COM
A MENTIRA ME ENGANAS
“Notícia
de última hora: desapareceu a estátua da Liberdade. Ah… ela sente-se cansada e
sem energia; não lhe apetece trabalhar. Felizmente existe (…) magnésio e
potássio. Agora sim, sente-se com energia para desfrutar da vida”.
“Para
comemorarmos o 25.º aniversário, apresentamos-lhe o cadeirão elevador de pele
autêntica que cuida da sua saúde, alivia as dores, e combate as insónias. (…)
Tudo em suaves mensalidades, sem juros.”
“Apresento-vos
a pulseira da felicidade (…) é uma jóia, símbolo do amor, prosperidade e sorte (…)”.
É composta por: “elefante, com uma safira, que é o símbolo da proteção; trevo,
com uma esmeralda, para que a sorte guie os seus passos; coração, com um rubi,
para que brilhe sempre com a força do amor”.
“Agora
pode perder 78% da gordura abdominal, em três meses, através das cápsulas (…)”.
“É
importante mantermos os níveis de cálcio (…) dê mais vida àqueles que ama” e
faz-se um apelo à compra de embalagens de um suplemento alimentar para
“fortalecer os ossos” e para oferecer, incluindo até como presente de Natal.
“Apresento-vos
a última novidade em frigideiras, feitas em partículas de cobre [aparece no
ecrã “cobre a 100%”] e com revestimento de cerâmica. Comida fácil e saudável,
sem truques e limpá-la é facílimo [aparece no ecrã “limpa com uma só passagem
(…) é resistente para toda a vida”].
“Sente
zumbidos nos ouvidos? Peça o seu guia dos zumbidos grátis”. “Precisa de ouvir
melhor mas ainda não encontrou uma solução? É garantido! Diga adeus às pilhas
(…) é totalmente recarregável. Se ligar já, recebe inteiramente grátis este
cachecol para apoiar Portugal em todos os momentos”. “Amplificador auditivo por
€ 4,99. Agora pode ouvir a televisão agradavelmente com toda a família. Com
quatro adaptadores de ouvidos e útil ferramenta de limpeza. Ouça mais, pague
menos”. “Peça já o seu aparelho auditivo amostra grátis, sem compromisso”.
“Conhece alguém que põe o som da TV demasiado alto? Já viu uma situação em que
um familiar seu atravessa uma rua sem ouvir os carros que se aproximam? Você
esforça-se para ouvir as conversas nos seus encontros e festas?”. “É a solução
de baixo preço para ouvir os sons mais altos. Não se esforce para ouvir (…)
receba o seu amplificador auditivo por € 4,99”. “Gostaria de melhorar drasticamente
a sua audição? Temos 500 amostras grátis de aparelhos auditivos para oferecer.
Ainda há 500.000 portugueses com dificuldades em ouvir e nada fazem. Ligue
agora para receber a sua amostra grátis”. Este parágrafo reporta-se a anúncios
de seis marcas diferentes de aparelhos, na TV, num curtíssimo espaço de tempo.
Imagine-se
os seniores, em casa, sentados no sofá, durante o dia e num apreciável número
de horas frente ao televisor e a serem bombardeados com todo este tipo de
publicidade, a cada 20 minutos, se não mudarem de canal ou não desligarem o
televisor.
Na
ótica do investidor, é conhecida a importância da estratégia da comunicação e
uma elaboração adequada de conteúdos publicitários, particularmente quando se
pretende segmentar e atingir um determinado público-alvo. Focando-nos no
mercado audiovisual, aqui apontado como exemplo, o objetivo é persuadir a
aceitar a ideia e “convencer” esse público-alvo a adquirir o produto
apresentado. A Igreja Católica Apostólica Romana, que tem denotado vontade e
ousadia de dar orientações, e até querer regular a atividade em muitas áreas,
fora da religião, também a publicidade não escapou. Ela reconhece a importância
da publicidade, e pode ler-se na “Introdução” do documento
intitulado “Ética da Publicidade”[1],
que se constitui como «uma poderosa força de persuasão que modela as atitudes e
comportamentos no mundo contemporâneo». Mais à frente, em “Algumas medidas a
ser adotadas”, ponto 18, refere: «Os indispensáveis garantes dum comportamento
ético correto da indústria publicitária são, antes de tudo, as consciências bem
formadas e responsabilizadas dos profissionais da publicidade: consciências
sensíveis ao próprio dever, não só de satisfazer os interesses dos que encomendam
ou financiam o seu trabalho, mas também de respeitar e velar pelos direitos e
interesses do seu público e de servir o bem comum (…). Torna-se, portanto,
necessário prever estruturas externas e regras que apoiem e encorajem um
exercício responsável da publicidade e desanimem os irresponsáveis» e, no ponto
20, «As normas governativas deveriam interessar-se (…) sobretudo nos programas
de TV, (…) pelos conteúdos publicitários que se destinam a categorias fáceis de
explorar, tais como crianças e pessoas idosas». É evidente que essas “normas
governativas” existem na maior parte dos países, assim como há organismos que
defendem os consumidores e alertam para práticas incorretas.
