28/04/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (16) - Dos Clássicos ao Futuro, no Presente


DOS CLÁSSICOS AO FUTURO, NO PRESENTE

Há muito poucos dias assisti, no largo do Pópulo, em Braga, a uma exposição / concentração de veículos clássicos “Drive It Day”[1]. Com esta iniciativa pretende-se «promover o uso do veículo clássico, como forma de demonstrar a sua importância cultural e social e a dimensão do universo de entusiastas (…) com o objetivo de enaltecer o vigor da paixão pelos veículos antigos»[2]. Neste âmbito e nesse dia, por várias cidades da Europa, foi dada maior visibilidade a estas máquinas, com imensos quilómetros de estrada.

Estando eu, inevitavelmente ligado, por formação superior, à engenharia de máquinas, era suposto ser também um dos entusiastas, mesmo não estando na posse de uma qualquer semelhante “relíquia”, por vezes bem mais valiosas, comercialmente, do que muitas viaturas novas. É que sempre vi estas máquinas como ferramentas ao serviço do homem e que têm um limitado tempo útil de vida – cada vez mais curto – ao invés do homem, que tem vindo a aumentar a sua esperança de vida.

Estou consciente, e os responsáveis das marcas de automóveis também, que se joga muito com o símbolo do “status”, estando os respetivos departamentos de marketing sempre motivados a fomentar, num público-alvo específico, o desejo de aquisição de “aquela viatura” – a tal – a que dá “status”. Li algures que «o brasileiro não é apaixonado por carros, é apaixonado por status [que o carro confere]». É evidente que esta ideia é extensiva a muitos outros povos. Li também que «o homem tem uma grande paixão e uma relação intensa com os carros, como se fosse uma extensão do seu próprio corpo». Esta chega mesmo a ser a situação, também clássica, do homem que sobrepõe aquela sua máquina às pessoas chegadas que o rodeiam, e com quem se esperaria a existência de uma relação igualmente intensa, mas que acaba por se revelar secundarizada.

A minha natural tendência para desvalorizar as máquinas não invalida que tenha gostado de rever, nesta exposição, muitos modelos, até de marcas que já não existem, tal como o tinha feito no Museu do Caramulo, que exibe uma vasta coleção de automóveis antigos, entre outro espólio com muito interesse. Mas foi em Braga que vi sobressair um apreciável número de exemplares do célebre “carocha”, da marca Volkswagen, bem estimados e até, lamentavelmente, alguns deles adulterados, por lhe terem introduzidas peças e acessórios que não são da marca e que, de certo modo, os descaraterizam. Sobre esta marca e modelo, apenas três curiosidades:
– Um engenheiro alemão-judeu – Josef Ganz –, descendente de família judia de Budapeste, próximo do ano de 1924 viria a incentivar a modernização da indústria automóvel alemã, tendo lançado a ideia que os veículos deveriam ser mais baratos, mais económicos e mais seguros, fazendo surgir o conceito e a marca “Volkswagen”. Adolfo Hitler, em 1933, após ter visitado o Salão Internacional Automóvel de Berlim, apropriou-se da ideia do “carro do povo”, como sendo sua e de grande simbolismo para a propaganda nazi, e afastou Josef Ganz por ser judeu;
– É reconhecido o sucesso mundial deste modelo, que chegou a ter um milhão de veículos produzidos em 1954;
– Os meus dois primeiros carros foram precisamente dois “carochas”, o primeiro deles ainda de óculo traseiro pequeno. No local da exposição, revivi algumas das “grandes” viagens que fiz neles, com destaque para as deslocações de Lisboa para Bragança e vice-versa, numa altura em que havia apenas o troço de auto-estrada entre a capital e Vila Franca de Xira, percorrendo quase todo o trajeto em movimentadas e sinuosas estradas nacionais e até municipais. Eram autênticas aventuras, sempre com latas de óleo extra para atestar durante o percurso. Ainda hoje consigo reconhecer, ao longe, o som proveniente do trabalhar do motor do “carocha e relembro-o como se se tratasse de uma cigarra em pleno verão, ao atravessar aquelas serranias de Trás-os-Montes, sempre de janela aberta.
Cada vez aperta-se mais o cerco à circulação destes “clássicos”. Primeiro pela inexistência de catalisadores e filtros de partículas, e mesmo tendo-os, por não conseguirem travar as partículas nocivas que saem dos escapes, ficando fora dos padrões regulamentados. Como a preocupação com as questões ambientais, a saúde das populações e a pressão social revelam-se cada vez mais pertinentes, os governos de muitos países sentem-se obrigados a tomar decisões drásticas, proibindo, simplesmente, a circulação de viaturas que não cumpram determinadas normas ambientais, onde as viaturas a diesel são as primeiras a ser condenadas a deixar de existir. Tudo aponta para que a seguir aos carros movidos a gasóleo sejam suprimidos os de gasolina. É que dá que pensar a revelação de Helena Molin Valdés[3]: «nove em cada dez pessoas vive hoje em zonas onde a poluição atmosférica excede o limite de segurança imposto pela Organização Mundial de Saúde». Metrópoles como Paris, Madrid, Atenas e Cidade do México, lideram o movimento que quer banir a circulação de carros a gasóleo já a partir de 2025 e o governo francês já impôs metas mais ousadas, ao não querer que se venda viaturas a gasolina e a gasóleo depois de 2040…. E basta mostrar-se essa intenção para os potenciais interessados começarem a hesitar na compra e fazer baixar as vendas. Há pouco tempo atrás, verificava-se a tendência dos carros híbridos convencionais e híbridos plug-in (que têm certas vantagens sobre os primeiros), mas agora, mais do que nunca, a indústria automóvel está a voltar em força à produção de veículos elétricos. Digo “voltar”, pois vi, imagens confrangedoras de cemitérios de automóveis novos, elétricos, que devido a lóbis e falta de concertação estratégica, acabaram por “morrer” coletiva e prematuramente, tornando-se num fiasco financeiro. Tem-se vindo a trabalhar, a um ritmo alucinante, para aumentar várias vertentes da autonomia das viaturas, com um novo conceito, aliado à sofisticada tecnologia informática e robótica, e o resultado é a produção de autênticas maravilhas, como se se tratasse de ficção científica.

