23/06/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (19) - "Que Bem Prega Frei Tomás!"


QUE BEM PREGA FREI TOMÁS!

Com a recente entrada no verão, as férias, o facto de se estar em plena animação nos festejos dos santos populares, ou no desenrolar do Campeonato do Mundo de Futebol, temática não faltaria para a elaboração desta crónica, que poderia ser escrita em modo “soft”, de “relax” ou, eventualmente, a realçar o entusiasmo que se vive com esta competição de futebol ou nos arraiais. Como José Régio: «sei que não vou por aí». É que, perante acontecimentos recentes, não consigo desligar a mente da “moral” – ou falta dela – dos que se arrogam apregoá-la. Admito que até poderia dar jeito alguma meditação transcendental, para entrarmos no verdadeiro espírito do verão, do defeso, e mudarmos temporariamente o “chip”, até se retomar a vida rotineira e agitada.

Começando por aqui, ocorreu-me alguns ensinamentos de Maharishi[1], que descrevo: «Faz o que o mestre diz e não o que ele faz» e exemplificou, numa alusão a Jesus de Nazaré: «se o mestre caminha sobre as águas, não tentes andar sobre as águas, pois o mais certo é afogares-te», ou «não te crucifiques se o teu mestre for crucificado». Há que reconhecer: esta pode ser uma versão diferente daquela em que surge a moral que se prega para os outros, mas que os próprios não adoptam. E o nosso pequeno mundo está cheio destas últimas!

Retrocedamos ao primeiro dia do ano de 2008. Precisamente nessa passagem de ano, no momento da entrada em vigor da nova legislação de prevenção tabágica, o então inspetor-geral da ASAE[2] – António Nunes – foi apanhado a fumar no Casino do Estoril. Tal, causou um enorme ruído, pois ele era o garante que a instituição que liderava iria fiscalizar e multar os incumpridores. Perante este facto, o casino apressou-se a comunicar à imprensa que António Nunes estaria numa zona de fumadores. Certo é que o diretor-geral da Saúde [à época] – Francisco George – reuniu de imediato com o órgão consultivo e os conselheiros consideraram que «é perfeitamente possível que nos casinos se possa fumar», combinando as leis do tabaco e do jogo, sem no entanto assegurar o direito dos trabalhadores do casino poderem exercer a sua atividade num ambiente despoluído, e evitar doenças graves. Mais certezas, foi que decresceram as receitas dos casinos, após a entrada em vigor desta lei; que a ASAE “fechou os olhos” quanto ao rigoroso cumprimento da lei; que o processo ficou inquinado de início.

Na atualidade…

Segundo uma notícia do JN[3] do dia 6 de junho de 2018, começa por se afirmar que «A reciclagem está estagnada, apesar dos portugueses terem produzido mais lixo em 2017 do que nos anos anteriores (…) cada habitante fez 1,32 quilogramas de resíduos por dia. No entanto, a taxa de reciclagem continua teimosamente nos 38 %, tal como há dois anos. Portugal está mais longe de cumprir as metas do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos, a que se propôs para 2020. O país tem três anos para alcançar uma taxa de reciclagem de 50% – o que, a avaliar pelos últimos anos, é quase impossível». A Agere[4] e a Braval[5] atuam em parceria na bonita cidade onde habito, e levam 38% do valor da minha fatura da água para saneamento e 17% para resíduos sólidos. A primeira, tem um site atraente, com destaque para «um gesto pelo ambiente». No último dia 3 de maio, apresentou na praça do Município, com pompa e circunstância, os novos sistemas de recolha de lixo. A segunda, aproveitou o Dia Mundial do Ambiente – a 5 de junho – para sensibilizar os munícipes a fazerem a separação do lixo. Há onze meses que ando a lutar, através de pedidos formais e de sucessivas reclamações, para que sejam colocados contentores para resíduos sólidos comuns e outros que permitam a separação seletiva de lixos recicláveis na minha zona. Há poucos dias surgiu a promessa de colocação de um contentor em setembro, mantendo-se o lixo nos passeios até lá (causando mal ao ambiente e à saúde pública), sem expetativas de reciclagem. Entretanto, em minha casa, a fazer fé nas estatísticas, foram produzidos, nestes dez meses, 897 quilogramas de lixo e nenhum foi reciclado, apesar de eu pretender fazê-lo; mas ficou a saber-se o por quê.

No site da CGD[6], pode ler-se que esta instituição «é um banco público português (…) o maior banco de Portugal detido pelo Governo da República Portuguesa». O seu slogan é mesmo: «Qual é o banco que está consigo? A Caixa. Com certeza». Dois dias após tomar posse como presidente do conselho de administração, Miguel Macedo, em carta dirigida aos trabalhadores, afirmou o «compromisso de reestruturação e da capitalização (…) que a Caixa manterá a sua liderança e, com certeza, quererá consolidar-se no futuro». À conta dos incêndios no interior do país, tem vindo a ser abordado publicamente, com insistência, por autarquias, deputados, governantes e as forças vivas das diversas regiões do interior, a necessidade de combater a desertificação e criar condições à fixação das populações, com segurança e qualidade de vida. No dia em que o presidente da República fez um apelo e estabeleceu um limite de prazo [2023] para acabar com as assimetrias entre interior e litoral, a CGD anuncia mais um encerramento de balcão numa localidade do interior – São Vicente da Beira, no distrito de Castelo Branco –. Em 2017 encerrou 64 balcões. «Em 2018 serão encerrados entre 70 e 80», afirmação de Miguel Macedo. Não só as populações, incluindo as mais vulneráveis, ficam sem os serviços bancários, como muitos dos cerca de 2000 trabalhadores da CGD dispensados vivem com as suas famílias no interior e têm de procurar a subsistência no litoral, indo num sentido oposto ao que era esperado e recomendado.

