16/03/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (14) - Virtude da Ignorância?



VIRTUDE DA IGNORÂNCIA?

Há algum tempo atrás vi um filme, lançado nos EUA em 2014, e que se intitula “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) ”. Certamente, só pelo “Birdman”, eu não teria visto o filme, mesmo lendo a sinopse, como faço sempre. Na verdade, verifiquei que se tratava de um ator que recusou fazer o quarto filme da mesma saga, na mesma personagem – o de um super-herói – e que, agora no teatro, entendia poder mostrar todo o seu talento, enquanto procurava repor a notoriedade que ia perdendo à medida que o tempo passava. Mais do que a sinopse ou o facto de o filme ter nove nomeações para os Óscares de 2015 e ter obtido quatro prémios – melhor filme, melhor realizador (o mexicano Alejandro González Iñarritu), melhor argumento e melhor fotografia – o que me levou a ver este filme foi o apêndice do título: “A Inesperada Virtude da Ignorância”! É a curiosidade própria de quem pretende, de forma permanente, ultrapassar a ignorância e, ao mesmo tempo, de quem tem dificuldade em descobrir qualquer virtude na ignorância.

Reconheço que, para muitos, é fácil e cómodo aceitar a ignorância como algo relaxante, evitando assim a toxicidade contagiante da verdade, que na maior parte das vezes magoa, e para as quais nem sempre se está preparado. Sim, porque a verdade poder ter algo de tóxico, na medida em que transforma a dor emocional em toxicidade, quando não há uma resposta adequada à dor produzida pelo efeito da verdade.

Neste sentido, há determinados acontecimentos, que resultam em notícias, e que produz efeitos diferentes, consoante o perfil de quem lê ou, simplesmente, ouve. O mesmo tema, a uns provoca umas “cócegas” que dá para sorrir, pelo sensacionalismo e incredibilidade, a outros uma enorme revolta, com vontade de partir tudo, sobrando a indiferença para uma maioria pachorrenta, que parece estar vacinada contra tudo aquilo que tem o condão de ferir ou chocar. Vejamos quatro casos, meramente exemplificativos, com algum distanciamento e sem procurar fazer juízos de valor:

– “Mulher enterrou o marido no quintal” [Correio da Manhã]. Envolveu um casal de escoceses que vivia há seis anos numa quinta em Linhares da Beira. Ele poderia sofrer de uma doença do foro oncológico, faleceu e sabe-se que a esposa não comunicou o óbito às autoridades. O corpo foi encontrado e identificado na quinta onde viviam, tanto pela PJ como pela polícia científica. O tribunal de Celorico de Beira condenou, por profanação de cadáver, esta mulher, professora, desempregada, ficando obrigada ao pagamento de uma multa de € 790 + “prisão subsidiária” de € 105 + as respetivas custas judiciais;

– “Trânsito cortado nos Aliados devido a viatura suspeita” [TVI24]. Tratava-se de uma carrinha preta, de matrícula portuguesa, registada em nome de um cidadão da Macedónia. O trânsito chegou a ser cortado nos dois sentidos durante cerca de 4 horas, com a polícia a instalar um perímetro de segurança e a ser activada uma equipa cinotécnica e uma brigada de inativação de explosivos, que não detetou nada suspeito, a não ser a viatura deixada em plena avenida dos Aliados, no Porto. Mais tarde foi referido – sem obter confirmação –, que este aparato ocorreu por avaria da viatura e que o proprietário terá ido, com um amigo, comer uns hambúrgueres;

– “DIAP abre inquérito ao caso do currículo de Feliciano Barreiras Duarte” [RTP]. Após notícia do semanário Sol, em que fica a suspeição sobre a falsificação do currículo apresentado para efeitos de mestrado, em Direito, na Universidade Autónoma de Lisboa (onde defendeu a sua dissertação, em 2014), a RTP noticiou ter recebido uma nota da Procuradoria- Geral da República, em que refere ter remetido para “inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa os elementos que recolheu”, sobre este caso do currículo do atual secretário-geral do PSD. O visado, no ponto 1.1.4 da sua biografia oficial, escreveu: “Está a concluir o doutoramento com uma tese sobre ‘Políticas Públicas e Direita da Imigração’ em parceria com a Universidade Pública[1] de Berkeley, Califórnia, EUA, com o estatuto de visiting scholar (vidé abaixo Certificado de Inscrição na Universidade de Berkeley)”. O Departamento de Relações Públicas daquela Universidade desmentiu que esta pessoa tenha o estatuto de visiting scholar, correspondente a investigador convidado. O próprio retirou este item do seu currículo, disse que nunca esteve naquela universidade e espera serenamente pelo desfecho do caso, pois “nada fez de errado”;