A transição já é uma realidade, com o futuro… hoje! A Tesla Motors e a Google estão a vencer a “corrida” concebendo veículos autónomos, deixando para trás marcas conceituadas da indústria automóvel. As tecnologias adotadas pela Tesla baseiam-se muito em sistemas de radares, câmaras, sensores… enquanto a Google desenvolve a robótica e «um sistema laser, capaz de criar mapas tridimensionais num raio de 60 metros» à medida que se desloca, conferindo maior segurança rodoviária.

Portugal, depois de ter feito um elevado investimento estratégico, em infra-estruturas, para produção de energia “verde”, em menos de uma década saboreia o fruto: março de 2018 foi o primeiro mês com 100% de energias renováveis! Agora, assinou em Bruxelas, um protocolo com Espanha, num projeto pioneiro na Europa, intitulado “C-Roads”, que conduzirá à criação de dois corredores para veículos de condução autónoma em estrada; sabe-se que um deles é Porto – Vigo e o outro Évora – Mérida, com obras previstas para avançar no início de 2019.

Com estas rápidas alterações, e atendendo a que nos dois primeiros meses do ano de 2018 o fisco terá arrecadado uma média de 9,2 milhões de euros por dia, só em impostos sobre os combustíveis, o governo vai ter de ser igualmente rápido a descobrir onde compensar essa rápida perda de receita, com a abolição ou redução do número de bombas de combustível e a perda de fundamento para cobrar tão elevado IUC[4] – que tem vindo sempre a crescer –, incluindo taxas extras baseadas na poluição produzida. Não deixa de ser irónico, estranho e incompreensível, que numa altura que se procura algum vanguardismo a nível europeu, no atual Orçamento de Estado «os veículos mais poluentes e portanto mais potentes e caros, sofram um desagravamento da taxa adicional de IUC»[5].

© Jorge Nuno (2018)


[1] “Estrangeirismo” que advém da iniciativa inglesa, com esta designação, e que rapidamente se estendeu a outros países europeus.
[2] Frases extraídas da página do Facebook do Município de Braga.
[3][3] Responsável da ONU para o Clima e Ar Limpo.
[4] Imposto Único de Circulação.
[5] In revista Turbo.

14/04/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (15) - Excessos... Milhões e Balde de Chocos


EXCESSOS… MILHÕES E BALDE DE CHOCOS.

“Soldado Milhões lutou sozinho contra os alemães”… era a frase fixa, na peça informativa de uma estação de TV portuguesa, no dia em que se comemorava o centenário da batalha de La Lys, ocorrida na 1.ª Guerra Mundial. Para os mais desprevenidos ou que desconheciam este caso, parecia algo excessivo, uma das habituais estratégias para captar a atenção e deixar o espectador agarrado ao televisor. Na verdade, relatava a história de Augusto Milhais, um transmontando, oriundo da aldeia de Valongo (mais tarde Valongo de Milhais), no concelho de Murça, e que viria a ser o soldado raso português mais condecorado de sempre, que teve as mais altas distinções, incluindo internacionais. A este terá sido dito: “Tu és Milhais mas vales milhões”. Fez parte da malograda 2.ª Divisão do Corpo Expedicionário Português e, num momento crítico, terá contrariado as ordens de um oficial, ficando sozinho nas trincheiras, apenas com uma metralhadora Lewis. Foi aí que terá enfrentado as tropas alemãs que se movimentavam na proximidade, facilitando a retirada de tropas portuguesas e britânicas, poupando-se, assim um número apreciável de vidas. Terá sido um médico escocês, salvo pelo “Milhões” – retirou-o de um pântano –, que despoletou a divulgação destes atos de heroicidade. Costuma-se fazer a analogia entre um cobarde vivo e um herói morto, mas este herói viveu até 1970, tendo falecido na mesma aldeia onde nasceu, quando estava quase a fazer 75 anos. “O Soldado Milhões” está em banda desenhada, na literatura através de “Milhões: Tragicomédia em 2 Atos” e agora, através do cinema, com cenas de guerra nas trincheiras e, mais tarde, a querer fugir do estrelato, dedicando-se à agricultura e à família. As cenas de guerra, com muitos efeitos especiais, foram filmadas no campo de tiro de Alcochete. Como legado do filme, fica para a posteridade a humanização desta figura que se tornou lendária e continuou humilde.