O presidente [suspenso] do CD[7] do Sporting Clube de Portugal e presidente da SAD[8] do mesmo clube, há meses que tem vindo a abrir várias frentes de “guerra”, tendo sempre em vista os superiores interesse do Sporting. Num ato público de exaltação clubística, pediu a todos os comentadores desportivos afetos ao clube, e a todos os associados e adeptos, que deixassem de participar e ver outros canais televisivos, a não ser a Sporting TV. Depois disto, por diversas vezes, entrou em direto em variados canais, para intervir a “defender” o “seu” Sporting. Diz que “é preciso dar a palavra aos sócios” e fez tudo para impedir a AG[9] destitutiva do CD. Alega a defesa do cumprimento da lei, mas não aceita e desrespeita ordens do tribunal, para depois recorrer a estes, através de providências cautelares e queixas-crime, esperando que as decisões lhe serem favoráveis. Legalmente suspenso de funções no CD, continua a decidir a bel-prazer, a ponto de impedir a entrada, nas instalações onde era suposto desempenharem funções, os membros do Conselho de Gestão nomeado pelo presidente da AG, que cumpre os estatutos do clube. Como presidente da SAD, tem vindo a apregoar o “milagre económico”, enquanto o Conselho Fiscal revela preocupação pelas contas do clube, os empréstimos obrigacionistas encontram-se suspensos e o Banco de Portugal dá diretrizes para que os bancos não emprestem dinheiro a clubes de futebol. Diz que vai reaver 535 milhões de euros com as rescisões de contrato, por alegada “justa causa”, de nove jogadores do plantel principal, após ter contribuído para que esses leões “voassem” a custo zero, baixando assustadoramente os ativos da SAD, aproximando-a da insolvência ou fazendo com que o clube deixe de ter a maioria do capital, a favor de um qualquer multimilionário com tendência para gozo narcísico e exagerado exercício do poder – neste caso sim, seria o dono do clube –, ou aparecer um encapotado fundo de investidores mas em que, em ambos os casos, os sócios deixariam de ter a palavra. Tudo em nome dos superiores interesses do clube.

Afinal não se tratou de uma meditação transcendental, mas um simples exercício de meditação sobre as contradições neste estranho mundo, a fazer lembrar o provérbio: «Bem prega frei Tomás! Façamos o que ele diz, não o que ele faz».

© Jorge Nuno (2018)
   
          

  

 




[1] Maharishi Mahesh Yogi (1918-2008), guru indiano, fundador da Meditação Transcendental.
[2] Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
[3] Jornal de Notícias, artigo assinado por Carla Sofia Luz.
[4] Empresa municipal de água e saneamento.
[5] Empresa de valorização e tratamento dos resíduos sólidos.
[6] Caixa Geral de Depósitos.
[7] Conselho Diretivo
[8] Sociedade Anónima Desportiva
[9] Assembleia Geral de Sócios.

09/06/2018

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (18) - "Algarve - Allgarve - Oilgarve"


ALGARVE – ALLGARVE – OILGARVE

Na vida pessoal e na natureza, as mutações são constantes; nada é estático, nem definitivo. Dizia George Bernard Shaw[1]: «O progresso é impossível sem mudanças. Aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada». É preciso reconhecer que, na maior parte das vezes, é necessário muita ousadia e resiliência perante pressões adversas e que conduza, com sucesso, à superação de obstáculos.

