QUE BEM PREGA FREI TOMÁS!
Com
a recente entrada no verão, as férias, o facto de se estar em plena animação
nos festejos dos santos populares, ou no desenrolar do Campeonato do Mundo de
Futebol, temática não faltaria para a elaboração desta crónica, que poderia ser
escrita em modo “soft”, de “relax” ou, eventualmente, a realçar o entusiasmo que
se vive com esta competição de futebol ou nos arraiais. Como José Régio: «sei
que não vou por aí». É que, perante acontecimentos recentes, não consigo
desligar a mente da “moral” – ou falta dela – dos que se arrogam apregoá-la. Admito
que até poderia dar jeito alguma meditação transcendental, para entrarmos no
verdadeiro espírito do verão, do defeso, e mudarmos temporariamente o “chip”,
até se retomar a vida rotineira e agitada.
Começando
por aqui, ocorreu-me alguns ensinamentos de Maharishi[1], que
descrevo: «Faz o que o mestre diz e não o que ele faz» e exemplificou, numa
alusão a Jesus de Nazaré: «se o mestre caminha sobre as águas, não tentes andar
sobre as águas, pois o mais certo é afogares-te», ou «não te crucifiques se o
teu mestre for crucificado». Há que reconhecer: esta pode ser uma versão
diferente daquela em que surge a moral que se prega para os outros, mas que os
próprios não adoptam. E o nosso pequeno mundo está cheio destas últimas!
Retrocedamos
ao primeiro dia do ano de 2008. Precisamente nessa passagem de ano, no momento
da entrada em vigor da nova legislação de prevenção tabágica, o então
inspetor-geral da ASAE[2] –
António Nunes – foi apanhado a fumar no Casino do Estoril. Tal, causou um
enorme ruído, pois ele era o garante que a instituição que liderava iria
fiscalizar e multar os incumpridores. Perante este facto, o casino apressou-se
a comunicar à imprensa que António Nunes estaria numa zona de fumadores. Certo
é que o diretor-geral da Saúde [à época] – Francisco George – reuniu de
imediato com o órgão consultivo e os conselheiros consideraram que «é
perfeitamente possível que nos casinos se possa fumar», combinando as leis do
tabaco e do jogo, sem no entanto assegurar o direito dos trabalhadores do
casino poderem exercer a sua atividade num ambiente despoluído, e evitar
doenças graves. Mais certezas, foi que decresceram as receitas dos casinos,
após a entrada em vigor desta lei; que a ASAE “fechou os olhos” quanto ao
rigoroso cumprimento da lei; que o processo ficou inquinado de início.
Na
atualidade…
Segundo
uma notícia do JN[3]
do dia 6 de junho de 2018, começa por se afirmar que «A reciclagem está
estagnada, apesar dos portugueses terem produzido mais lixo em 2017 do que nos
anos anteriores (…) cada habitante fez 1,32 quilogramas de resíduos por dia. No
entanto, a taxa de reciclagem continua teimosamente nos 38 %, tal como há dois
anos. Portugal está mais longe de cumprir as metas do Plano Estratégico para os
Resíduos Urbanos, a que se propôs para 2020. O país tem três anos para alcançar
uma taxa de reciclagem de 50% – o que, a avaliar pelos últimos anos, é quase
impossível». A Agere[4] e
a Braval[5]
atuam em parceria na bonita cidade onde habito, e levam 38% do valor da minha
fatura da água para saneamento e 17% para resíduos sólidos. A primeira, tem um site atraente, com destaque para «um
gesto pelo ambiente». No último dia 3 de maio, apresentou na praça do
Município, com pompa e circunstância, os novos sistemas de recolha de lixo. A
segunda, aproveitou o Dia Mundial do Ambiente – a 5 de junho – para
sensibilizar os munícipes a fazerem a separação do lixo. Há onze meses que ando
a lutar, através de pedidos formais e de sucessivas reclamações, para que sejam
colocados contentores para resíduos sólidos comuns e outros que permitam a
separação seletiva de lixos recicláveis na minha zona. Há poucos dias surgiu a
promessa de colocação de um contentor em setembro, mantendo-se o lixo nos
passeios até lá (causando mal ao ambiente e à saúde pública), sem expetativas
de reciclagem. Entretanto, em minha casa, a fazer fé nas estatísticas, foram
produzidos, nestes dez meses, 897 quilogramas de lixo e nenhum foi reciclado,
apesar de eu pretender fazê-lo; mas ficou a saber-se o por quê.
