PURIFICAR
VALORES DA NOSSA SOCIEDADE?...
Parte IV
(englobada numa crónica com quatro partes)
Pode-se
dissertar sobre os efeitos da escravatura, da primeira globalização mundial, da
Guerra Colonial, da descolonização, ou de muito mais… desde que seja feito o
devido enquadramento em cada época. Agora, até se pode anteceder oito séculos e
abordar: a criação deste país, a partir do condado portucalense, com aquele que
viria a ser o primeiro rei de Portugal, depois de dar uma “tareia” ao amante da
sua mãe, na batalha de São Mamede e de, eventualmente, a ter aprisionado no
castelo de Lanhoso; os reis da dinastia afonsina que, apoiados com bastantes
guerreiros, foram descendo e conquistando território à trolhada, «passando os
mouros a fio de espada» numa guerra santa sem tréguas, à sombra da cruz cristã,
até acabar o domínio árabe…
Não
é recomendável, mas pelos jeitos que isto leva, os “justiceiros” podem querer remover
a estátua de D. Afonso Henriques, que se encontra junto ao castelo de
Guimarães, por ser um mau exemplo para todos, a pretexto de usar de violência
física e psicológica contra a própria mãe, e já agora… exibirem o seu cartão de
cidadão no Registo Civil, ou online, e pedirem para remover também a sua
própria cidadania portuguesa, ficando apátridas, pois foi um equívoco da
história existirem portugueses, quando a norte devíamos ser galegos e no centro
e sul serracenos.
Se
esses “justiceiros” quiserem ir comemorar a vitória, no campeonato de futebol,
para a rotunda do Marquês, em Lisboa, alguém que os esclareça que é um erro,
pois ao marquês de Pombal – que foi o equivalente a “primeiro-ministro” do rei
D. José I – nem deveria ter sido erigida a estátua em sua honra, já que, apesar
de ser o impulsionador da reconstrução hercúlea da cidade de Lisboa, após o
terramoto de 1755, ele foi um déspota, ao sobrepor-se a todos, adquirindo uma
autoridade absoluta e opressora, a ponto de: criar a Real Mesa Censória; estimular
as denúncias para melhor controlar a sociedade; ser implacável na expulsão dos
jesuítas de Portugal e das colónias portuguesas; fomentar processos cruéis,
como o caso dos Távoras, com processos sumários a envolver nobres, e inclusive
mulheres e crianças, com espancamentos, enforcamentos e decapitações públicas;
até mandar incendiar, em Monte Gordo, casas de madeira dos pescadores, que se
recusavam deixar a zona marítima e ir morar para Santo António de Arenilha,
transformada na notável Vila Real de Santo António após o terramoto, com uma
urbanização que era “a menina dos seus olhos” e vista como «polo económico
florescente do Algarve». Mas se se retirar a estátua, com o Marquês a dominar
leões, onde é que estes “purificadores dos valores da sociedade” irão comemorar
as vitórias? Mas espera lá!... Será que estarão esclarecidos quanto ao alvará
abolicionista criado pelo marquês de Pombal, que passou a impedir o tráfico de
escravos com destino a Portugal metropolitano? E será que alguém se importa, ou
evidencia, o facto de este vergonhoso negócio ter continuado a servir o Brasil
independente e Cuba, com exploração de mão de obra africana, aplicada nas
plantações, minas e noutros trabalhos braçais?
Há
que reconhecer, neste pequeno país, fundado no séc. XII, a partir de um pequeno
condado a norte, três e quatro séculos depois, houve ousadia, empreendedorismo
e estoicidade, na descoberta marítima e expansão portuguesa, com reforço da
presença, em várias partes do globo – em grande
medida sustentada na “diplomacia musculada”, suportada pelo poder bélico da
artilharia marítima –, mas criadora de novas oportunidades, a atingir um
alcance inimaginável na altura.
Mas
mais do que a questão do tráfico de escravos, as novas rotas de comércio, alargamento
de territórios (que voltaram a encolher), os estragos causados pela Guerra
Colonial, as culpas apontadas aos colonizadores e descolonizadores, numa onda
de intolerância e de preconceitos com a história… ficou algo de valor
incalculável: a língua portuguesa espalhada pelo mundo e fundida com muitas
línguas nativas. Um balanço atual[1], dá conta de 254,3 milhões
de falantes de português, mas por se tratar de uma língua de intercâmbios, «o
número de atingidos por essas permutas alcança milhares de milhões de pessoas.
É aqui que reside a fertilidade e valor da língua portuguesa».
A
história segue o seu rumo. Trata-se de uma viagem sem retorno, cuja história
não se branqueia. Uma melhor conduta em sociedade, para que essa sociedade seja
a que ansiamos, começa a partir do interior de cada um de nós, com a vontade de
aprender, de conhecer, de evoluir... até na forma de pensar. Então sim, com
esta transformação individual de “purificação” poderemos ansiar por uma
sociedade atual mais justa, equitativa, cimentada com valores, pelos quais se
devem reger os cidadãos.
Para
isso, é preciso ter uma visão calibrada, a envolver saber histórico, que choca,
naturalmente, com ideologia política e preconceitos morais. O facto de
conhecermos o passado, ajuda-nos a infletir, a reajustar as ideias, a
evidenciar sensibilidades e a ter procedimentos mais humanistas, contribuindo
para um mundo melhor.
©
Jorge Nuno (2021)
[1] In
TSF rádio notícias, com artigo de Rodrigo Tavares “Realisticamente, quantos são
os falantes de português no mundo?”
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