O
PASSAPORTE BIOLÓGICO
Há
muito poucos anos, a Agência Mundial Antidopagem (AMA) viu necessidade de criar
o passaporte biológico, como estratégia, para lutar contra a dopagem no âmbito
desportivo e concretizou esta ideia inovadora. Trata-se de um documento
electrónico individual, no qual “são registados todos os resultados dos
controlos antidoping que forem efetuados” ao atleta, o que faz com que contenha
vários indicadores importantes e permite traçar o perfil hematológico e o
perfil dos esteróides, entre outros.
Começou
com um projeto-piloto desenvolvido pela União Ciclista Internacional (UCI) já
que esta modalidade é uma das que mais requer esforço físico, por parte dos
atletas e deve estar mais sujeita a controlo. Se repararmos bem, é praticada a
horas pouco recomendáveis, na maior parte das vezes com calor excessivo, em
distâncias longas, durante muitas horas por dia e muitos dias seguidos; daí ser
expectável a ocorrência frequente de casos de doping, como se veio a confirmar.
Nele, viram-se envolvidas algumas figuras de proa do ciclismo mundial – de que
é exemplo Lance Armstrong, considerado [por muitos] o maior ciclista de todos
os tempos, que acabaria por ser banido do ciclismo, passando de herói a vilão –.
Rapidamente
passou do ciclismo para outras modalidades, em variadíssimos países. Em
Portugal já haverá 363 atletas com passaporte biológico em meia dúzia de
modalidades, como: canoagem, remo, natação, atletismo, triatlo e, claro,
ciclismo. A Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) já confirmou,
recentemente, através do seu presidente – Rogério Jóia – que passará a haver o
passaporte biológico no futebol nacional, tendo referido que “o número de
controlos totais e também específicos para esta ferramenta no combate ao doping
aumentaram”, o que terá contribuído para fazer subir significativamente, em
2015, o número de casos de positivos face a período homólogo. Segundo palavras
de Rogério Jóia, a própria UEFA entendeu que havia necessidade de o estender ao
futebol, pois “não seria ético o futebol não estar inserido no passaporte
biológico, até pelo seu mediatismo e poder económico”. Deste modo, não é de
estranhar o facto de, p.e., Sport Lisboa e Benfica, Sporting Clube de Portugal,
Futebol Clube do Porto e Sporting Clube de Braga, já terem visto jogadores seus
a ser alvo deste tipo de controlo para se dar início à introdução do referido
passaporte. Também o modo de atuar foi alterado; agora aADoP faz as colheitas
de urina e sangue nas competições, e não fora delas. No futebol profissional,
está a acontecer com a regularidade de dois jogos por jornada na I Liga e de um
jogo na II Liga.
Pode
ser difícil de entender o afastamento dos atletas paralímpicos da Federação
Russa (FR) aos jogos do Rio 2016, mas quando se tratou de factos comprovados,
de forma superiormente organizada, não se podia esperar outra atitude do Comité
Paralímpico Internacional (CPI). A FR ainda recorreu, mas o Tribunal Arbitral
do Desporto (TAS) indeferiu-o e manteve a decisão de banir toda a comitiva
russa.
Imaginemo-nos
no lugar de um atleta paralímpico [com qualquer tipo de deficiência] e que
treina afincadamente durante quatro anos para conseguir um lugar na comitiva
presente nesta competição maior, sem ter cometido nenhum ilícito, e que se vê
relegado para posições inferiores na competição, ao ter adversários que usam de
meios ilegais, que lhes conferem mais resistência.
Ainda
há homens com carácter, como no caso do Comité Paralímpico da Austrália, ao
suspenderem preventivamente, por doping, um seu ciclista – bicampeão
paralímpico de perseguição individual (para atletas amputados) – e que lhe
poderia dar mais uma medalha.
Também
o CPI está atento, e aperta o cerco, aos casos de boosting, estratégia que aumenta artificialmente o rendimento dos
atletas, com o aumento da pressão arterial e chegada de mais oxigénio aos
músculos. É algo difícil de detetar e, ainda mais, em se saber se a prática é
intencional. Estranhamente, é usada pela via da autoflagelação e prática de
tortura, e comum entre atletas em cadeiras de rodas, entre outros. As
consequências desta prática são nefastas para a saúde dos atletas, dando origem
a acidente vascular cerebral (AVC) e até à morte.
Há
poucos dias chegou a delegação portuguesa, vinda dos Jogos Paralímpicos Rio
2916, evento em que foram vendidos dois milhões de bilhetes e teve vasta cobertura
televisiva. Dos 37 atletas portugueses presentes, quatro trouxeram medalhas de
bronze e 25 ganharam diplomas paralímpicos, ao ficarem entre os oito melhores do
mundo, nas suas modalidades. São atletas que merecem ser acarinhados, e merecem
que sejam criadas condições para terem um estatuto idêntico aos olímpicos, com
treino como atletas de alta competição. Como todos os outros atletas, também
deverão possuir passaporte biológico. Como é bom ver a sua felicidade e a dos
seus familiares e amigos, quando chegam ao aeroporto, após o fechar das
cortinas da competição! E como cada um se deve sentir bem, ao saborear o mérito
dos seus resultados desportivos, fazendo apenas uso da sua coragem, do seu
esforço, do seu querer, ajudado pelo empenho, saber e entrega dedicada do seu
treinador!
Bem-haja
todos aqueles que se entregam devotada e honestamente a algo, como neste caso,
trabalhando para que haja verdade desportiva. Gostaria de acreditar que o crime
não compensa.
© Jorge Nuno (2016)
Obs.: Crónica
publicada à presente data na BIRD Magazine (criada na UTAD)
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