VIRA
O VENTO E MUDA A SORTE
De
há uns tempos para cá vinha-se a sentir uma lufada de “ar fresco”, com ventos
de feição [metaforicamente], apesar de [meteorologicamente] o tempo estar abafado
e excessivamente quente. Vamos a factos concretos: Porto considerado,
novamente, o melhor destino europeu em 2017; calor humano na visita do Papa
Francisco a Fátima; no mesmo dia, a surpreendente vitória de Salvador Sobral no
Festival da Eurovisão; também de forma surpreendente, o ministro alemão das Finanças,
Wolfgang Schäuble, a rotular Mário Centeno como o “Ronaldo do Ecofin”,
reforçando-o mais tarde, para que não houvesse dúvidas, face aos resultados de
retoma da economia portuguesa e ao “controlo” do défice; o primeiro-ministro,
António Costa, a pedir e a ver autorizado a saída de Portugal do PDE –
Procedimento por Défice Excessivo; idêntico pedido efetuado ao FMI e às
autoridades europeias para antecipação do pagamento de 10 mil milhões de euros,
ao longo de dois anos e meio, podendo levar a uma poupança de 1,3 mil milhões
de euros; o anúncio que Portugal é o 3.º país mais seguro do mundo; o início do
verão e começo das festas populares, um pouco por todo o lado, mas vividas de
forma mais vibrante a norte…
O
São João de Braga, rotulado como “a maior festa popular de Portugal”, teve
início no dia 14 e termina a 25 de junho. Porque o programa é mesmo muito
extenso, limito-me a resumir o folheto promocional (e a acrescentar pouco mais):
12 dias de animação; 238 horas de programação; 113 iniciativas previstas; 9
cortejos e desfiles; 12 exposições; 19 espetáculos; 10 mil pessoas envolvidas
(figurantes, organização, artistas, atletas, voluntários…); 203 entidades
envolvidas; 1 milhão de participantes esperados; tradições seculares únicas –
carro do Rei David, carro das Ervas e carro dos Pastores; o maior cortejo
folclórico nacional; a maior procissão sanjoanina de Portugal – 800 figurantes
e 9 andores, com batalha de flores; o maior encontro de Gigantones e Cabeçudos
da Península Ibérica; a maior concentração de Tocadores de Bombos de Portugal; um
grande festival de Cavaquinhos e encontro de grupos de Concertinas; noite
académica – participação dos vários grupos culturais da Universidade do Minho; o
maior encontro de Joões do mundo; concursos de martelinhos ilustrados, cascatas
de São João de Braga, melhores desenhos alusivos às Festas de São João e de
quadras populares; jazz nos jardins; concerto pelos carrilhões de Santa Cruz,
Sé e São Vicente; atuação de um número apreciável de bandas filarmónicas;
cortejos das Rusgas; várias atividades desportivas; e muita, muita animação de
rua.
O
concerto “Um Cavaquinho e… um Bombinho”, logo na primeira noite, com a
participação do artista popular Augusto Canário, que convidou uma “multidão” de
amigos, deu o mote:
“Um povo que canta / é um povo feliz / solta da
garganta / o que o peito diz (…)”
Na
verdade, goste-se ou não do género musical, a alegria era bem patente, contagiante
e vivida de forma intensa. O povo do norte é mesmo assim!
Já
cantava Zeca Afonso em “Natal dos Simples”: “Vira o vento e muda a sorte (…)”
De
repente, toda esta alegria e euforia parecem ter-se esfumado, virando tragédia.
Soa a estranho quando, certamente com convicção e consciente da gravidade da
situação, a organização das festas de São João de Braga sinta necessidade de
reduzir atividades festivas e eliminar foguetes, pelo luto nacional de três
dias. Soa a estranho, que uma juventude alegre e generosa, no início de um
espetáculo, peça um minuto de silêncio pelas vítimas. De um momento para o outro,
parece que os festejos deixam de ter significado perante tanta tragédia humana,
material e do próprio ecossistema, registada em vários concelhos da região
centro. O organização das festas de São João de Figueiró dos Vinhos, um dos
concelhos afetados, cancelou mesmo os festejos.
