20/01/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (11) - Eternas Perseguições Religiosas?

ETERNAS PERSEGUIÇÕES RELIGIOSAS?

Todos nós, se aprofundarmos a essência de cada religião, verificamos que a maioria dos seus “fundamentos” podem ser aceites, pois falam em amor, humildade, fraternidade, tolerância, respeito, fé, humanidade… isso mesmo, dando pistas para que o homem se torne mais humano e, paradoxalmente, poder fazer a sua ascensão e aproximar-se da “divindade”! Mas não deixa de ser curioso: nas mais antigas religiões conhecidas, já se ouvia falar em deuses mitológicos que perseguiam outros deuses; os relatos veem-nos da antiga Grécia, Egipto e também da Babilónia. E o que espanta é como religiões de amor acabam em expressões de ódio, que fomentam e levam à prática autênticos genocídios; foi verdade antes do surgimento do cristianismo, manteve-se ao longo de séculos, sendo ainda mais evidente nos dias de hoje, com todo o mediatismo dos meios de comunicação e passagem de informação em tempo real.

Já em meados do séc. XVII, Blaise Pascal terá dito: “Os homens nunca praticam o mal de modo tão completo e animado como quando o fazem a partir da convicção religiosa”.

Não deixa de ser estranho que a fé – que era suposto unir –, mantenha numerosos grupos separados, muitas vezes alienados e dispostos a manter vivo o seu fundamentalismo, capaz de aniquilar os que não têm a mesma visão ideológica ou professam uma “fé” que não a sua. A disputa pelo poder e controlo de supostas religiões, conduz ao controlo de vastas regiões e de outros interesses, como se se tratasse de jogos geopolíticos estratégicos. No maior fanatismo, há sempre quem se sinta honrado em morrer como mártir, e pior é quando se pretender arrastar consigo o maior número de “infiéis”.

À sua maneira, cada confissão religiosa pretende enaltecer os seus mártires, mesmo que à distância de mais de dois milhares de anos muitos dos relatos possam ter sido adulterados, pela passagem de boca em boca, e transformados em convenientes mitos. No entanto, em muitas dessas estórias, parece haver alguma consistência na forma ou processos correntes de execução, à época, dos “traidores” ou inimigos a abater.

Dentro do cristianismo, em cada dia 20 de janeiro comemora-se o dia de São Fabiano e de São Sebastião. O primeiro é mais desconhecido; o segundo é uma figura mais popular, reconhecida como mártir, sendo mostrada a imagem de um jovem, seminu, amarrado a um tronco de árvore e com flechas a trespassá-lo. Tratava-se de um soldado romano, que chegou a integrar a guarda pretoriana, a qual protegia o próprio imperador Diocleciano. Consta que esse imperador fez-lhe um julgamento sumário, considerando Sebastião um traidor, por ajudar cristãos, condenou-o à morte, com flechas, e depois atirado ao rio. Sebastião terá sido encontrado por Irene (mais tarde considerada Santa Irene), mas como não estaria morto, esta cuidou dele até Sebastião ousar apresentar-se novamente perante o imperador. Com nova ordem de Diocleciano, foi espancado até à morte e o seu corpo atirado para um esgoto, em Roma. Luciana (mais tarde considerada Santa Luciana), recolheu e limpou o corpo, fazendo com que fosse sepultado nas catacumbas, em Roma. Há dúvidas quanto ao ano da sua morte, mas aponta-se a data de 286 d. C.

Recuando ao ano de 250 d. C., terá sido num dia 20 de janeiro que o imperador Décio iniciou uma perseguição generalizada aos cristãos, a começar em Roma pela aniquilação do papa Fabiano. Sobre este, consta que não pertencendo ao clero e numa altura em que se procurava ultrapassar o impasse na escolha de um novo papa, surgiu uma pomba branca sobre a cabeça de Fabiano, o que levou à unanimidade na sua escolha para suceder ao papa Antero, um sinal entendido como se se tratasse de “ordem sagrada”. Pela sua morte violenta, também foi considerado mártir e levado para as catacumbas de São Calisto, em Roma.