Ali bem perto, igualmente em Alcochete e também do outro lado do rio Tejo, outra “guerra” estourou e ocasionou um anormal e excessivo número de horas de TV, seja em canais generalistas, de informação ou desportivos, resultante de exageros de BdC. E como BdC poderia ser a abreviatura de “Balde de Chocos”! É que a expressão algarvia “Está mai louco que um balde de chocos” pretende designar alguém que está fortemente alterado, ou passado da cabeça. Também perturbado, o conhecido ator e cantor Vítor Espadinha – sócio do SCP há 64 anos e expulso por BdC – deu uma entrevista, em direto no CM TV, começando-a com a leitura de um breve texto, para concluir que, face ao que estava escrito naquele livro de medicina psiquiátrica, “Psicopata” é o termo que encaixa no perfil de BdC, para mais à frente apelidá-lo de “atrasado mental”, que “não regula bem da cabeça”. Nas bancadas, aquando do jogo de futebol da 1.ª Liga com o Paços de Ferreira, ouviram-se assobios e viram-se alguns cartazes e, entre eles, foi dado realce televisivo ao seguinte: “BdC Obrigado e Adeus”. BdC tinha anunciado, através de redes sociais, a suspensão e castigos para a quase totalidade do plantel principal, dizendo que iria cumprir as jornadas em falta com a equipa B e até com os juniores, chamando-lhes “meninos mimados”. A seguir, viu-se forçado a recuar, por não ter mais jogadores inscritos na Liga Europa; a resposta, no campo, foi uma exibição de gala da equipa, nesta competição da UEFA. O conceituado médico Eduardo Barroso, coloca-se ao lado de BdC e reconhece que “ele não está bem”, que se “devia afastar por uns tempos”. Eu também não gosto de pontapear ninguém, e muito menos quando está no chão; e nesta altura, pode-se admitir que BdC estará de rastos e derrotado em algumas dessas batalhas.

Ser-se presidente de uma instituição ecléctica, como esta, requer um perfil apropriado, e esse privilégio foi-lhe conferido através do voto, numa eleição recente e democrática, com dois candidatos e forte adesão dos sócios ao ato eleitoral. Tinha fixado a meta de 75% para continuar à frente dos destinos do clube e obteve 86,13%, legitimando, inequivocamente, a sua continuidade. Cumprindo, da sua ação e iniciativa sobressai: a construção do pavilhão João Rocha, o reaparecimento de modalidades extintas (com destaque para o ciclismo), o incremento do futebol feminino, a reorganização financeira, o reforço da equipa principal de futebol e das condições de trabalho…

Com o perfil e estilo de liderança apresentado, ao exercer, simultaneamente, o cargo de presidente do conselho de administração de uma sociedade cotada em bolsa, constitui um risco acrescido, com fortes implicações e impacto direto no bolso dos accionistas e dos obrigacionistas. Num passado recente e por várias vezes, a SAD deste clube teve necessidade de injeção de capitais. É evidente que os investidores esperam não só o retorno, pela valorização de ativos, das próprias acções cotadas, de proveitos em fundos, que chega a incluir uma percentagem sobre o passe dos jogadores vendidos. Ninguém gosta de ver um seu património ter uma queda acentuada de 33,33%, em poucas horas, devido à instabilidade criada por um líder que não sabe acautelar esse património. O investidor não tem, nem deve ter, a emocionalidade de um associado a vibrar pelo clube, e sabe da consequência e gravidade das ações congeladas em bolsa. Poucos dias depois de estalar a crise, com algumas demissões de membros dos órgãos sociais, sobrepõe-se a parte financeira e já se fala em possível insolvência da SAD, caso se tarde em encontrar soluções. Se se afastam os patrocinadores habituais, que não gostam de ver a sua marca associada a outra que está a ficar denegrida, ainda pior. Quanto a BdC, não fosse a sua tendência permanente para criar batalhas com várias frentes, para procurar protagonismo e notoriedade, e para agitar o já agitado balde de chocos, quem sabe… poderia ter ficado para a história sportinguista (deixem passar o “Excesso”) como “O General Milhões” e receio que não passe de “O Soldado Tostões”!

© Jorge Nuno (2018)