LEMBRANÇA – MUDANÇA –
ESPERANÇA
Parte II
Por ocasião da
inauguração do túnel do Marão, fiz uma abordagem às caraterísticas únicas do
território transmontano, às suas gentes e à importância deste projeto e da
autoestrada A4, tão necessários ao desenvolvimento da região. Decorridos quatro
anos, em plena pandemia, foi estranho e confrangedor observar a falta de
tráfego no túnel e autoestrada, fronteiras fechadas e a paralisação da vida
económica e social. Sem estar centrado na pandemia, no nordeste transmontano,
este texto não deixa de refletir essa estranheza, finalizando, nesta segunda
parte, com uma abordagem ao que se intui serem as caraterísticas da população
transmontana mais esclarecida e resiliente.
Foi por esta fronteira
[Quintanilha] que saí pela primeira vez do país, ainda sem a democracia
institucional a fazer parte da vida de ambos os povos. O controlo fronteiriço
era muito apertado, de um lado e de outro. A viagem foi de apenas um dia e
reentrei pelo mesmo sítio. Poucos metros decorridos, já em Portugal, iniciei o
caminho sinuoso para Bragança. Precisamente em frente à capela da Senhora da
Ribeira, rejubilei de satisfação e alívio, pois estranhamente… custava a
acreditar que, tendo mandado abrir a mala do carro, acabassem por não ver, ou
dar importância, à nova guitarra acústica que tinha adquirido e que se
encontrava sobre a tampa da mala.
Bastantes anos mais
tarde, rejubilei quando finalmente foi aprovado o Acordo (ou tratado) de
Schengen, que levou à política de abertura de fronteiras, agilizando a livre
circulação de pessoas, bens e capitais entre os trinta países europeus que o
subscreveram. Rejubilei, com a construção de uma nova ponte sobre o rio Maçãs,
sem necessidade de controlo aduaneiro, e com a abertura do troço de autoestrada
a ligar Quintanilha a Bragança, reduzindo-se a viagem para cerca de 10
minutos.
O mediatismo da fronteira
de Quintanilha foi grande, recentemente, aparecendo com maior frequência nos
meios de comunicação, quando nada o fazia prever. Parece de difícil
entendimento que, num curto espaço de tempo, sejam as próprias populações – que
tão bem sabem ser hospitaleiras – assim como autarcas desta região, a pedir
encarecida e insistentemente que fechem as fronteiras. Também esta autoestrada,
tão importante para o desenvolvimento da região, ficou confinada a tráfego
muito reduzido e controlado. O acesso à ponte sobre o rio Maçãs foi cortado,
deixando de ser utilizada, e o trânsito desviado, de modo a confiná-lo à
estreita passagem, junto ao antigo posto fronteiriço. A própria União Europeia acabou por tomar a
decisão drástica de fechar, temporariamente, todas as fronteiras, sendo
impedidos cidadãos europeus de circular no próprio espaço europeu.
Escavando mais fundo no
citado texto de Torga, perante factos recentes, fixo-me na frase “Que terror
respeitoso se apodera de nós?” e interrogo-me: como se sentirá cada um, tendo
de trancar-se dentro de casa e ficar ainda mais isolado? E o impedimento de
assistir a rituais religiosos, incluindo acompanhar amigos à sua última morada?
E o impedimento de ser visitado por familiares distantes, que tradicionalmente
estavam presentes no período festivo da Páscoa? Que sequelas ficam, mesmo sem
contaminação viral? Que aprendizagens ficam após esta pandemia?
Do meu poema “O Reparador
Beijo Invisível”, de 2012, extraí o seguinte:
“Um planeta em expiação /
espera demorada para se redimir / Ambiências conturbadas, eternas lutas
intestinas / por coisas grandes e pequenas / Muita gente à deriva… / num
contágio virulento (…)”.
De um outro meu poema,
também truncado – “Dor que Dói”: “Se a dor é dor
que dói / e faz desabar o mundo… / se isso alivia / há que subir à montanha / e
gritar a dor / Gritar, gritar bem alto! / Enquanto não nos reencontrarmos / o
grito será apenas um escape / Conseguido o reencontro / podemos voltar à
montanha / para agradecer / para contemplar / mas já não será preciso gritar!”.
E neste meu recente poema, inacabado,
mas suficiente…
Por que temo sem razão?
Não trouxe nada comigo
pois cheguei de mãos
vazias
nem o corpo me pertence
e quando um dia partir
tenho à espera outra
vida.
Pensando no durante e pós
pandemia, é dado aqui realce às caraterísticas da população transmontana mais
esclarecida, forte emocionalmente, resiliente e ousada q. b.:
– Confia no porvir;
– Sabe que a perda
enfraquece, mas não dita o fracasso;
– Aceita os desafios que
têm pela frente, antevendo um antes e um depois;
– Está consciente que
nada ficará como anteriormente e a realidade será outra;
– Encontra a energia e
saber necessários para encontrar novas soluções;
– Acredita que o sonho é
maior do que o medo;
– Não duvida que há vida
para lá dos ciclos que se fecham;
– Conhece o valor da
compaixão e da solidariedade, abre o coração e puxa pelos que a cercam;
– Aposta na capacidade de
regeneração, confiante num recomeço, mesmo envolto em incertezas;
– Sabe que “a semente
desperdiçada é aquela que fica por lançar à terra” e não deixa que fique por
semear a esperança e que, só pensar nisso, já desperta agradáveis sensações;
– Sabe que a mudança
ocorre quando o coração quiser e que, cada um, contribuirá para a mola
impulsionadora da mudança da consciência coletiva, tão necessária para
constituir um ponto de viragem na humanidade.
Apenas anseia a ocasião
para experienciar, de novo, o poder físico de múltiplos abraços afetivos.
© Jorge Nuno (2020)
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