– “Expresso diz que EDP pagou 10 milhões de IRC. Elétrica diz que pagou 481 milhões” [Negócios jornal on-line, numa alusão a notícia do semanário Expresso]. “A EDP [liderada por António Mexia] conseguiu, em 2017, uma taxa efetiva de imposto sobre os seus lucros de 0,7 %, o que representa a taxa mais baixa entre as empresas PSI-20 que já apresentaram as contas anuais.  Isso significaria que sobre um resultado líquido de 1,52 mil milhões de euros, o grupo EDP apurou um imposto líquido de 10,3 milhões”. Para que conste, “a EDP acabou o ano de 2017 com lucros de 1.113 milhões de euros e distribuiu 690 milhões de euros aos seus acionistas em dividendos”. Uma fonte oficial da EDP apressou-se a comunicar que “em 2017 pagou cerca de 481 milhões de euros em IRC em Portugal”, entendendo que o semanário Expresso “confunde o reporte contabilístico refletido no relatório e contas com os valores efectivamente pagos em sede de IRC”. Ter-se-á chegado ao valor de 0,7% de taxa de IRC a pagar devido a um “conjunto de créditos fiscais, benefícios relativos a dividendos e outros benefícios”, pode ler-se no Negócios. Carlos César, presidente do partido e líder parlamentar do PS, já solicitou ao governo [PS] informações acerca deste caso.

Cada um destes citados casos poderia ser abordado individualmente, em crónica, seja pela vertente da miséria humana, da necessidade de atenta vigilância e/ou de acabar com os lóbis instalados e “furos legislativos” conducentes a engenharias financeiras, apenas ao alcance de alguns e lesivas do erário; sempre com a intenção de realçar algo que possa despertar, modificar e exigir mudança de comportamentos – para melhor, subentenda-se.

No dia em que a BIRD Magazine estreia a sua nova página e que eu completo a minha 74.ª crónica, realço que o que fiz em total liberdade, englobando-as maioritariamente na rubrica “Cidadania e Sociedade”. Além desta, o leitor atento pode encontrar nesta revista on-line as seguintes rubricas: Ambiente e Natureza; Arte; Ciência e Tecnologia; Concursos; Desporto; Economia; Educação; Entrevistas; Filosofia; Gente da Minha Terra; Justiça; Life & Stile; Literatura; Mundo; Notícias; Poesia; Política; Psicologia; Religião; Saúde e Vida; Veterinária. São mais de cinquenta os cronistas residentes, que colaboram quinzenalmente, de forma regular. Se este projeto cresceu na blogosfera q.b., se o seu slogan é “O pouso das palavras, o voo das opiniões” e se hoje a BIRD aparece com um “novo ar”, tal reflete a vitalidade conferida pelo editor, pelos colaboradores e pelos leitores. Os leitores têm mesmo um importante peso, ao opinarem construtivamente sobre os conteúdos. É certo que alguns desses, perante uma conversa profunda, têm uma postura semelhante à de alguém ao lado que apenas se foca na gravata mal colocada, no cabelo despenteado ou na roupa que não combina, esquecendo, por completo, o conteúdo. Felizmente, o feedback positivo tem incentivado e dá créditos para continuar; o editor sabe-o. A BIRD Magazine é sinónimo de diminuição progressiva da ignorância. E como o país não precisa de gente esperta, mas sim da virtude de gente desperta!...

© Jorge Nuno (2018)




[1] A designação “Pública” está incorreta.

03/03/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (13) - "Teorema do Soutien"


TEOREMA DO SOUTIEN

Há dias assim! Quantas vezes já acordámos a trautear uma canção e já depois de almoço a canção ainda teima em persistir na cabeça, os lábios a mexer e uns sons a sair, mesmo que em tímida surdina? Mas não, desta vez eu acordei com algo estranho: “Teorema do Soutien”. Como não me tem saído da cabeça e como não tenho por hábito rejeitar ideias que surgem do “nada”, mesmo que à partida pareçam estúpidas, achei por bem fazer com que desse título a esta minha crónica, claramente ainda sem saber o que fazer com o título.

Em boa hora aceitei o convite e desafio, do editor da BIRD Magazine, para escrever crónicas quinzenais. Escrever por “obrigação” e com regularidade, parece algo estranho, mas para quem gosta do que faz tudo flui com normalidade e qualquer obstáculo é facilmente ultrapassado. A verdade é que a primeira crónica que escrevi, para esta revista on-line, foi publicada em 3 de janeiro de 2015 e totalizaram 73 crónicas até agora! Nunca me faltou motivação, nem temática. Fazendo uma retrospetiva, deparei-me com títulos algo estranhos, insólitos ou, simplesmente, apelativos… o que pode motivar a uma leitura do conteúdo, já que é aguçada a curiosidade. Entre muitos outros, lembro-me de: “A cigarra alegre e a formiga preguiçosa”; “A morte, o insólito e a prostituição”; “Quando a raposa guarda o galinheiro”; “Vacas que riem… vacas felizes”; “As minhas cuecas Channo”; “O Pai Natal escondeu o Menino Jesus”… Normalmente, parto para a escrita sem me preocupar com o título, ou até mesmo sem a ideia-chave da mensagem, que vai aparecendo à medida que se vai caminhando. Desta vez, antes de ligar a ignição para arrancar, já tinha título!  