Cerca de 90 anos após a morte de São Sebastião, foi a vez dos cristãos passarem de perseguidos a perseguidores. Estava-se no tempo do imperador Teodósio I[1], em que este, um ano após o exercício do cargo, instituiu o “credo niceno”, através do Édito de Tessalónica. O cristianismo teria a exclusividade em todo o império – como religião de estado –, passando a haver tolerância “zero” a quem não fosse cristão. Deste modo, à força, foram abolidas práticas politeístas e fechados templos pagãos, comuns em várias partes do vasto território. Esse Édito dizia: “Queremos que todos os povos governados pela administração da nossa clemência professem a religião que o divino apóstolo Pedro deu aos romanos, que até hoje foi pregada como a pregou ele próprio (…). Isto é, segundo a doutrina católica e a doutrina evangélica cremos na divindade única do Pai, do Filho e do Espírito Santo sob o conceito de igual majestade e da piedosa Trindade. Ordenamos que tenham o nome de cristãos católicos que sigam esta norma, enquanto os demais os julgamos dementes e loucos sobre os quais pesará a infâmia da heresia. Os seus locais de reunião não receberão o nome de igrejas e serão objeto, primeiro da vingança divina, e depois serão castigados pela nossa própria iniciativa que adoptaremos segundo a vontade celestial”. Só em Tessalónica terão morrido mais de 6000 pessoas, por via do referido Édito.       

Serão eternas as perseguições religiosas? Segundo a perspetiva de Diana Cooper[2], “Os computadores vão usar frequências mais rápidas e levar informação de luz, possibilitando uma comunicação global instantânea e facilitando a compreensão entre culturas e os países. A tecnologia será contrabalançada pela ligação próxima com a natureza. (…) Por toda a parte, as mulheres estão a começar a assumir o seu poder. Elas estão a reconhecer a sua própria luz. Ao mesmo tempo, algumas religiões vão abrir-se para a espiritualidade, o que vai suavizar o dogma. Isto permitirá às pessoas que se unam, que se enalteçam e que respeitem as culturas umas das outras”.

© Jorge Nuno (2018)  



[1] Exerceu de 379 a 395 d. C., sendo o último imperador a governar todo o espaço do império romano, tanto a Oriente como a Ocidente.
[2] In “2032 - A Nova idade de Ouro”, sendo autora de 20 livros na área da espiritualidade, traduzidos em mais de 30 línguas.

03/01/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (10) - Magia e Reis

MAGIA E REIS

Em 2009, fiz uma viagem memorável a Israel e, entre muitos locais bíblicos, estive em território ocupado pela Autoridade Palestiniana. Para um turista, de visita a este território, pode chocar ver os muros, as barreiras militares instaladas do lado israelita, com soldados fortemente armados e, particularmente, quando apercebe-se de que está a entrar no autocarro um palestiniano, de metralhadora e dedo no gatilho. Como homem de fé, confiante ou anestesiado pela emoção da viagem – que decorria, de forma extremamente agradável, sem quaisquer incidentes –, não valorizei aquele facto; afinal, tratava-se de um inspeção de rotina. Pouco depois, encontrava-me em Belém, a mítica cidade natal de Jesus.

Aí, absorto nos meus pensamentos, retrocedi cerca de dois mil anos. Imaginei as dificuldades vividas naquela época e confrontei-as com os conflitos que se mantêm, atualmente, numa Terra Santa permanentemente debaixo de tensão.

Imaginei os Reis Magos a chegar alguns dias depois do nascimento, em camelos, guiados por uma estrela. Imaginei que se esse acontecimento fosse na Europa, em plena Idade Média, esses três reis – só pelo facto de serem apelidados de “magos” –, provavelmente, nunca teriam chegado ao destino, pois seriam queimados vivos na fogueira, em nome de um deus qualquer. E o relato de magos já vem de períodos muito anteriores a este! Não deixa de ser interessante que a Bíblia[1] refira Moisés e os magos – a vara de Aarão – como se segue: “O senhor disse a Moisés e a Aarão: quando o faraó vos disser: Fazei um prodígio, dirás a Aarão: Pega na tua vara e lança-a diante do faraó e transformar-se-á numa serpente”. (…) Aarão lançou a sua vara à frente do rei e dos seus servidores, e ela transformou-se numa serpente. O faraó mandou, porém, chamar os sábios e os magos: e os magos do Egito fizeram o mesmo com os seus encantamentos”. E foi preciso mais magia… surgindo as conhecidas pragas – águas convertidas em sangue, rãs, mosquitos, moscas venenosas, peste nos animais, úlceras, granizo, gafanhotos, trevas – ou ainda, como se pode ler[2]: “O Senhor disse a Moisés: E tu, ergue a tua vara, estende a tua mão sobre o mar[3], divide-o para que os filhos de Israel possam atravessá-lo a pé enxuto. (…) Moisés estendeu a mão sobre o mar, e o Senhor fustigou o mar com um impetuoso vento do oriente, que soprou durante toda a noite. Secou o mar, e as águas dividiram-se”, conseguindo, finalmente, a libertação do povo hebreu e encaminhá-lo para a Terra prometida.