No
site da CGD[6],
pode ler-se que esta instituição «é um banco público português (…) o maior
banco de Portugal detido pelo Governo da República Portuguesa». O seu slogan é mesmo: «Qual é o banco que está
consigo? A Caixa. Com certeza». Dois dias após tomar posse como presidente do
conselho de administração, Miguel Macedo, em carta dirigida aos trabalhadores,
afirmou o «compromisso de reestruturação e da capitalização (…) que a Caixa
manterá a sua liderança e, com certeza, quererá consolidar-se no futuro». À
conta dos incêndios no interior do país, tem vindo a ser abordado publicamente,
com insistência, por autarquias, deputados, governantes e as forças vivas das
diversas regiões do interior, a necessidade de combater a desertificação e
criar condições à fixação das populações, com segurança e qualidade de vida. No
dia em que o presidente da República fez um apelo e estabeleceu um limite de
prazo [2023] para acabar com as assimetrias entre interior e litoral, a CGD
anuncia mais um encerramento de balcão numa localidade do interior – São
Vicente da Beira, no distrito de Castelo Branco –. Em 2017 encerrou 64 balcões.
«Em 2018 serão encerrados entre 70 e 80», afirmação de Miguel Macedo. Não só as
populações, incluindo as mais vulneráveis, ficam sem os serviços bancários,
como muitos dos cerca de 2000 trabalhadores da CGD dispensados vivem com as
suas famílias no interior e têm de procurar a subsistência no litoral, indo num
sentido oposto ao que era esperado e recomendado.
O
presidente [suspenso] do CD[7] do
Sporting Clube de Portugal e presidente da SAD[8] do
mesmo clube, há meses que tem vindo a abrir várias frentes de “guerra”, tendo
sempre em vista os superiores interesse do Sporting. Num ato público de
exaltação clubística, pediu a todos os comentadores desportivos afetos ao clube,
e a todos os associados e adeptos, que deixassem de participar e ver outros
canais televisivos, a não ser a Sporting TV. Depois disto, por diversas vezes,
entrou em direto em variados canais, para intervir a “defender” o “seu”
Sporting. Diz que “é preciso dar a palavra aos sócios” e fez tudo para impedir
a AG[9]
destitutiva do CD. Alega a defesa do cumprimento da lei, mas não aceita e
desrespeita ordens do tribunal, para depois recorrer a estes, através de
providências cautelares e queixas-crime, esperando que as decisões lhe serem
favoráveis. Legalmente suspenso de funções no CD, continua a decidir a
bel-prazer, a ponto de impedir a entrada, nas instalações onde era suposto
desempenharem funções, os membros do Conselho de Gestão nomeado pelo presidente
da AG, que cumpre os estatutos do clube. Como presidente da SAD, tem vindo a
apregoar o “milagre económico”, enquanto o Conselho Fiscal revela preocupação
pelas contas do clube, os empréstimos obrigacionistas encontram-se suspensos e
o Banco de Portugal dá diretrizes para que os bancos não emprestem dinheiro a
clubes de futebol. Diz que vai reaver 535 milhões de euros com as rescisões de
contrato, por alegada “justa causa”, de nove jogadores do plantel principal,
após ter contribuído para que esses leões “voassem” a custo zero, baixando assustadoramente
os ativos da SAD, aproximando-a da insolvência ou fazendo com que o clube deixe
de ter a maioria do capital, a favor de um qualquer multimilionário com tendência
para gozo narcísico e exagerado exercício do poder – neste caso sim, seria o
dono do clube –, ou aparecer um encapotado fundo de investidores mas em que, em
ambos os casos, os sócios deixariam de ter a palavra. Tudo em nome dos
superiores interesses do clube.
Afinal
não se tratou de uma meditação transcendental, mas um simples exercício de
meditação sobre as contradições neste estranho mundo, a fazer lembrar o
provérbio: «Bem prega frei Tomás! Façamos o que ele diz, não o que ele faz».
© Jorge Nuno (2018)
[1]
Maharishi Mahesh Yogi (1918-2008), guru indiano, fundador da Meditação
Transcendental.
[2]
Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
[3] Jornal
de Notícias, artigo assinado por Carla Sofia Luz.
[4] Empresa
municipal de água e saneamento.
[5] Empresa
de valorização e tratamento dos resíduos sólidos.
[6] Caixa
Geral de Depósitos.
[7] Conselho
Diretivo
[8]
Sociedade Anónima Desportiva
[9]
Assembleia Geral de Sócios.