AVANÇOS
E RECUOS
Sentia-se
ultrapassada a questão do repúdio das touradas, que paulatinamente ia entrando
no esquecimento, após: alguns “olés” numa das caricatas sessões da AR[1]; estranheza
na divisão dos deputados do PS[2],
com liberdade de voto quanto ao IVA[3]
nas touradas e que levou a que 40 deputados votassem contra a proposta do seu
partido para reduzir o IVA e 43 deputados a favor; o primeiro-ministro ter
afirmado que não era favorável a que a RTP[4]
transmitisse este tipo de espetáculos… Para surpresa dos mais atentos, resolveu
a própria RTP passar uma reportagem, intitulada “Outras Histórias”, que
abordava a vida de Ricardo Chibanga – o primeiro toureiro africano, de
Moçambique, e único negro da tauromaquia mundial –. Afinal, parece que: o IVA
das touradas são “trocos”; a transmissão desta reportagem não suscitou reações
e surge até como o reconhecimento do mérito e uma homenagem a este homem
famoso, que dedicou a sua vida à arte tauromáquica; quer se goste ou não de
touradas, elas vão continuar por mais uns tempos e, estranhamente, com IVA mais
baixo.
Tal como no surf, se o
mar está flat[5],
é preciso estar atento, saber esperar e procurar apanhar a melhor onda; eis que
aparece a aquela que aparenta ser a onda certa que leva Portugal a viver novos momentos
de glória.
Portugal
foi novamente considerado o melhor destino turístico do mundo; Lisboa a melhor
cidade do mundo para se visitar; registaram-se mais prémios para a ilha da
Madeira, para Sintra e passadiços do Paiva, além de outros onze prémios de
turismo, que dão notoriedade ao país e faz aumentar o fluxo de turistas,
criando riqueza. Mas também deixam “pegadas” turísticas, situações de
pré-rutura nos aeroportos, agitação no mercado hoteleiro e de habitação local,
riscos de bolha imobiliária, devido à especulação, e subida exponencial dos
preços para as populações locais.
O
secretário de Estado adjunto e das Finanças afirmou que o governo de Portugal irá
fazer o pagamento antecipado do que resta da dívida pública ao FMI[6],
alegando que esta estratégia já permitiu ao país uma poupança de 1400 milhões
de euros, em três anos, em juros de dívida pública. As agências de notação
financeira Fitch e Standard&Poor colocaram Portugal no grau de
“investimento”, já fora dos patamares de lixo, trazendo mais confiança aos
mercados, o que faz descer os juros da dívida pública. Uma dívida pública que
atingiu novo recorde em outubro de 2018, estando ligeiramente acima dos 251 mil
milhões com a emissão dos títulos de dívida nesse mês, agravado com novo leilão
de 1.250 milhões de euros, em novembro, com a emissão de obrigações para pagar
ao FMI. O ministro da Finanças, vem desdramatizar, dizendo que este agravamento
será anulado no final do presente ano, com a amortização total da dívida ao FMI
e, como não podia deixar de ser, mostra confiança no rumo certo, com a economia
portuguesa a crescer, mesmo que o Banco de Portugal indique haver uma
desaceleração.
Apesar
da generosidade dos promotores, dois eventos recentes mostram que algo está mal,
mesmo que se diga haver avanços significativos em vários aspetos da economia
deste país. Trata-se de um espetáculo solidário no Coliseu do Porto, a favor do
IPO[7] do
Porto e a campanha de recolha de alimentos pelo Banco Alimentar. O primeiro, dá
continuidade à iniciativa do Zé Pedro, dos Xutos e Pontapés; o segundo, vê aumentado,
a cada ano, o número de voluntários e de bens recolhidos. Dados estatísticos do
segundo trimestre de 2018 apontam Portugal como o quarto país da União Europeia
onde os salários menos subiram. Há quem tenha o desplante de afirmar que isto
dá a Portugal uma vantagem competitiva [à custa de salários baixos, claro!]. Qualquer
instituto público com a importância do IPO tem de ser governado com dinheiros
públicos oriundos do OE[8] e
não de coletas. Recolher mais de 2.000 toneladas de alimentos doados, apenas
num fim de semana, é obra! Ter a presença dos presidentes da república de
Portugal e de Cabo Verde, também! Para o sucesso foi importante a participação
cívica de mais de 40.000 voluntários e a generosidade dos doadores. Estes bens
destinam-se a 400 mil pessoas carenciadas, apoiadas por 2.600 IPSS[9].
Um relatório recente aponta que 43% destas instituições dão prejuízo. As
dificuldades por que passa uma parte significativa da população são uma
realidade, e a fome também. Por alguma razão se agudiza a luta dos
trabalhadores de várias áreas socioprofissionais.
Para
quando a elaboração de estratégias exequíveis de erradicação da pobreza, mesmo
que a médio prazo? Quando veremos uma significativa franja da população ativa a
contribuir para a criação da riqueza, sem necessidade de donativos de géneros
alimentícios, ao ter a possibilidade de exercer uma atividade remunerada e
justa?
© Jorge Nuno (2018)
[1]
Assembleia da República
[2] Partido
Socialista
[3] Imposto
sobre o Valor Acrescentado
[4] Rádio e
Televisão de Portugal
[5] Sem
ondas
[6] Fundo
Monetário Internacional
[7]
Instituto Português de Oncologia
[8]
Orçamento de Estado
[9] Instituições
Particulares de Solidariedade Social