A MORTE, O INSÓLITO E A PROSTITUIÇÃO
Um
acontecimento recente em Portugal teve um forte impacto nas redes sociais –
difundido a uma velocidade vertiginosa, como se se tratasse de um vírus –, e
prometeu criar uma enorme agitação, atingindo, de forma acutilante, elementos
do governo, tanto do atual como do anterior.
Esse
acontecimento, que tem tanto de insólito, como de leviandade, como revela falta
de caráter ou até onde vai a prostituição… levou-me, em surdina, a tentar
descobrir o que me levou – a mim – há uns anos atrás, a entrar: em
antiquíssimos sepulcros, com inúmeras tumbas e um sem fim de lápides de pedra,
no Monte das Oliveiras, em Jerusalém (Israel); no antigo cemitério judeu, em
Praga (República Checa); nos mausoléus da mesquita e do cemitério muçulmano de
Konya (Turquia). Será que na altura, tinha ou sentia algum prazer mórbido
nessas visitas? Faz sentido que estes locais sejam transformados em locais
turísticos, com cobrança de entradas?
Sobre
a visita àquele estranho local, situado na encosta a leste da cidade velha de
Jerusalém, e da “loucura” dos que agora pagam milhões por um pequeno espaço
para serem ali enterrados, retenho uma excelente memória. É um dos cemitérios
mais antigos do mundo, com necrópoles e tumbas escavadas em rocha, estimado em cerca
de 3.000 anos, contendo mais de 150.000 sepulturas numa vasta área. É espantoso
como o Livro de Zacarias, considerado “profeta”, leva a que os judeus queiram
ali ser enterrados, no “palco dos acontecimentos finais” e, assim, poderem “ser
os primeiros a serem ressuscitados”. O próprio Zacarias terá pedido para ser
ali enterrado, admitindo-se que possam lá estar também muitos “notáveis”
mencionados na Bíblia. Admirei a persistência do trabalho de investigação,
incluindo escavações permanentes, por me parecer tratar-se de um trabalho sem
fim, um puzzle aparentemente impossível de completar, por haver sempre peças
escondidas. Mas quando se fala de figuras bíblicas, a palavra “impossível” fica
desprovida de sentido. Com o clima ameno naquela altura do ano, a vista
deslumbrante sobre as milenares muralhas de Jerusalém, os ponteiros do relógio a
darem a impressão de que o tempo terá parado… a contemplação era uma realidade
e sentia uma enorme sensação de bem-estar geral, tal como já acontecera no
Monte das Bem-Aventuranças e no Monte Tabor, na Galileia.
Uma
semana completa para visitar a cidade de Praga parecia muito. Puro engano.
Muito bem alojado, mesmo “a dois passos” da praça da Cidade Velha, foi um
deslumbramento total. Com um programa exclusivamente ao gosto pessoal, visitei
tudo o que me parecia interessante. Quase sem saber como nem por quê, depois de
visitar o Bairro Judeu, dei por mim a pagar para visitar o antigo cemitério
judaico, fundado no século XV, e que “abriga” muitos judeus notáveis. Tem
igualmente, numa ala daquele espaço, o Museu Judaico de Praga, que foi ocupado
pelo regime nazi e que quis fazer dele o “museu de uma raça extinta”. Terei
pensado: “Já que estou aqui… vem mesmo a propósito!”. Na verdade, gastei tempo
à procura de um apelido específico, que não encontrei. Esperava encontrar uma
qualquer ligação… alguém com aquele apelido que tivesse sido vítima do nazismo
e ali fosse enterrado… mas não. Uma senhora magra, de idade avançada, que podia
ser sobrevivente do holocausto, prontificou-se a ajudar-me (em diferido e à
distância) mas fiquei-me por ali. Ainda hoje sorrio ao lembrar-me que, junto de
uma campa, do nada… sem explicação, caiu-me uma lente dos óculos, sem que eu
tivesse contribuído para tal!
Konya,
cidade no centro da Turquia, desenvolveu-se em torno de um “profeta” – Rumi
(1207-1273), poeta e teólogo sufi persa. O corpo deste, encontra-se na
importante mesquita, concluída pelo sultão Allaeddin, que tem mausoléus
contendo importantes figuras da dinastia Seljuk. O filho de Rumi e seguidores
fundaram a ordem sufi, conhecida como a “ordem dos dervixes girantes”. O túmulo
de Rumi é ponto “obrigatório” de visita. Tanto aqui, como para os restantes
túmulos do cemitério muçulmano, contíguo à mesquita, o guia turístico fez
questão de deixar vários avisos, relacionados com a cultura local, tendo em
vista a especificidade daqueles espaços onde se honra os mortos.
Naturalmente,
respeitei os locais, as tradições e cultura própria naquelas zonas visitadas, e
quase que dispensava as recomendações, pois tenho em conta o bom senso. Depois
de cada visita, senti que estava mais rico, em conhecimento, e com maior
predisposição para aceitar as diferenças culturais.
O
Panteão Nacional, em Lisboa, assente sobre a Igreja de Santa Engrácia, terá
durado cerca de 300 a construir; daí a expressão popular “É como as obras de
Santa Engrácia!”, para referir algo que parece não mais acabar. Além do
interesse arquitetónico, encontram-se no Panteão os túmulos de ilustres figuras
portuguesas, a quem Luís Vaz de Camões faz referência, in Canto I, de “Os Lusíadas”: “(…) E aqueles, que por obras
valerosas / Se vão da lei da morte libertando (…)”, para realçar os heróis
imortais. No último dia do importante acontecimento anual, de grande
importância para o país, o espaço foi alugado para um jantar com cerca de 400
participantes no Web Summit. Depois de se constatar como alastrou a notícia
viral, com um primeiro ministro-ministro a prometer alterar a legislação sobre o
aluguer de espaços públicos específicos, quando apenas competia à tutela dizer
“não”, caso fosse esse o entendimento, e não foi. O dinheiro terá falado mais
alto! Realce para o pedido de desculpas de Paddy Cosgrave, fundador da Web
Summit, em que dizia pretender “honrar a história de Portugal”. Relembrou que o
jantar foi organizado de acordo com a legislação existente e “com todo o
respeito”. Disse mesmo no Twitter: “Sou irlandês. Culturalmente, temos uma
abordagem muito diferente à morte. Celebramo-la. Isso não faz com que esta seja
a abordagem mais correta em Portugal. Adoro este país como a minha segunda casa
e nunca tentaria ofender os grandes heróis do passado de Portugal”.
Jorge Nuno
(2017)
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