30/09/2013

Feridas



"Na altura em que a razão é capaz de compreender o sucedido, as feridas no coração já são demasiado profundas."



Carlos Ruiz Zafón (1964 - …)

Escritor espanhol, argumentista para cinema e colaborador de dois jornais espanhóis, a residir nos Estados Unidos da América, tem vários romances publicados, alguns deles em 30 idiomas em 45 países, o que faz dele um dos mais bem sucedidos escritores contemporâneos de Espanha.



FERIDAS



Feridas abertas

Expostas ao suposto tempo fecundo

No insano desleixo, sem saber,

Acabam anestesiadas e fazem crer

Na presunção que o tempo tudo cura.



Feridas suturadas

Tratadas com desvelo profundo

Que o propósito deixa antever,

Por mais que esteja a doer,

Que se encurta o tempo da cura.



Feridas mal cicatrizadas

Como ferros que queimam fundo

Vísceras entranhadas no ser,

Martirizam com agonia, ao fazer sofrer,

Onde parece que não há tempo que as cure.



Mas há feridas que só existem

Pela forma como se encara o mundo,

Que se deixam imprudentemente desenvolver,

Feridas que outros não conseguem ver,

E apenas é preciso tempo… para mudar a mente.



© Jorge Nuno (2013)


23/09/2013

Número de Circo



O poema, essa estranha máscara mais verdadeira do que a própria face.



Mário Quintana [Mário de Miranda Quintana] (1906 — 1994)

Poeta brasileiro (considerado o poeta das coisas simples), tradutor (de mais de 130 obras da literatura universal), jornalista e autor infantil, tendo recebido vários importantes prémios literários como autor.





NÚMERO DE CIRCO



Máscara criada

Com neblina consciente,

Oculta aspetos obscuros

De vivências em estado hipnótico,

No deleite de mostrar

Ser mais do que se é,

E mais do que mero disfarce

Transforma o “eu” autêntico

Na visão mórbida do “eu” renegado.



Fica o mundo interior

Em incontrolável suspense

Pela ousadia de atravessar,

Como arrojado número de circo,

O infernal precipício

Das trevas ocultas

Sobre extenso arame,

Em permanente desequilíbrio,

Sem vara, sem arnês, sem rede,

Na angústia de saber

Quando vai a máscara cair.



© Jorge Nuno (2013)

22/09/2013

Raiar do Dia Libertador



“Recomeça… se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcançares não descanses, de nenhum fruto queiras só metade.”



Miguel Torga [Adolfo Correia da Rocha] (1907 — 1995)

Influente poeta e escritor português do século XX, destacando-se também como contista, memorialista, romancista, dramaturgo e ensaísta.



RAIAR DO DIA LIBERTADOR



Há uma força coletiva trágica

Reforçada pelo medo, indiferença

E pelo pensamento sem amor

Que à vivência amarga conduz,

Como há a chama piloto mágica

Que aciona o milagre da renascença

No raiar do dia libertador

E que, em amor, fará brilhar a luz.



© Jorge Nuno (2013)

21/09/2013

À La Carte



Ninguém nos aconselha tão mal como o nosso amor-próprio, nem tão bem quanto a nossa consciência.



Mariano da Fonseca [Mariano José Pereira da Fonseca], Marquês de Maricá (1773 – 1848)

Escritor, filósofo, intelectual e político brasileiro, tendo exercido os cargos de ministro da Fazenda, conselheiro de estado e senador do Império do Brasil, de 1826 a 1848.



À LA CARTE



Honestidade é transparência

Ideal é sedução

Culpa é tormento

Imobilismo é paralisia

Ganância é demência

Negatividade é projeção

Aceitação é desprendimento

Intolerância é fobia

Assertividade é firmeza

Coragem é magnificência

Tédio é vazio

Ousadia é mudança

Generosidade é nobreza

Negação é cegueira

Egoísmo é usurpação

Dádiva é alegria

Ódio é sufocante

Entusiasmo é criação

Meditação é calmante.



Refeição não é menu

E não é “à la carte”

Que me alimento

No sentido de paz.

No vórtice da criação

Aceito-me como sou,

Com virtudes e defeitos,

Sem esperar ganhar

Nem recear perder.

Mantenho pensamentos de vigília,

Visão interior de perceção,

Disponibilidade de aprendizagem

Sem sabedoria forçada

Ou encapuzado de zelote.

Como ser integral

Quero consciência sem escolha,

E simplesmente…

Libertação de endorfina

Na conectividade com a fonte,

Agradecendo o que sou

Pelo equilíbrio conseguido.



© Jorge Nuno (2013)