29/11/2017

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (8) - Polémicas aos Molhos

POLÉMICAS AOS MOLHOS

“Os que enfrentam a realidade exercem o livre-arbítrio tomando decisões conscientemente e aceitando a responsabilidade por elas, reservam a opinião e acreditam na sua capacidade de criar vidas mais felizes (…)”, é uma frase escrita por Karen Kelly[i]. Alocando a frase à decisão política consciente e realista, e à reserva de opinião, atrevo-me a firmar que hoje é visível algum deslumbramento coletivo, com cheirinho de alívio e umas pitadas de felicidade aqui e acolá. Não vejo nenhum mal nisso, bem pelo contrário. Mas o optimismo de lentes cor-de-rosa, conduz-nos, quase sempre, ao choque com a realidade e cria algum desconforto, pelo sentimento de incredulidade ou não aceitação dessa mesma realidade.

Assim se dividem opiniões, fazendo estalar polémicas e mais polémicas.

– Depois de travadas “batalhas” pela igualdade de género e a tendência segue o rumo de minimizar a orientação de sexo, sente-se que foram alcançadas assinaláveis conquistas. Quando a Igreja Católica entende, finalmente, que os homossexuais devem ser acolhidos por ela própria “com respeito e delicadeza”, vem agora relembrar e querer operacionalizar o que o Papa Bento XVI já tinha dito: “A homossexualidade não é conciliável com a vocação sacerdotal”. Assim, foram traçadas diretrizes para a formação de sacerdotes, recomendando a que os candidatos sejam sujeitos a testes psicológicos para evitar o surgimento de “tendências homossexuais”, pedófilos ou com doenças mentais, impedindo-os de entrar em seminários e ordens religiosas. Lá dentro, em confissão sigilosa, pode confessar a sua homossexualidade que o confessor será obrigado a remeter-se ao silêncio;

– Parecia um dado adquirido que a candidatura da cidade do Porto, para acolher a Agência Europeia do Medicamento, era uma das melhores posicionadas, entre as cinco favoritas (de um conjunto de 16 cidades candidatas). O Porto ficou fora da corrida, logo após a primeira votação. Em cima do acontecimento, o governo português veio anunciar a mudança do Infarmed de Lisboa para o Porto, criando alguma perplexidade, por ficar a ideia de tratar-se de uma “compensação”. O primeiro-ministro apressou-se a dizer que a decisão já estava tomada, tendo em vista aproximar a agência nacional da agência europeia [na perspetiva de um Porto vencedor]; no entanto teve a virtude de reconhecer, numa entrevista à Antena 1, que “a comunicação podia ter sido de outra forma”. Sabe-se que 97% desses trabalhadores já rejeitou mudar-se para a “capital do norte” e até já se apontam custos muito elevados com a relocalização, formação especializada, compensações… e a presidente daquela instituição a dizer que se trata apenas de “intenções”;

 – A Lei n.º 24/2016 veio regular o acesso à gestação de substituição (até há pouco encarada como “barriga de aluguer”). Os casais, em Portugal, a partir de 01/08/2017 já podem recorrer a este processo e fazer vir criança ao mundo, mediante determinados pressupostos. Mas… o primeiro caso aprovado é de uma avó que vai gerar o seu neto! Para a legislação poder ser aprovada e o pedido dos interessados ser aceite, teve, necessariamente, de haver um parecer favorável do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, além de ser ouvida a Ordem dos Médicos (esta, sem parecer vinculativo). Neste primeiro caso, à mãe do futuro bebé foi-lhe retirado o seu útero, por razões clínicas. Será utilizado o esperma do pai e um óvulo retirado da mãe. Em trabalho de laboratório, o embrião será gerado “in vitro” e, posteriormente, incubado no útero da avó. Está em causa a ética, os riscos de saúde para a parturiente (em idade pouco usual, sendo sempre uma gravidez de risco, mesmo que bem seguida medicamente), a legalidade jurídica (acautelada pela legislação vigente, mas que pode ter outros desfechos se, após o nascimento, p. e., for suscitada a questão relativa à atribuição da maternidade, a requerer intervenção de um juiz);

– Com surpresa, assistimos ao fretar de um total de cerca de 100 camiões-cisterna diários, para transportar água para a barragem de Fagilde, situada no concelho de Mangualde. Sabe-se que nessa barragem havia apenas um nível de 10% da sua capacidade, devido à seca extrema. Sabe-se que existe aí uma ETA, a qual abastece de água potável tanto o próprio concelho, como os concelhos de Viseu, Nelas e Penalva do Castelo. Sabe-se que foi pedida a intervenção dos bombeiros, que disponibilizaram cerca de 45 camiões para essa tarefa. Foi noticiado que também foram fretados camiões-cisterna a empresas de transporte privado, com um custo de € 700 diários, por viatura. Sabe-se que o governo disponibilizou € 250.000 para esta megaoperação, aceitando disponibilizar mais € 250.000, depois de negociações com as Águas de Portugal. Com estupefação, assistimos à recusa dos bombeiros em transportar água, alegando que estavam a custear a operação do seu bolso e não tinham recursos para tal;

– No dia em que o governo de Portugal completou dois anos, realizou um conselho de ministros em Aveiro, seguido de uma sessão de perguntas e esclarecimento. As perguntas terão sido feitas por um painel de cinquenta cidadãos. O ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, disse na véspera do evento: ”(…) quanto às perguntas que vão ser feitas, à amostra das pessoas que lá estarão ou à natureza dos temas a abordar pelas pessoas, há de ser da responsabilidade daquela Universidade”. O jornal “Sol” noticiou que iria ser pago € 36.750 a um grupo de cidadãos que participa no estudo. Ao que se sabe, foi encomendado um estudo à Universidade de Aveiro e utilizado um painel representativo da amostra, para questionar o governo. Alguns desses elementos, entrevistados por vários canais televisivos, responderam entre “perguntem à empresa” [contratante], outros disseram “€ 200”, outros “€ 150 + refeição + transportes”, outros referiram “apenas as ajudas de deslocação”. O professor universitário, coordenador do estudo, afirmou que o executivo teve “zero influência” nas perguntas formuladas e acrescentou: “É prática corrente internacional e nacional haver algum tipo de compensação para deslocações e tempo para quem participa nestes estudos, eu próprio, quando era estudante no Reino Unido fiz algum dinheiro participando em estudos”.

Há uma frase atribuída a Phineas Taylor Barnum[ii], que diz: “Sem promoção, acontece uma coisa terrível: nada!”. Qualquer decisor, estratega ou governante sabe disso. Mas terrível também é o descuido na forma como se comunica, para quem quer passar uma mensagem e/ou obter bons resultados; quando assim é, a polémica é inevitável; e a sensação de desconforto também.

© Jorge Nuno (2017)      



[i] Autora de «O Segredo de “O Segredo”», Livros d’Hoje, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2007.
[ii] Norte-americano (1810-1891), um homem do espetáculo e autor de “Art of Money Getting”. 

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