadamente, estragar o negócio. Neste último, apenas me lembro de ouvir acusações “bairristas” quando o evento passou de Lisboa para o Porto, por falta de financiamento autárquico.

Temos de reconhecer, definitivamente, que por estas bandas do planeta o futebol é mesmo considerado o “Desporto-Rei”. Até posso ouvir algumas pessoas dizer que não vão em “futebóis”, mas essas mesmas vi-as eufóricas quando a equipa de Portugal se sagrou campeã da Europa, em França! Sou apreciador e gosto de ver jogar bom futebol, independentemente de quem joga e do resultado final, quando não há trapaça. Detesto aquilo que estou a ver: claques organizadas, algumas ilegais, sustentadas pelas direções dos clubes designados “três grandes” [de Portugal], a fazer asneiras atrás de asneiras, impunemente, e num ou noutro caso com as direções, a demarcar-se… Aconteceu recentemente com a claque “Super Dragões”, num jogo de andebol entre o F. C. do Porto e S. L. Benfica, ao entoar “Quem me dera que o avião da Chapecoense fosse do Benfica”, ou a exercer pressão direta no café do pai de um conhecido árbitro de futebol, ou como claque não oficial de apoio à seleção nacional [de futebol], com Fernando Madureira a liderar, a entoar cânticos insultuosos ao S. L. Benfica no estádio da Luz, no jogo entre Portugal e Hungria. Também uma das claques do S. L. Benfica entoou cânticos no pavilhão da Luz, num jogo de andebol entre o seu clube e o Sporting C. P., com destaque para “Foi no Jamor que o lagarto ardeu, na final da Taça o very light o f…”, simulando o silvo do very light enviado por um membro da claque “No Name Boys”, que matou o adepto do Sporting, em 1996. A resposta da claque do Sporting C. P. num jogo de futsal no pavilhão da Luz entre os clubes rivais de Lisboa, foi entoar “Onde é que está o Eusébio”. Poucos dias depois, foi repetida a dose pela claque do S. L. Benfica, no jogo de futebol em Alvalade, no dérbi lisboeta. Na véspera deste jogo, cerca da 02h40, terá havido confrontos entre adeptos de ambas equipas junto à rotunda sul do estádio da Luz e um adepto italiano da Fiorentina, que acompanhava adeptos da Juve Leo, foi atropelado mortalmente por uma viatura (segundo as autoridades, de forma intencional). Sabe-se que a vítima tinha “ficha policial por violência no desporto” [em Itália] e que a viatura, já encontrada, pertence a um adepto do Benfica, a qual terá sido guardada num espaço de um amigo, membro da claque No Name Boys.

São comportamentos inaceitáveis e casos de polícia, a merecer rápida e eficaz resposta, a necessitar de fortes cliques na cabeça, para se encontrar um rumo adequado. Quando se esperava um comportamento apaziguador dos respetivos dirigentes, eis que surgem na ribalta pelas piores razões. O desporto e o futebol, em particular, dispensam bem este tipo de pessoas. Isto faz muito mal à própria indústria do futebol, que pode gerar muitos milhões, além de genuínas, vibrantes e compreensíveis paixões.

Por detrás dos vidros, talvez entenda quem utiliza o “escape” da ciclovia, do ténis, da natação e mais o que a minha vista não alcança daqui. É que a vida não comporta só a “loucura” do futebol… e louvo quem faz algo pelo seu próprio equilíbrio físico, procurando estar livre de poluição mental.


© Jorge Nuno (2017)

01/04/2017

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (56) - Crónica: "(In)verdades... Para Inglês Ver"

(IN)VERDADES… PARA INGLÊS VER

O Jornal Económico, na presente semana, tem um título assustador: “Tsunami vai engolir a Península Ibérica”. Para quem lê o título, associaria imediatamente a sensacionalismo ou a uma brincadeira de mau gosto. Não, garanto que nada tem a ver com o Dia das Mentiras! Refere o documentário “La Gran Ola (A Grande Onda)”, realizado pelo espanhol Fernando Arroyo. O próprio terá dito: “esta é a verdade sobre os tsunamis em Espanha e em Portugal. Podem acreditar… ou não”. No desenvolvimento da notícia pode ler-se: “será apenas uma questão de tempo antes que um muro gigante de água atinja a costa de Espanha e Portugal”.

No princípio dos anos 90, recebi formação na Proteção Civil, em Lisboa; aí ouvi abordar, também, a eventualidade de haver um enorme tsunami, provavelmente idêntico ao verificado no terramoto de 1755. Sobre a previsibilidade destes estudos não creio que se possa falar em verdade ou mentira, nem será uma questão de fé, ainda mais pelo facto de uma frase retirada do contexto provocar adulteração do sentido. Pessoalmente, entendo haver a forte probabilidade de ocorrer um tsunami, em zonas de falhas sísmicas. O problema será real e uma verdade indesmentível, isso sim, ao não se acautelar essa possibilidade, não criando as condições de deteção de um fenómeno dessa natureza de modo a minimizar os estragos catastróficos que venham a ocorrer.