A
GNR diz que em 33% dos casos de incêndio em zona florestal há “mão criminosa” –
situação de fogo posto (desde conflitos com vizinhos, interesses de
madeireiros, fascínio doentio pelas chamas para ver bombeiros em ação, em que muitos
casos se alega demência…). O presidente da autarquia de Pedrógão Grande foi
contundente ao afirmar que acreditava tratar-se de “fogo posto”; o presidente
da Liga de Bombeiros também. Segundo o Instituto da Conservação da Natureza e
das Florestas, a principal causa dos incêndios florestais é a negligência
humana; aponta que, em 80% dos casos dos incêndios em Portugal, são resultado
de descuidos (queimadas descontroladas, lançamento inadvertido de pontas de
cigarros, foguetes, refeições/grelhados nessas zonas… Neste caso, em poucas
horas, a Polícia Judiciária apontou “causas naturais” – descargas elétricas
gerada por uma tempestade. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera,
confirmou a existência desse fenómeno na zona, com 277 descargas. A Autoridade
Nacional de Proteção Civil alegou a conjugação de um número anormal de fatores,
onde a mudança dos ventos intensos foi determinante. O presidente da República,
muito presente, afirmou que “o que se fez foi o máximo que se poderia ter feito
(…) não há falta de competência, nem falta de capacidade, nem falta de imediata
resposta perante desafios dificílimos”. Jorge Gomes, secretário de estado da
Administração Interna (que conheço pessoalmente desde 1973), mesmo habituado a
estas lides, quando ocupava o cargo de governador civil de Bragança, sempre próximo
da cadeia de comando da proteção civil, afirmou à comunicação social logo no
início, com claro pesar e voz embargada: “Se me permitem dizer-lhe o que sinto,
sinto que o fogo está a alastrar por todo o lado”; confirmou, mais tarde, que
terá havido falhas no SIRESP – Sistema Integrado de Redes de Emergência e
Segurança de Portugal (uma parceria público-privada já com muitos anos, a
envolver muitas centenas de milhões de euros…). Pretende-se, com este sistema,
que haja a garantia de uma rede de comunicações única e dedicada, com qualidade
de comunicações e exclusiva entre forças de segurança, emergência e proteção
civil. Desde 2010 terão sido instaladas mais de quinhentas torres de
comunicação, seis centrais, cinquenta e três salas de despacho, duas estações
móveis com sistema via satélite, tendo sido distribuídos 23.000 terminais
(telemóveis de acesso à rede). Com algumas dessas torres e antenas dos
operadores convencionais destruídas pelo fogo, tal como muitas dezenas de
quilómetros de rede de telefones fixos, as populações “resistentes” naquelas
aldeias isoladas ficaram mais vulneráveis. Parece pouca toda a gratidão que
evidenciarmos aos bombeiros anónimos, vindos de toda a parte, que lutaram e
lutam, até à exaustão, no terreno. Atenua a dor, às famílias das vítimas, toda
esta onda de solidariedade gigante, porque gigante é a alma do povo português.
A mãe-natureza, dorida, encarrega-se de se regenerar. Assim aprendesse o ser
humano, perante a adversidade. São tão evidentes as alterações climáticas e os
seus efeitos devastadores, assim como são bem conhecidas as causas. Estamos na
era dos elementos Fogo e Água. A subida da água do mar e alagamento do
território será outra fonte de preocupação. Há caminhos apontados e ideias a
interiorizar. A ação está ao nosso alcance. Basta-nos despertar, fazer algo coletivamente
e recriar bons ventos. A “sorte” vem por acréscimo.
© Jorge Nuno (2017)
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