Quando surge a palavra “Algarve”, associa-se mentalmente a outra palavra inglesa “relax”[2], o que é compreensível, por ser um dos maiores destinos turísticos dos portugueses, mas também estrangeiros, com predominância dos ingleses. Na BTL[3], o presidente da região de turismo do Algarve, Desidério Silva, afirmou que «o Algarve continua a ser o destino de férias dos turistas ingleses», tendo mencionado que só estes ocuparam, em 2017, 65,2 % das camas disponíveis na região, num total de 6,1 milhões de dormidas, representando metade dos passageiros movimentados no aeroporto de Faro. Dá que pensar! Dá que pensar… que empreendimentos turísticos, operadores turísticos e agências viagens e de aluguer de viaturas, companhias aéreas e, claro, turistas britânicos, tenham movimentado tantos milhões de libras esterlinas (GBP), em circuito fechado, e o dinheiro fique, na sua maioria, no Reino Unido. Dá que pensar… que um português, entrando num restaurante no Algarve, encontre ementas só em língua inglesa e empregados britânicos, e que para pedir uma simples mousse de chocolate o tenha que fazer em inglês. Dá que pensar… os enormes “outdoors”, à beira da estrada, cheios de frases tal como “Real Estate”, ou “Eco Luxe Exceptional Villas”, “Live the difference! Algarve Luxury Property”. Dá que pensar… a dependência britânica e os efeitos do Brexit[4] que, a curto prazo, inevitavelmente, irá alterar a sua afluência a esta região. Dá que pensar… a seca extrema que o país viveu em 2017, precisamente numa altura de época alta para o turismo, em que já se fazia sentir a falta de água e o seu consumo a subir exponencialmente. Dá que pensar… as “pegadas ecológicas”, originadas pelo turismo, com Portugal[5], em 2011, a deter «a 9.ª pegada ecológica mais elevada entre 24 países do Mediterrâneo”, sendo evidente na região algarvia. Para minimizar esta última situação, foi criado um projeto para «fornecer aos municípios as ferramentas para vivermos de forma sustentável com os nossos recursos naturais, preservando o planeta Terra[6]».

Na Feira de Turismo do Algarve, em 2007, o então ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho, fez a apresentação pública da marca “Allgarve”. Mesmo ainda sem se saber bem o que se pretendia com a “marca”, esta já estava a ser alvo de chacota, pela “aproximação inglesada”, como se tratasse de subjugação e perda de soberania. Dizia este ministro, na inauguração, ao anunciar um investimento inicial de seis milhões de euros: «O turismo está ao nível mais alto de sempre, mas a ambição vai mais além disto: queremos mais turistas de curta duração, turistas de férias e mais estrangeiros que procurem Portugal para segunda residência» e estaria muito confiante nos resultados que viriam a ser suscitados pela marca “Allgarve”, já que achava poder contribuir para «criar mais oferta de qualidade, compatibilizar turismo e ambiente, aumentar o número de companhias “low cost” presentes no aeroporto de Faro (…) e dar benefícios fiscais para segunda residência de estrangeiros». Na altura, a AHETA[7] rejeitou esta campanha, por entender que ofendia «as mais elementares regras e princípios de marketing turístico». Cinco anos depois, Elidérico Viegas, presidente da AHETA, referiu que o insucesso do “Allgarve” [acabado de extinguir] se deveu a má estratégia e teimosia do ex-ministro Manuel Pinho e que «o programa nasceu torto, nunca se endireitou e morreu sem glória». Também alguns deputados algarvios, da oposição, consideraram-no «um sorvedouro de dinheiro» [4,6 milhões de euros, só no último ano, acabando sem dinheiro para vencimentos].

“Algarve, sim! Oilgarve, nunca!” é o título de um artigo[8], de 2016, que refere já terem sido «atribuídas 9 concessões para exploração de petróleo e gás natural em águas e terras algarvias. O Turismo do Algarve não é e não quer ser o Turismo Petrolífero – são duas palavras que não combinam». No presente, sucedem-se as manifestações “contra” e sessões de esclarecimento, estimuladas por ambientalistas, a que se juntam algumas formações partidárias, movimentos de cidadãos e populações locais. Foi anunciado pela PALP – Plataforma Algarve Livre de Petróleo, que a ENI, Galp Energia, Portfuel, Repsol e Partex, querem fazer prospeções já em setembro, tanto em terra como ao largo da costa. A PALP exige «um estudo de impacto social, económico e ambiental, e, ainda, [pretende] pressionar o estado para publicitar toda a informação inerente à prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural em Portugal».

Sabe-se que o turismo representa 60% do emprego na região e que 40% deste território é área protegida. Sabe-se que a atividade de extração de hidrocarbonetos contribui para: o aquecimento global; fomentar a atividade sísmica, numa zona crítica; afastar a fauna marinha, devido ao intenso ruído que provoca; eventuais derrames de resíduos; perfurações indevidas, que podem atingir veios aquíferos[9]. Sabe-se que os combustíveis fósseis tendem a perder importância e que Portugal tem sido impulsionador – e muito bem – de energias alternativas renováveis, conseguindo-se chegar a uma produção autossuficiente.
      
Dá que pensar… até o resultado financeiro proveniente da exploração destes recursos naturais do subsolo poderá ir, maioritariamente, parar ao bolso de estrangeiros.

Ao mudarem-se mentalidades, que seja em abono deste planeta azul, com muitas manchas verdes e não negras. Que este despertar coletivo dê força à necessária resiliência contra “negócios escuros”, teimosia e más estratégias.

Allgarve… já era! Oilgarve… não, obrigado! Algarve, sempre!   

© Jorge Nuno (2018)


[1] Irlandês (1898 – 1950), foi dramaturgo / autor de comédias satíricas, romancista, contista, ensaísta e jornalista.
[2] Com o significado de tranquilidade, sossego, relaxamento…
[3] Bolsa de Turismo de Lisboa, de 2018.
[4] Designação da saída do Reino Unido da União Europeia.
[5] In site “Green Savers”.
[6] Idem.
[7] Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve.
[8] In esquerda.net
[9] Lençóis subterrâneos de água potável.