Igualmente num programa televisivo sobre economia, na RTP3, nesta mesma semana, poderia ficar pasmado com alguns comentários sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e, por exemplo, como um desastre ecológico pode fazer aumentar o PIB. Mas não fiquei. Se seguirmos o raciocínio dos economistas – em que muitos sugerem que “o PIB distorce a realidade, pois mede a produção, independentemente de ser boa ou má, desde que haja transação de moeda (ficando de fora a economia doméstica, informal ou ilegal)” –, então o PIB contabiliza as indústrias poluentes, já que leva ao investimento posterior na recuperação dos danos causados por essas mesmas indústrias. Estranhamente, se se juntar uma imensidão de voluntários para minimizar os estragos… esse trabalho não entra no PIB. Certamente alguém dirá: “não, não pode ser verdade!”.

E se acrescentar que nesse mesmo programa televisivo foi dito [com toda a seriedade] que “a economia grega deu um salto de 25% porque contabilizou a prostituição”? Estou mesmo a antever a reação: “Oh… este está a dar-me tanga!”.
Também “no Reino Unido uma hora de sexo paga soma valor para o PIB, mas apenas a prostituição feminina é considerada atividade económica. A prostituição masculina não tem a mesma dignidade estatística”. Agora digo eu: “Vá-se lá saber porquê!”.
A questão é que “o PIB não faz julgamentos morais: se a prostituição é monetizada e se a troca for registada, por que não incluí-la?”, foi dito. Poderá não ser inocente as várias tentativas para legalizar a prostituição em Portugal, claro… com iniciativa no Parlamento, onde demasiadas vezes se ouvia dizer: “Vossa Excelência acabou de dizer uma inverdade!”; agora já se vai dizendo: “Vossa Excelência mentiu!”.   

Também parece clara a afirmação do presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem – que diz ser direto – e disparou, abusivamente, a ideia que “os países do sul gastam dinheiro em copos e mulheres e depois pedem solidariedade”, para logo referir que foi mal interpretado e que se referia a si próprio (ao sentir-se fortemente atacado por todos os quadrantes políticos). Ora bem, se o PIB holandês está controlado e o PIB português é uma constante preocupação para todos; se no conjunto de quatro dezenas de países mundiais, Portugal está em sétimo no número médio de horas de trabalho anuais e a Holanda está em penúltimo; se a prostituição não está legalizada em Portugal e está na Holanda; se os portugueses continuam a ter fraquíssimos rendimentos do trabalho comparativamente com os holandeses; se o senhor Dijsselbloem admite que é ele que gasta dinheiro nos copos e mulheres, então, tudo isto ajuda a compreender como melhorar o PIB, e que foi errada a medida de austeridade que ele próprio ajudou a impor em Portugal.
Há determinados factos incríveis que ocorrem na nossa vida, como algo surreal, pelo absurdo, que nos sentimos impelidos a mentir (mesmo que seja uma pequena mentira, sem consequências e perfeitamente evitável); é que ao dizermos a verdade parece que ninguém acredita, ou fica dúvida no ar. E se formos aldrabões compulsivos? Bem, para estes há o ditado: “Mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo”. E se ousarmos mesmo dizer a verdade e não tivermos medo de cair no ridículo? E se disser que escrevi um poema, em inglês, e que me asseguraram, em Londres, que o loiro Boris Johnson – o mentor do Brexit – o leu? Inicialmente, confesso que eu próprio não acreditei, porque não o estou a ver interessado em poesia. Não tenho a pretensão de dizer que o meu poema teve algum efeito na decisão desta saída anunciada da União Europeia [UE], o que seria algo verdadeiramente incrível, por se tratar de um português. Mas verdade, verdade… é que agora a UE ficou agitadíssima, para não dizer assustada, e o próprio RU tem no seu seio a Irlanda do Norte em polvorosa (para não variar) e a Escócia a querer a referendar novamente a “independência”, para regressar à EU (a lembrar que os fracos não desistem).

Para que não se pense que estou a “dar tanga”, aqui fica o poema, escrito já em 2012, a dar [timidamente] razão aos britânicos por não querem estar na moeda única:

POEM FOR THE ENGLISH TO SEE (Poema para Inglês Ver)

You know, my friend, you certainly do!...
Our countries have something in common in the Guinness.
I mean the world’s oldest diplomatic allegiance.
Which dates back to the war of Aljubarrota, fought against Castela!
You also know that since then not everything has been a bed of roses.
There have been clever opportunistic men in this country,
wanting to connect Angola and Mozambique
and they called it the pink map.
Your ultimatum called them to reason and put an end to their plan
(no wonder, you owned the world’s biggest Empire!)
that Allegiance and the African colonies forced us into a World War
against the German expansion,
taking the lives of 10.000 Portuguese citizens.
Putting that aside and forgetting the competition for global economic interests.
Today, there’s the sun and the beaches in the Algarve,
The tourism and hotel business,
in the most representative Portuguese places,
nightlife, beer, plenty of beer and football!
Perhaps I didn’t like you that much…
and I criticized you, I called you conservative for keeping the pound.
Damn… you surely were right!

© Jorge Nuno (2017)