Imaginei que se fosse na época atual, algum regulador impediria os Reis Magos de fazer chegar aquelas ofertas ao Menino Jesus, devido ao ouro, incenso e mirra, eventualmente, ultrapassarem o valor legal das ofertas permitidas por lei. Também a Bíblia[4] refere a grandeza no reinado de Salomão, filho do rei David, em que a tentação pelo ouro era enorme: “O peso de ouro que anualmente era levado a Salomão era de seiscentos e seis talentos[5], sem contar com o tributo que recebia grandes e pequenos vendedores dos reis da Arábia e de todos os governadores do país (…) Toda a gente desejava ver a face de Salomão para ouvir a sabedoria que o Senhor lhe tinha dado. E todos lhe traziam presentes (…) ouro, vestes, aromas, cavalos (…)”. Apesar da evidência dos factos, há um provérbio[6] atribuído a Salomão, que diz: “Os tesouros mal adquiridos de nada servem, mas a justiça livra da morte”.

É tradição cristã encerrar as festividades de Natal e de Ano Novo, em cada dia 6 de janeiro, comemorando a visita e oferendas dos três Reis Magos ao Menino Jesus. Há uma passagem no Novo Testamento[7] que refere os Magos do Oriente: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo de Rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente. ‘Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?’ – perguntavam. ‘Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo’. Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele. E, reunindo todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: ‘Em Belém, da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta’. (…) Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes informações exatas sobre a data em que a estrela lhes havia aparecido. E enviando-os a Belém, disse-lhes: ‘Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do Menino, e, depois de O encontrardes, vinde comunicar-mo, para que eu também vá adorá-Lo’. (…) E a estrela que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o Menino, parou. Ao ver a estrela sentiram grande alegria, e entrando na casa viram o Menino com Maria, Sua mãe. Prostraram-se, adoraram-No e, abrindo os cofres, oferece-Lhe presentes: ouro [por Belchior (ou Melchior), que terá partido da Europa, sendo esta uma oferta habitual aos “deuses” e à realeza], incenso [por Gaspar, que terá partido da Ásia e o levou para proteger o Messias] e mirra [por Baltazar, de África, e era uma oferta comum aos profetas]. Avisados em sonho a não voltarem para junto de Herodes, [os Reis magos] regressaram à sua terra por outro caminho”.

Nos países hispânicos, é tradição a entrega de ofertas às crianças no dia 6 de janeiro, com idêntico simbolismo das oferendas dos Reis Magos, para alegria das crianças. Há magia em dar e receber, desinteressadamente. Há magia na troca, a qual faz circular [boa] energia. Não passa, forçosa e unicamente, pelo ouro, jóias e outros bens similares, mas por riquezas imateriais. É evidente a magia que paira no ar durante a época natalícia e no início de um novo ano. Não deixa de ser impressionante como as pessoas dizem naturalmente: “Tudo de bom para ti; que a vida te sorria; tem um excelente ano…”. Escreveu, Deepak Chopra: “ A simples ideia de dar, de abençoar, de oferecer uma simples oração, tem o poder de afetar a vida dos outros”. Bom ano para todos.

© Jorge Nuno (2018)      


[1] In Êx. 7
[2] In Êx. 14
[3] Mar Vermelho
[4] In 1 Rs. 10
[5] 1 talento corresponde da 34,2 kg.
[6] Provérbios, coleção salomónica: 10-22.
[7] Evangelho Segundo S. Mateus – Mt 2.