DOS CLÁSSICOS AO FUTURO, NO PRESENTE
Há muito poucos dias assisti, no largo
do Pópulo, em Braga, a uma exposição / concentração de veículos clássicos “Drive
It Day”[1].
Com esta iniciativa pretende-se «promover o uso do veículo clássico, como forma
de demonstrar a sua importância cultural e social e a dimensão do universo de
entusiastas (…) com o objetivo de enaltecer o vigor da paixão pelos veículos
antigos»[2].
Neste âmbito e nesse dia, por várias cidades da Europa, foi dada maior
visibilidade a estas máquinas, com imensos quilómetros de estrada.
Estando eu, inevitavelmente ligado, por
formação superior, à engenharia de máquinas, era suposto ser também um dos
entusiastas, mesmo não estando na posse de uma qualquer semelhante “relíquia”,
por vezes bem mais valiosas, comercialmente, do que muitas viaturas novas. É
que sempre vi estas máquinas como ferramentas ao serviço do homem e que têm um
limitado tempo útil de vida – cada vez mais curto – ao invés do homem, que tem
vindo a aumentar a sua esperança de vida.
Estou consciente, e os responsáveis das
marcas de automóveis também, que se joga muito com o símbolo do “status”,
estando os respetivos departamentos de marketing sempre motivados a fomentar,
num público-alvo específico, o desejo de aquisição de “aquela viatura” – a tal
– a que dá “status”. Li algures que «o brasileiro não é apaixonado por carros,
é apaixonado por status [que o carro confere]». É evidente que esta ideia é
extensiva a muitos outros povos. Li também que «o homem tem uma grande paixão e
uma relação intensa com os carros, como se fosse uma extensão do seu próprio
corpo». Esta chega mesmo a ser a situação, também clássica, do homem que
sobrepõe aquela sua máquina às pessoas chegadas que o rodeiam, e com quem se
esperaria a existência de uma relação igualmente intensa, mas que acaba por se
revelar secundarizada.
A minha natural tendência para
desvalorizar as máquinas não invalida que tenha gostado de rever, nesta
exposição, muitos modelos, até de marcas que já não existem, tal como o tinha
feito no Museu do Caramulo, que exibe uma vasta coleção de automóveis antigos,
entre outro espólio com muito interesse. Mas foi em Braga que vi sobressair um
apreciável número de exemplares do célebre “carocha”, da marca Volkswagen, bem
estimados e até, lamentavelmente, alguns deles adulterados, por lhe terem
introduzidas peças e acessórios que não são da marca e que, de certo modo, os
descaraterizam. Sobre esta marca e modelo, apenas três curiosidades:
– Um engenheiro alemão-judeu – Josef
Ganz –, descendente de família judia de Budapeste, próximo do ano de 1924 viria
a incentivar a modernização da indústria automóvel alemã, tendo lançado a ideia
que os veículos deveriam ser mais baratos, mais económicos e mais seguros, fazendo
surgir o conceito e a marca “Volkswagen”. Adolfo Hitler, em 1933, após ter
visitado o Salão Internacional Automóvel de Berlim, apropriou-se da ideia do
“carro do povo”, como sendo sua e de grande simbolismo para a propaganda nazi,
e afastou Josef Ganz por ser judeu;
– É reconhecido o sucesso mundial deste
modelo, que chegou a ter um milhão de veículos produzidos em 1954;
–
Os meus dois primeiros carros foram precisamente dois “carochas”, o primeiro
deles ainda de óculo traseiro pequeno. No local da exposição, revivi algumas
das “grandes” viagens que fiz neles, com destaque para as deslocações de Lisboa
para Bragança e vice-versa, numa altura em que havia apenas o troço de auto-estrada
entre a capital e Vila Franca de Xira, percorrendo quase todo o trajeto em
movimentadas e sinuosas estradas nacionais e até municipais. Eram autênticas
aventuras, sempre com latas de óleo extra para atestar durante o percurso.
Ainda hoje consigo reconhecer, ao longe, o som proveniente do trabalhar do
motor do “carocha e relembro-o como se se tratasse de uma cigarra em pleno
verão, ao atravessar aquelas serranias de Trás-os-Montes, sempre de janela
aberta.
