MÁSCARAS
E TRANSPARÊNCIAS
Cleptocracia,
operações fraudulentas e branqueamento de capitais, evasão com transações
financeiras para paraísos fiscais, fuga aos impostos, entidades de supervisão
da treta, com laxismo ou, pior, conivência com ilícitos criminais – muito
ruído, mas tudo aparentemente sem consequências…
Em dezembro
de 2019, Portugal encontrava-se em 7.º lugar no ranking da FIFA, tendo
atrás países europeus como: Suíça – 12.º; Holanda – 14.º; Alemanha – 15.º;
Dinamarca –
16.º;
Suécia – 17.º; Noruega – 44.º; Finlândia – 58.º … Não é inocente destacar estes
países, pois o site da Transparência e Integridade (Transparency International
Portugal), no Índice de Perceção da Corrupção [CPI] 2019, dá-nos conta do
seguinte ranking: Dinamarca – 1.º lugar (ex aequo com a Nova Zelândia);
Finlândia – 3.º; Suíça – 4.º; Suécia – 5.º; Noruega – 7.º; Holanda – 8.º e
Alemanha – 9.º. Portugal, desde 2012 – em que obteve 63 pontos –, não variou
mais do que 2 pontos nos últimos oito anos, estando atualmente com 62 pontos. Neste
mesmo site – onde se analisam os níveis de corrupção no setor público de
180 países, de 0 (percecionado como altamente corrupto) a 100 (muito
transparente) – é referido que “é urgente implementar uma verdadeira estratégia
nacional [em Portugal] contra a corrupção”, indicando que “os resultados
demonstram que os países mais bem classificados no CPI são os que têm políticas
de transparência proativas, designadamente no que se refere ao financiamento
político, à regulação do lóbi e de conflitos de interesses, e a mecanismos
eficientes de consulta pública”. Confirma-se, assim, a perceção que os portugueses
têm da estagnação de Portugal no combate à corrupção, o que configura uma das
maiores fragilidades da democracia portuguesa.
O relatório
da FIFA, de dezembro de 2019, dá conta que, nesse ano, os clubes de futebol em
todo o mundo gastaram 6630 milhões de euros [M€] em transferências de
jogadores, o que constitui um novo recorde, com um aumento de 5,8% face a 2018.
O saldo líquido, entre compras e vendas dos passes de jogadores, foi positivo
para os clubes portugueses, e atingiram os 346 M€.
O hacker
português Rui Pinto andou a “bisbilhotar” a promiscuidade no mundo do futebol,
pois há muito que se sabia da existência de negócios obscuros. Informação vinda
a lume fez com que a Suíça, França e Alemanha pedissem a colaboração de Rui
Pinto. Mais célere, o fisco de Espanha conseguiu recuperar muitos milhões de
euros, com base nos segredos desvendados por esta e outras vias. Os crimes
fiscais viriam a ser julgados em tribunal, envolvendo conhecidos jogadores de
futebol, treinadores e empresários, deixando intocáveis os clubes; se não houve
pena de prisão efetiva, mas suspensa, deveu-se à assunção da culpa pelos
infratores e à inexistência de antecedentes criminais.
Este pirata
informático criou o Football Leakes e contribuiu com conteúdos para o Malta
Files e Luanda Leaks. Dos 147 crimes de que estava acusado em
Portugal, está agora pronunciado por 90 crimes, pelo Ministério Público, onde
consta: “acesso ilegítimo”; “violação de correspondência”; “acesso indevido”;
“sabotagem informática” e, o mais grave, “extorsão na forma tentada”.
Que fique
claro, não devemos estimular ou aplaudir a pirataria informática! Mas há um
dever de cidadania na denúncia de irregularidades e, particularmente,
corrupção. Em outubro de 2019, a União Europeia [EU] aprovou uma diretiva para
proteção de denunciantes de crimes cometidos no espaço da EU. Portugal terá até
2021 para transpor estas regras para a legislação portuguesa. O presidente da
Transparência e Integridade referiu que “a proteção de denunciantes é uma das
principais falhas do combate à corrupção em Portugal”. Rui Pinto expôs
criminalidade organizada no futebol e, por arrastamento, chegou à criminalidade
organizada no meio económico. Envolveu a mulher mais rica de África, com
investimento em Portugal, difundindo muitos milhares de ficheiros, com
informação relevante, na Plataforma de Proteção de Denunciantes de África, que
a partilhou com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.
Uns países
aproveitam esta divulgação para investigar e instaurar processos, como crime
fiscal ou económico, procurando chegar rapidamente a um veredito e, assim,
fazer justiça. Por cá, há alguma agitação e desconforto, sobressaindo algum
desnorte quanto ao rumo dos acontecimentos, escudando-se na “lei” para não a
fazer cumprir; ou seja, não será possível incriminar quando a prova for obtida
ilicitamente. Fica a rir quem comete os ilícitos, e ainda processa
judicialmente quem divulga as notícias que põem em causa o seu “bom nome”.
Durante as
entrevistas rápidas, no final de cada jogo da Primeira Liga de Futebol, pode
ler-se no painel: “A Pirataria Mata o Futebol”, numa alusão à frequente
pirataria do canal que detém os direitos televisivos. Também será verdade se se
afirmar: “A falta de verdade desportiva, o chico-espertismo e a violência matam
o futebol”. Ainda é mais verdade ao constatar-se: “A inoperância de quem tem
responsabilidades mata o futebol”, sempre com a evidente tendência para se
sacudir a água do capote e imputar responsabilidades a outrem. Há pouca
transparência: nas comissões pagas a intermediários aquando das transferências
de passes de jogadores; nos valores declarados dos negócios efetuados; nas
verbas movimentadas com a publicidade; em algumas decisões do Tribunal Arbitral
do Desporto, com decisores a pender clubisticamente para um dos lados; quando
um Tribunal da Relação indefere o pedido de escusa de um juiz sorteado para
julgar um clube, de que é assumidamente fervoroso adepto… É incompreensível que
agentes da autoridade, mesmo à civil, por mais legítimas que sejam as suas
reivindicações, se manifestem no seio das claques dos quatro clubes de futebol
que disputaram, em Braga, o título de “Campeão de Inverno”. Exibiam uma tarja –
“A Polícia Exige Respeito” –, junto das mesmas claques que também exigiam
respeito e que fizeram estragos, arrancaram cerca de mil cadeiras, entoaram
cânticos contra a Liga e contra um presidente, detonaram petardos, lançaram
tochas para o relvado, e exibiam tarjas como: “Estão a matar o Futebol”; “País
de corrupção, as claques são um problema para os donos do sistema” ou “No Pyro,
No Party” [sem pirotecnia não há festa], não reconhecendo que muitos dos próprios
membros das claques estão a matar o futebol, ao tornarem as bancadas inseguras
mas, fundamentalmente, por não haver coragem política para os irradiar dos
campos de futebol.
A
investigação jornalística, pegando nalgumas “pontas soltas”, leva a uma enorme
pressão da comunicação junto dos infratores, governantes, Ministério Público,
Banco de Portugal, CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários… A
consciência cívica dos cidadãos poderá fazer a diferença. É certo que o futebol
move paixões e, como portugueses, apreciamos estar entre os melhores do mundo.
Mas devemos exigir a adoção de políticas de transparência proativa e outras
práticas que façam subir Portugal no ranking, juntando-nos aos países mais
transparentes do norte da Europa.
Entretanto,
algumas máscaras vão caindo.
©Jorge
Nuno (2020)
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