ETERNAS
COBOIADAS
Mesmo no final dos anos 60, no salão de
baile de uma coletividade nos arredores da cidade de Coimbra, enquanto no palco
o grupo musical (de que eu fazia parte) proporcionava uns momentos de
descontração, através da dança, reparei que se tinha gerado uma enorme
confusão, com empurrões e alguns socos, a que se juntou mais uns quantos
“pugilistas” de ocasião, não para separar aqueles dois jovens engalfinhados
pelas emoções (leia-se ciúmes) e algum álcool, mas sim para “ajudar à festa”. Com
olhares cúmplices e alguns acenos de cabeça, acabámos de imediato aquele slow, para desagrado dos casais que se
queriam manter agarradinhos. Quando era suposto aproveitar-se a ocasião para um
apelo à ordem na sala, com recurso a um dos microfones, iniciei, sozinho, com a
minha irreverência ou falta de sensatez, o tema de abertura de Bonanza – a popular série de televisão,
de cowboys, com personagens
simpáticas, onde predominava a lei do oeste –. De imediato, acompanharam-me os
restantes membros do grupo, mesmo sem qualquer ensaio. Sinceramente, nunca vi uma
briga acabar tão rápido! O problema foi a sala em peso ficar a protestar contra
os músicos, mas isso resolveu-se bem com… outro slow. Se dúvidas houvesse, ficou provado que a música tem um efeito
benéfico no comportamento das pessoas.
Mas
lembro-me de muitas outras coboiadas – de outra índole –, e desta vez bem mais
recentes, que passo a relatar.
Registo
duas ocorrências no parlamento de Taiwan, em 2013, e com a diferença de dois
meses, em que houve lutas violentas e imperava a força muscular dos socos e
pontapés, denotando conhecimento de artes marciais, sempre com o envolvimento
de deputados apoiantes do partido do governo e deputados dos três partidos da
oposição. Uma, por causa da votação que daria lugar a um referendo que
permitiria a construção da quarta central nuclear na ilha e, outra, ao
pretender-se “mexer” numa taxa sobre transações comerciais, aprovada um ano
antes.
No
Knesset, parlamento israelita, tendo
sete partidos com assento parlamentar, entre trabalhistas, sociais-democratas,
ultranacionalistas (2) e árabes (3), o ambiente é permanentemente escaldante,
embora me tenham dito – quando estive em Jerusalém, no exterior do edifício –
que era o lugar mais frio do planeta, por ter “120 [deputados] abaixo do zero”!
Motivações não faltam para posições extremadas e imagine-se o que foi, em 2014,
o debate até à aprovação da “Lei da Governabilidade”, que como o próprio nome
indica, visa contribuir para a governabilidade do país, e exige um maior número
de votos para que um partido participe no “jogo político”, ficando também a
ideia de haver a intenção de prejudicar as três formações políticas que
representam os cidadãos árabes (a menos que se unissem).
No
parlamento japonês, em 17 de setembro de 2015, também houve perda de compostura.
Os deputados da oposição tentaram impedir, pela força braçal, a aprovação de um
projeto de lei que permitiria ao país, pela primeira vez desde a Segunda Guerra
Mundial, enviar tropas para conflitos armados no exterior, deixando de ter uma
Constituição pacifista. Esta sessão, com o propósito da oposição poder defender
o ideal pacifista, foi tudo… menos pacífica.
No
Brasil, em 10 de dezembro de 2015, houve “cenas tristes” com deputados,
pasme-se, do Conselho de Ética, a gerar muita confusão, com muitos empurrões
[há quem diga, alguns tabefes], como forma de defender ou impedir o afastamento
de Eduardo Cunha do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, até ao seu julgamento
[terá sido apanhado no caso Lava Jato, com indícios de corrupção e lavagem de
dinheiro, à data de 20 de agosto de 2015]. Nem valeu o apelo do presidente do
Conselho para que os deputados se comportassem com moderação e ainda mais por
se estar no Conselho de Ética. Como se isto não bastasse, o deputado Manoel
Júnior, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, pelo Rio de Janeiro, terá
alegado em defesa de Eduardo Cunha: “Gostaria de saber quem foi a cabeça
iluminada que pensou nisso [o afastamento]. Se foi por ter processo no Supremo,
mais de 150 parlamentares teriam que ser afastados”. Agora sou eu que digo:
“Valeu, meu irmão!”.
No
parlamento do Kosovo, a oposição assegurada pelo partido Vetëvendosje
[Autodeterminação] liderou (e lidera) o movimento de protesto para “exigir a
renúncia dos acordos sobre a normalização das relações com a Sérvia”, pois
querem que a independência unilateral, proclamada em 2008, seja uma realidade
aceite pela Sérvia, assim como também exige o fim do acordo, concluído este ano
com o Montenegro, acerca das fronteiras de ambos os territórios. Assim, como
forma de bloquear os trabalhos do parlamento kosovar, por diversas vezes,
deputados da oposição lançaram gás lacrimogéneo, ovos e usaram apitos para
impedir o normal funcionamento das sessões. Em 14 de dezembro de 2015, um
parlamentar voltou a introduzir e a despoletar uma granada de gás lacrimogéneo
no parlamento, forçando, mais uma vez, a interrupção dos trabalhos.
No
parlamento da Ucrânia, em 15 de dezembro de 2015, registaram-se cenas de
pancadaria entre deputados apoiantes do primeiro-ministro e apoiantes de
Poroshenko [presidente da Ucrânia]. O primeiro-ministro foi interrompido por um
deputado da oposição, que lhe levou um ramo de flores, agarrou nele e retirou-o
à força do púlpito do parlamento. Claro, seguiram-se os habituais empurrões,
murros e até puxões de cabelo (de que o primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk se
livrou… por ser careca!). Sobre este caso fica a ideia: “ Se alguém te oferecer
flores, é porque te quer levar ao colo!”.
Bem…
todos estes relatos fazem com que os deputados portugueses pareçam uns piegas, copinhos
de leite, em que o maior desconforto atual será a azia de alguns, já que parece
não haver dúvidas quanto à manifesta indiferença com que ouviram os comentários
do Paulo Morais, na qualidade de candidato à presidência da República, a
prometer que irá forçar o parlamento a legislar sobre a corrupção e a dizer que
o maior antro de corrupção no país é a própria Assembleia da República (AR).
Mas se alguma vez as coisas azedarem, der mesmo para o torto, e os deputados
acharem por bem resolver as divergências à trolhada, então a AR deverá ter um
impecável sistema de som, sem falhas, para que de imediato se possa fazer ecoar
o tema da série Bonanza. Pensando melhor,
porque há um número apreciável de deputados jovens (nascidos muitos anos depois
da série ter terminado), e até para aprenderem como custa engolir mentiras,
deverá ser anunciada a banda Xutos e
Pontapés, para ficarem com as antenas no ar, e ser passada a canção Só à Estalada, da Ruth Marlene. Será
gratificante ver como os ânimos serenam logo!
© Jorge Nuno (2015)
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