Neste caso, começo por dizer que não sou especialista em soutiens, não irei falar dos enormes peitos da auxiliar de ação educativa da escola, nem irei dar destaque ao encerramento da fábrica da conceituada marca de roupa interior feminina – Triumph –, embora nesta última parte houvesse muito que abordar, que passaria por palavras como “desemprego”, “crime económico”… Sim, já que o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, considerou tratar-se de “um crime económico, preparado premeditadamente pela Triumph Internacional, no sentido de fechar a fábrica, passando por uma fase intermédia, que foi entregar por um ano a produção à Gramax”; ou então a entrega, no Conselho de Ministros, de uma peça de lingerie pelos trabalhadores da mesma fábrica, com uma dirigente do sindicato dos têxteis do sul afirmar: “Nós levámos um cinto de ligas para simbolizar a ida do senhor ministro da Economia [Caldeira Cabral] à empresa, quando apadrinhou todo este processo, a passagem da Triumph para a TGI – Gramax”. Como está expresso, foi um “cinto de ligas” e não um “soutien”, o que obrigaria a mudar o título de “Teorema do Soutien”, para “Teorema do Cinto de Ligas”, que deixaria de fazer sentido, face ao ocorrido neste meu acordar.

Lembrei-me que talvez o Diogo Piçarra tenha acordado a trautear uma canção que não existia, tal como eu com “Teorema do Soutien”. Como é um compositor e cantor que está na berra, com muito sucesso, terá entendido, naquele dia do ano de 2016, que valeria a pena desenvolver a ideia e transformar o seu trautear numa verdadeira canção, digna desse nome, guardá-la e apresentá-la na altura certa, o que aconteceu no Festival da Canção – agora revitalizado com a surpreendente vitória de Salvador Sobral na Eurovisão. E valeu mesmo a pena, pois Diogo Piçarra teve a pontuação máxima do júri e dos espetadores, na segunda semifinal, e seria uma das canções favoritas à vitória final. Dois dias depois, senti o estrondo enorme da uma “bomba” ao ouvir falar da sua desistência deste festival, após pairar no ar a ideia de plágio. Tive conhecimento que o maestro António Vitorino de Almeida se apressou a ouvir as duas canções – “Canção do Fim” e “Abre os Meus Olhos” – e a afirmar que a canção levada ao Festival “não é um plágio, mas igual”, argumentando ainda que “a música é muito simples, é elementar e nestes casos é mais fácil acontecer plágios. Mas felicito o músico por nunca ter ouvido um cântico da IURD”. A Igreja Universal do Reino de Deus, numa nota enviada à agência Lusa, também se apressou a esclarecer que “não detém qualquer direito sobre a música [‘Abre os Meus Olhos’] que tem sido comparada com a ‘Canção do Fim’ e que Diogo Piçarra não tem qualquer ligação à IURD”. Li também que o cântico da IURD é plágio de uma terceira canção, indicando qual.

Fixando-me nestas duas, ouvi a versão pelo pastor Walter, no vol II de “Cânticos do Reino” e novamente a “Canção do Fim”, pelo Diogo Piçarra, e a estrutura musical é a mesma, com uma letra diferente. Fui à página do Facebook do Diogo Piçarra e li que decidiu terminar a sua participação no Festival da Canção. Atentamente, apreciei o que escreveu:
– “Não quero deixar de dizer o orgulho que poderia ser representar o meu país num concurso como a Eurovisão, mas já não faz sentido nenhum sequer tentar ganhar essa oportunidade. A minha carreira e vida não depende disto (…)”;
– “A simplicidade tem destas coisas e só quem não cria arte estará nesta posição. Faz parte da vida de um compositor e é algo que todos nós iremos ’sofrer’ a vida toda (…);
 – “A minha consciência está tranquila na medida em que eu próprio sou quem está mais surpreendido no meio disto tudo: nasci em 1990, não sou crente nem religioso, e agora descobrir que uma música evangélica de 1979 da Igreja Universal do Reino de Deus se assemelha a algo que tu criaste, é algo espantoso e no mínimo irónico (…)”.
Mais tarde, numa entrevista na TV, gostei da sua postura, do seu ar sereno, a mostrar elevação.

Para não vir também a ser acusado de plágio, fui pesquisar “Teorema do Soutien”, no Google, e encontrei coisas dispersas, ora relacionado com “Teorema” ora com “Soutien”, mas não a junção dos dois. Intimamente, esperava que alguém já tivesse descoberto esse teorema, o que me levaria a dizer que “já não faz sentido nenhum ganhar a oportunidade de criar o teorema” e punha um ponto final no assunto. Assim, estou à vontade para prosseguir com a minha investigação, quem sabe… relacionando tamanho e peso dos seios com a elasticidade do material, para chegar a conclusões mais profundas relacionadas com a própria vida. Até lá.

© Jorge Nuno (2018)