ETERNAS PERSEGUIÇÕES
RELIGIOSAS?
Todos nós, se aprofundarmos a essência
de cada religião, verificamos que a maioria dos seus “fundamentos” podem ser
aceites, pois falam em amor, humildade, fraternidade, tolerância, respeito, fé,
humanidade… isso mesmo, dando pistas para que o homem se torne mais humano e, paradoxalmente,
poder fazer a sua ascensão e aproximar-se da “divindade”! Mas não deixa de ser
curioso: nas mais antigas religiões conhecidas, já se ouvia falar em deuses
mitológicos que perseguiam outros deuses; os relatos veem-nos da antiga Grécia,
Egipto e também da Babilónia. E o que espanta é como religiões de amor acabam
em expressões de ódio, que fomentam e levam à prática autênticos genocídios;
foi verdade antes do surgimento do cristianismo, manteve-se ao longo de
séculos, sendo ainda mais evidente nos dias de hoje, com todo o mediatismo dos
meios de comunicação e passagem de informação em tempo real.
Já em meados do séc. XVII, Blaise
Pascal terá dito: “Os homens nunca praticam o mal de modo tão completo e
animado como quando o fazem a partir da convicção religiosa”.
Não deixa de ser estranho que a fé –
que era suposto unir –, mantenha numerosos grupos separados, muitas vezes
alienados e dispostos a manter vivo o seu fundamentalismo, capaz de aniquilar os
que não têm a mesma visão ideológica ou professam uma “fé” que não a sua. A
disputa pelo poder e controlo de supostas religiões, conduz ao controlo de
vastas regiões e de outros interesses, como se se tratasse de jogos
geopolíticos estratégicos. No maior fanatismo, há sempre quem se sinta honrado
em morrer como mártir, e pior é quando se pretender arrastar consigo o maior
número de “infiéis”.
À sua maneira, cada confissão religiosa
pretende enaltecer os seus mártires, mesmo que à distância de mais de dois
milhares de anos muitos dos relatos possam ter sido adulterados, pela passagem
de boca em boca, e transformados em convenientes mitos. No entanto, em muitas
dessas estórias, parece haver alguma consistência na forma ou processos
correntes de execução, à época, dos “traidores” ou inimigos a abater.
Dentro do cristianismo, em cada dia 20
de janeiro comemora-se o dia de São Fabiano e de São Sebastião. O primeiro é
mais desconhecido; o segundo é uma figura mais popular, reconhecida como
mártir, sendo mostrada a imagem de um jovem, seminu, amarrado a um tronco de
árvore e com flechas a trespassá-lo. Tratava-se de um soldado romano, que
chegou a integrar a guarda pretoriana, a qual protegia o próprio imperador
Diocleciano. Consta que esse imperador fez-lhe um julgamento sumário,
considerando Sebastião um traidor, por ajudar cristãos, condenou-o à morte, com
flechas, e depois atirado ao rio. Sebastião terá sido encontrado por Irene (mais
tarde considerada Santa Irene), mas como não estaria morto, esta cuidou dele
até Sebastião ousar apresentar-se novamente perante o imperador. Com nova ordem
de Diocleciano, foi espancado até à morte e o seu corpo atirado para um esgoto,
em Roma. Luciana (mais tarde considerada Santa Luciana), recolheu e limpou o
corpo, fazendo com que fosse sepultado nas catacumbas, em Roma. Há dúvidas
quanto ao ano da sua morte, mas aponta-se a data de 286 d. C.
Recuando ao ano de 250 d. C., terá sido
num dia 20 de janeiro que o imperador Décio iniciou uma perseguição
generalizada aos cristãos, a começar em Roma pela aniquilação do papa Fabiano.
Sobre este, consta que não pertencendo ao clero e numa altura em que se
procurava ultrapassar o impasse na escolha de um novo papa, surgiu uma pomba
branca sobre a cabeça de Fabiano, o que levou à unanimidade na sua escolha para
suceder ao papa Antero, um sinal entendido como se se tratasse de “ordem
sagrada”. Pela sua morte violenta, também foi considerado mártir e levado para
as catacumbas de São Calisto, em Roma.
Cerca de 90 anos após a morte de São
Sebastião, foi a vez dos cristãos passarem de perseguidos a perseguidores.
Estava-se no tempo do imperador Teodósio I[1],
em que este, um ano após o exercício do cargo, instituiu o “credo niceno”,
através do Édito de Tessalónica. O cristianismo teria a exclusividade em todo o
império – como religião de estado –, passando a haver tolerância “zero” a quem
não fosse cristão. Deste modo, à força, foram abolidas práticas politeístas e
fechados templos pagãos, comuns em várias partes do vasto território. Esse
Édito dizia: “Queremos que todos os povos governados pela administração da
nossa clemência professem a religião que o divino apóstolo Pedro deu aos
romanos, que até hoje foi pregada como a pregou ele próprio (…). Isto é,
segundo a doutrina católica e a doutrina evangélica cremos na divindade única
do Pai, do Filho e do Espírito Santo sob o conceito de igual majestade e da
piedosa Trindade. Ordenamos que tenham o nome de cristãos católicos que sigam
esta norma, enquanto os demais os julgamos dementes e loucos sobre os quais
pesará a infâmia da heresia. Os seus locais de reunião não receberão o nome de
igrejas e serão objeto, primeiro da vingança divina, e depois serão castigados
pela nossa própria iniciativa que adoptaremos segundo a vontade celestial”. Só
em Tessalónica terão morrido mais de 6000 pessoas, por via do referido Édito.
Serão eternas as perseguições
religiosas? Segundo a perspetiva de Diana Cooper[2],
“Os computadores vão usar frequências mais rápidas e levar informação de luz,
possibilitando uma comunicação global instantânea e facilitando a compreensão
entre culturas e os países. A tecnologia será contrabalançada pela ligação
próxima com a natureza. (…) Por toda a parte, as mulheres estão a começar a
assumir o seu poder. Elas estão a reconhecer a sua própria luz. Ao mesmo tempo,
algumas religiões vão abrir-se para a espiritualidade, o que vai suavizar o
dogma. Isto permitirá às pessoas que se unam, que se enalteçam e que respeitem
as culturas umas das outras”.
© Jorge Nuno (2018)