Se
a pulseira não protege, nem dá sorte, nem faz a pessoa brilhar “com a força do
amor”… Se o cadeirão não combate as insónias… Se o prejuízo nos aparelhos
auditivos é de um valor quase simbólico, a que acresce o custo da chamada e dos
portes de envio [mas com um par, na realidade, a custar 3 mil euros, já com
desconto igual à idade]… Se o desaparecimento da estátua da Liberdade apenas consegue
despertar a atenção… Se a frigideira não cumpre e deixa agarrar um simples ovo
estrelado… Tudo isto parece inócuo, mas merece reflexão e atuação firme das
entidades responsáveis.
Depois
de imensas queixas, a DECO[2]
testou a tal frigideira 100% de cobre, anunciada insistentemente na TV, e os
técnicos da Proteste concluíram tratar-se de uma «frigideira de alumínio com um
revestimento antiaderente» e afirmaram tratar-se de
«publicidade enganosa». É que, para comparar, testaram mais duas frigideiras de
outras marcas, e apontam precisamente uma (vendida numa grande superfície
comercial, de origem sueca) como sendo mais eficaz e que tem um custo de € 3 – dez
vezes mais barata!
O
bastonário da Ordem dos Farmacêuticos[3]
afirmou ter interposto uma providência cautelar para suspender a venda do
produto destinado, supostamente, a “fortalecer os ossos”. Disse que se
«ultrapassou tudo o que é minimamente aceitável» e alertou para o risco de
lesões graves, originado pelo consumo indiscriminado deste tipo de produtos e que,
por não serem considerados medicamentos, não têm controlo por parte do Infarmed[4]. «É
uma situação que configura publicidade enganosa, abusiva, que cria falsas
expetativas nos consumidores. Não está demonstrado que o suplemento de cálcio
possa diminuir as fraturas ósseas. Pelo contrário, está demonstrado que as
pessoas ficam expostas a riscos elevados de acidentes cardiovasculares, de
problemas renais, até de problemas gastrointestinais e obstipação». Quem esteve
na mais recente feira do livro de Braga e assistiu a uma sessão animada com
Simone de Oliveira[5],
viu-a gracejar, e bem, “desacreditando” este produto, pelo qual “deu a cara”.
Quem conhece esta senhora, sabe da sua verticalidade e como se devia sentir
desconfortável.
Nesta
semana, enquanto nos intervalos passavam anúncios de automóveis ligeiros, com
letras pequenas a indicar os consumos e emissões poluentes, nos vários canais
noticiosos de TV surgiam os títulos: “Indústria automóvel enganou os
automobilistas portugueses em 1,6 mil milhões de euros desde 2000, manipulando
o real consumo dos veículos” [e as emissões poluentes], baseado num estudo
encomendado pela Federação Europeia de Transportes e Ambiente. Já em 2012, um
estudo, elaborado pelo Instituto Superior Técnico, indicava que os carros
vendidos em Portugal tinham emissões poluentes, em estrada, que chegavam a ser
seis vezes superiores ao que é garantido pelas marcas, em laboratório. A
indústria automóvel refuta a ideia de “fraude”.
Até aos ajustes há quem
cante, como os “Diabo na Cruz”: «(…) Quem viu corda ao pescoço / Se é safado se
se safou (…) / Quem tem vala de bandido / Leva a frade luva branca (…) / Siga,
siga a rusga agora / Siga a rusga, foi bem boa a nossa hora (…)».
© Jorge Nuno (2018)
[1]
Elaborado pelo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, datado de 22
de fevereiro de 1997.
[2] Defesa
do Consumidor.
[3] Numa
entrevista concedida à Rádio Renascença.
[4]
Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde.
[5] Cantora
e atriz.
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