ESTRANHO PAÍS…
– Parte I –
Estranho país, em que
– Se deixa sair os
reclusos da prisão, com licença precária, na expetativa que regressem
livremente ao fim da mesma e, no principal hospital do norte, se coloca uma
pulseira eletrónica antifuga em cada doente, precisamente para impedir a sua fuga
do hospital;
– Se criam regras,
através de um Plano de Vacinação contra a Covid-19 – com três frases e
indicação de grupos prioritários – assim como de outras estratégias direcionadas
para o combate à pandemia, e esquece-se de coisas básicas como:
orientações
específicas para os serviços do Estado que acolhem estas novas vacinas, levando
a que um hospital se veja obrigado a deitar 600 doses de vacinas para lixo,
estando estas destinadas aos profissionais de saúde que ali trabalham em
condições de grande pressão, insegurança e risco de vida;
do
tempo muito reduzido para aplicar as vacinas, que implicaria haver listas
ordenadas de suplentes e, não existindo, tem originado a que, abusivamente, se
vacinem, na primeira fase, pessoas definidas no Plano como não prioritárias
e, por ter contornos de escândalo, levar a que haja um elevado número de
demissões em organismos públicos, IPSS e outros, incluindo o próprio coordenador
da chamada Task Force;
ter
os meios materiais, humanos e logísticos adequados, que possibilite administrar
as vacinas em segurança, sendo inadmissível deixar-se, por exemplo: esgotar o
stock de seringas, como bem essencial que é, neste caso; ou deixar-se chegar a
50.000 o número de testes epidemiológicos por fazer, por falta de recursos,
fazendo aumentar exponencialmente, e de forma descontrolada, as cadeias de
transmissão do vírus;
– uma iniciativa de
cidadãos, dinamizada por uma mulher que pretende engravidar através de
inseminação artificial do sémen do seu falecido marido, levou a que na Assembleia
da República fosse levada a aprovar um projeto de lei favorável a esta petição,
com especialistas a invocar ética e mostrarem-se contra o recurso a sémen de
cônjuge morto, e o Ministério Público a acenar com a inconstitucionalidade;
ignorando os pareceres éticos e legais, os deputados avançaram e aprovaram; o
presidente da República fez um pedido de fiscalização preventiva do projeto de
lei, tendo o Tribunal Constitucional declarado inconstitucional duas normas de
alteração à legislação; agora, os deputados não querem recuar neste processo
que possibilita a inseminação post mortem, sem valorizar que o foco deva
estar no controlo da resolução de problemas, que atenuem a gravidade da
situação do país;
– Insolitamente,
parlamentares também escolhem a pior altura – o pico da pandemia – para debater
e aprovar a lei da eutanásia, que permitirá a morte medicamente assistida, precisamente
quando se regista o pico de óbitos desde o início desta tragédia, com os
médicos a não ter capacidade e condições para salvar as vidas daqueles que,
quando entram num hospital, veem nisso uma oportunidade para sobreviver;
– Um dos maiores
epidemiologistas do país sinta necessidade de “desobrigar-se” de fazer
apresentações nas reuniões regulares do Infarmed, a “pôr o dedo na ferida”,
dizendo que «foi a maior crise de saúde pública em Portugal nos últimos 100
anos (…) tem de haver um passo atrás e assumir que estamos a fazer qualquer
coisa que não está bem» e, implicitamente, passar um “atestado de incompetência
política” ao governo, por más decisões políticas durante esta fase pandémica,
especialmente nos últimos meses, «indo atrás da pandemia, em vez de termos
aproveitado os primeiros meses de experiência».
Lembra-se que este país viveu
uma tragédia, com o colapso da ponte Hintze Ribeiro (2001), em Entre-os-Rios, e
a morte de 59 pessoas, entre passageiros de um autocarro e de três viaturas
ligeiras, que caíram ao rio Douro; o ministro do Equipamento Social [Obras
Públicas] demitiu-se.
Noutra tragédia no país –
incêndio florestal de Pedrógão Grande –, o balanço oficial foi de 66 civis e um
bombeiro mortos; a ministra da Administração Interna demitiu-se; resultante da
investigação aos incêndios, o Departamento de Investigação e Ação Penal de
Leiria deduziu acusação contra o autarca deste concelho, acusando-o de sete
crimes de homicídio por negligência e quatro de ofensa à integridade física por
negligência.
Perante uma tragédia bem
maior, em pandemia, os números oficiais de óbitos em Portugal, associados à
Covid-19 [até à data desta crónica], dão-nos conta de 14.457 pessoas que
partiram e deixaram enlutadas as suas famílias, fora aqueles que faleceram com
outras patologias, por falta de assistência. Tendo a responsável pelo
Ministério da Saúde admitido que não se realizaram 1,2 milhões de consultas da
especialidade em hospitais, em 2020, assim como se cancelou um elevado número
de intervenções cirúrgicas consideradas não urgentes, se reduziram os rastreios
e tratamento de doenças do foro concológico, tal como outros exames
complementares de diagnósticos, não é de estranhar a manchete de um jornal: «Há
mais de 70 anos que Portugal não tinha tantos mortos». Já em janeiro de 2021,
os casos de infeção e de óbitos subiram exponencialmente, registando-se: entre
os dias 8 e 18, mais de 100 óbitos / dia; entre 19 e 27, mais de 200 óbitos /
dia; entre 28 e 31, mais de 300 óbitos / dia. Com estas mortes, será o
equivalente a que só no mês de janeiro tivessem “caíram ao rio” uma média de 33
autocarros / dia, ou se tivesse despenhado um avião Boeing 737 / dia, lembrando-se
que estes aparelhos têm capacidade máxima de 215 passageiros. Não haverá aqui
fundamentos, mais que suficientes, para se enveredar pelo apuramento de
responsabilidades políticas e criminais de quem, tendo poder decisório, falhou?
É que a situação mais fácil é acusar os portugueses de irresponsabilidade.
© Jorge Nuno
(2021)
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