SER
VOLUNTÁRIO, SER SOLIDÁRIO
Esta é a minha 24.ª crónica quinzenal,
prestes a cumprir-se um ano de colaboração voluntária com a BIRD Magazine. É curioso o facto de eu
não sentir falta de tema, sempre que me coloco em frente ao meu PC, mesmo que
parta sem tema, como acontece tantas vezes. Desta vez, poderia: brincar com a
desconfortável azia provocada pela mudança nas cadeiras do poder em Portugal,
com as tão apregoadas “costas do povo” e com a “inevitabilidade de se aceitar a
dura realidade dos factos”; ironizar com os discursos dos líderes dos países
mais poluidores do planeta, em plena Cimeira do Clima, em Paris e que, com
alguma hipocrisia, tentam demonstrar preocupação com as alterações climáticas e
com a dificuldade em encontrar estratégias a adotar, na mesma altura em que têm
aviões dos seus países a bombardear, intensamente, poços e refinarias
petrolíferas, paióis de munições e outros alvos suscetíveis de causar graves
danos ambientais; ou outro tema, bem mais agradável, como realçar e louvar as
políticas do reino do Butão, designado como o “reino da felicidade”, que faz
deste pequeno país, a leste dos Himalaias, o menos poluente na Terra, a
fazer-me lembrar o personagem central do meu romance As Animadas Tertúlias de Um Homem Inquieto – o Filó – com os seus
comentários junto de amigos, a propósito do Butão (quando, provavelmente, esse
rol de amigos até desconhecia que houvesse um país com este nome): “(…) o rei
declarou que a política do reino deve estar ligada ao bem-estar das pessoas e,
neste país, parecem levar muito a sério a ‘felicidade interna bruta’, que será
tão importante como o PIB, onde a economia e o crescimento económico é apenas
uma parte da equação. Cá, fica-se com a ideia que só interessam os números,
consolidação de orçamentos, estatísticas, rácios financeiros… as pessoas são
completamente esquecidas. Vive-se numa era de capitalismo desumano… sem
compaixão (…)”.
Como facilmente se vê, haveria aqui
muita matéria-prima para escrever esta crónica e, com exceção das partes mais
sérias, acredito que até seria possível fazer soltar uns sorrisos, sempre
bem-vindos, para adoçar a vida. Mas não. Intimamente, prefiro abordar o voluntariado
e a sua importância na sociedade, mesmo conhecedor do risco de banalização da
comemoração “imposta”, com natureza diversa, dia após dia e ao longo de todo o
ano, como chamada de atenção para determinado assunto ou problema. É que hoje está
a decorrer o Dia Internacional do Voluntário, dia que foi instituído pela ONU
em 1985, com o objetivo de “fazer com que, ao redor do mundo, sejam promovidas
ações de voluntariado em todas as esferas da sociedade”. Segundo o dicionário –
que consulto frequentemente –, a palavra “voluntário” significa: “que se faz de
livre vontade” (…) “que procede espontaneamente” (…) “pessoa que se compromete
a cumprir determinada tarefa ou função sem ser obrigada a isso”. Para a ONU, “o
voluntário é o jovem ou o adulto que, devido ao seu interesse pessoal e ao seu
espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas
formas de atividades, organizadas ou não, de bem-estar social, ou outros campos
(…)”. Resumidamente, é dito e sabido que “os voluntários são pessoas ou grupos
que, sem remuneração, ajudam a melhorar a qualidade de vida do planeta. Dedicam
parte da sua vida para ajudar a resolver problemas da sua região, indivíduos
que se sensibilizam com as causas sociais e estão dispostos a dar alegria,
carinho e amor para quem está a precisar de apenas sorrir”.
Relacionado
com o voluntariado, a ONU, no ano 2000, estabeleceu 8 objetivos do milénio:
1
– erradicar a extrema pobreza e a fome;
2
– atingir o ensino básico universal;
3
– promover a igualdade entre sexos e a autonomia das mulheres;
4
– reduzir a mortalidade infantil;
5
– melhorar a saúde materna;
6
- combater o HIV, a malária e outras
doenças;
7
– garantir a sustentabilidade ambiental;
8 – estabelecer uma Parceria Mundial
para o Desenvolvimento.
Recomendava Osho (filósofo oriental):
“Use as suas energias para tornar um mundo mais belo, mais poético e mais
saudável”. Os voluntários enquadram-se nesta filosofia de vida. É evidente que
nem é necessário ter elevadas qualificações, pois qualquer pessoa pode ser
voluntária. Numa breve retrospetiva, constatei que mais de metade da minha vida
exerci voluntariado no associativismo, particularmente no juvenil, com promoção
sistemática de atividades e eventos culturais e desportivos, culminado com as
minhas funções docentes numa universidade sénior. Nestas funções, tenho
consciência que, com dedicação e criatividade, doei energia e contribuí, com o
meu entusiasmo e algumas capacidades, para que pessoas seniores procurassem não
falhar aqueles momentos, que valorizavam. Como retorno, tive a sensação de uma
experiência gratificante e enriquecedora, devido à influência positiva no
contacto humano e na partilha do conhecimento, que fez realçar o valor da
amizade e o interesse da socialização, o que me deu uma enorme satisfação
pessoal, reforçada pela reconhecida utilidade social de esta atividade.
Li,
algures, que “o primeiro passo para a cidadania plena é o compromisso com o
voluntariado” e, in Cadernos de Lanzarote
[1995], de José Saramago, com a acutilância que lhe era conhecida: “Creio no
direito à solidariedade e no dever de ser solidário. Creio que não há nenhuma
incompatibilidade entre a firmeza dos valores próprios e o respeito pelos
valores alheios. Somos todos feitos da mesma carne sofrente. Mas também creio
que ainda nos falta muito para chegarmos a ser verdadeiramente humanos. Se o
seremos alguma vez (…)”.
O
meu lado humanista e poético leva-me a acreditar nos homens de boa vontade como
forma de transformar a sociedade, começando pela ajuda desinteressada ao
próximo. O meu “bem-haja” a todos aqueles que dedicam algumas horas semanais
com gestos de cidadania ativa, sem estar à espera de algo em troca.
© Jorge Nuno (2015)
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