Cada vez aperta-se mais o cerco à
circulação destes “clássicos”. Primeiro pela inexistência de catalisadores e
filtros de partículas, e mesmo tendo-os, por não conseguirem travar as
partículas nocivas que saem dos escapes, ficando fora dos padrões
regulamentados. Como a preocupação com as questões ambientais, a saúde das
populações e a pressão social revelam-se cada vez mais pertinentes, os governos
de muitos países sentem-se obrigados a tomar decisões drásticas, proibindo,
simplesmente, a circulação de viaturas que não cumpram determinadas normas
ambientais, onde as viaturas a diesel são as primeiras a ser condenadas a
deixar de existir. Tudo aponta para que a seguir aos carros movidos a gasóleo
sejam suprimidos os de gasolina. É que dá que pensar a revelação de Helena
Molin Valdés[3]: «nove em cada dez pessoas
vive hoje em zonas onde a poluição atmosférica excede o limite de segurança
imposto pela Organização Mundial de Saúde». Metrópoles como Paris, Madrid,
Atenas e Cidade do México, lideram o movimento que quer banir a circulação de
carros a gasóleo já a partir de 2025 e o governo francês já impôs metas mais
ousadas, ao não querer que se venda viaturas a gasolina e a gasóleo depois de
2040…. E basta mostrar-se essa intenção para os potenciais interessados
começarem a hesitar na compra e fazer baixar as vendas. Há pouco tempo atrás,
verificava-se a tendência dos carros híbridos convencionais e híbridos plug-in (que têm certas vantagens sobre
os primeiros), mas agora, mais do que nunca, a indústria automóvel está a
voltar em força à produção de veículos elétricos. Digo “voltar”, pois vi,
imagens confrangedoras de cemitérios de automóveis novos, elétricos, que devido
a lóbis e falta de concertação estratégica, acabaram por “morrer” coletiva e
prematuramente, tornando-se num fiasco financeiro. Tem-se vindo a trabalhar, a
um ritmo alucinante, para aumentar várias vertentes da autonomia das viaturas, com
um novo conceito, aliado à sofisticada tecnologia informática e robótica, e o
resultado é a produção de autênticas maravilhas, como se se tratasse de ficção
científica.
A transição já é uma realidade, com o
futuro… hoje! A Tesla Motors e a Google estão a vencer a “corrida” concebendo
veículos autónomos, deixando para trás marcas conceituadas da indústria
automóvel. As tecnologias adotadas pela Tesla baseiam-se muito em sistemas de
radares, câmaras, sensores… enquanto a Google desenvolve a robótica e «um
sistema laser, capaz de criar mapas tridimensionais num raio de 60 metros» à
medida que se desloca, conferindo maior segurança rodoviária.
Portugal, depois de ter feito um
elevado investimento estratégico, em infra-estruturas, para produção de energia
“verde”, em menos de uma década saboreia o fruto: março de 2018 foi o primeiro
mês com 100% de energias renováveis! Agora, assinou em Bruxelas, um protocolo
com Espanha, num projeto pioneiro na Europa, intitulado “C-Roads”, que conduzirá
à criação de dois corredores para veículos de condução autónoma em estrada;
sabe-se que um deles é Porto – Vigo e o outro Évora – Mérida, com obras
previstas para avançar no início de 2019.
Com estas rápidas alterações, e
atendendo a que nos dois primeiros meses do ano de 2018 o fisco terá arrecadado
uma média de 9,2 milhões de euros por dia, só em impostos sobre os
combustíveis, o governo vai ter de ser igualmente rápido a descobrir onde
compensar essa rápida perda de receita, com a abolição ou redução do número de
bombas de combustível e a perda de fundamento para cobrar tão elevado IUC[4]
– que tem vindo sempre a crescer –, incluindo taxas extras baseadas na poluição
produzida. Não deixa de ser irónico, estranho e incompreensível, que numa altura que se procura
algum vanguardismo a nível europeu, no atual Orçamento de Estado «os veículos
mais poluentes e portanto mais potentes e caros, sofram um desagravamento da
taxa adicional de IUC»[5].
© Jorge Nuno (2018)
[1] “Estrangeirismo” que advém da
iniciativa inglesa, com
esta designação, e que rapidamente se estendeu a outros países europeus.
[2] Frases extraídas da página do
Facebook do Município de Braga.
[3][3]
Responsável da ONU para o
Clima e Ar Limpo.
[4] Imposto Único de Circulação.
[5] In
revista Turbo.
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