QUANDO
BRILHA O SOL
Um ranking, de 2018, aponta-nos
a Finlândia como tendo o povo mais feliz do mundo. No entanto, existe um
relatório intitulado “Na Sombra da Felicidade”, elaborado pelo Conselho de
Ministros Nórdicos e do Instituto de Pesquisa da Felicidade, que revela dados
surpreendentes, muitos deles associados à saúde mental, indiciando que não se
sentem mais felizes quando são jovens. Há um destaque para a faixa etária entre
os 16 e os 24 anos, pelas piores razões, já que têm vindo a aumentar os pedidos
de ajuda no âmbito da saúde mental, sendo o suicídio responsável por 35% de
todas as mortes de jovens naquele país.
Pode ler-se, num artigo disponível no site
da BBC News Brasil[1], que a Finlândia, com 5,5
milhões de habitantes, “é uma nação de mentalidade melancólica, algo ligado aos
seus longos e escuros invernos. De facto, não é um lugar onde você vê
regularmente manifestações de alegria ou outras emoções positivas”, referindo
mais à frente que “as taxas de suicídio na Finlândia de hoje são 50% menores do
que na década de 1990 e caíram em todas as faixas etárias – uma mudança
associada a uma campanha nacional de prevenção e a tratamentos melhores para a
depressão”.
Numa viagem de comboio, há cerca de 48
anos, entre Coimbra e Lisboa, em conversa com uma jovem turista finlandesa, ao
perguntar-lhe o que mais gostava de Portugal, respondeu de imediato: “O sol!”.
Confesso, na altura fiquei surpreendido. Fui-me apercebendo, com o decorrer dos
anos, que os países nórdicos teriam um elevado nível de vida, comparado com
Portugal, mas, na verdade, falta-lhes o sol.
Há poucos meses atrás, os vários canais
de TV em Portugal, generalistas e de notícias, noticiavam a preocupante saúde
mental dos portugueses. O site do Correio da Manhã[2]
apresentava o título: “Portugal é o segundo país da Europa com maior
prevalência de doenças mentais”. Nesse
artigo, pode ler-se, em jeito de conselho: “Angústia ou tristeza prolongada,
dificuldade em adormecer ou manter o sono, pensar que é inútil, sentir-se um
peso para os outros ou ter vontade de morrer, são sinais a que deve estar
atento e, segundo os especialistas, são razões para procurar ajuda médica (…)
estima-se que mais de um quinto dos portugueses sofra de perturbação
psiquiátrica”. Quase a concluir o artigo, é referido o relatório “Health at a
Glance 2018”, deixando a ideia que Portugal está entre os países com maior
prevalência de demência: “20 em cada mil habitantes sofrem de doenças mentais”.
Quais serão as razões que levam a que um
país, nestas circunstâncias, seja rotulado como tendo o povo mais feliz do
mundo? Serão estereótipos criados ao longo de anos? É que não bate certo quando
se fala de mentalidade melancólica, não haver manifestações de alegria, com uma
forte prevalência de suicídio (embora em fase de abrandamento), sendo um facto
o pouco sol durante o ano. Por outro lado, genericamente, o povo português, a
par da tendência para a nostalgia – não será por acaso que o fado tem vingado
–, manifesta uma genuína alegria, particularmente no Norte, mesmo estando longe
do nível de vida e dos apoios sociais existentes na Finlândia. E por que será
que tendo Portugal muito sol, existe tão elevada prevalência de doenças mentais?
Este inverno tem sido muito chuvoso,
com demasiado tempo nublado – tendencialmente a Norte –, levando a que haja
registo de imensas semanas sem se ver o sol. Admitamos que este tempo deixa as
pessoas neuróticas, afetando o equilíbrio emocional, o sono, a produção, em
suma, a vida de cada um. Como se não bastasse o tempo, há preocupações extra
com: a rápida difusão do coronavírus; a ambiência da corrupção generalizada e,
particularmente, no seio da justiça a envolver juízes; casos pontuais de racismo,
violência, xenofobia e intolerância, amplificados com demasiado ruído… A
discussão e aprovação na Assembleia da República da despenalização da
eutanásia, também não terá ajudado, quando era suposto o foco estar na
resolução da falta de cuidados paliativos.
Finalmente, surgiu o esplendoroso sol,
mesmo que apenas por alguns dias seguidos!
Parece que ganhámos alma nova e
passámos a encarar a vida com outro olhar e um sentimento de maior leveza. Até
já se repara no desabrochar das flores. E é nesta nova ambiência que extravasa
a alegria. Imagine-se a seguinte cena caseira, quando uma pessoa, até então afetada
negativamente pela falta de sol, começa a cantarolar brejeirices da música tradicional/popular
portuguesa do Quim Barreiros, Augusto Canário Rosinha, logo que o sol mostra o seu ar
sorridente (tal como as crianças o imaginam e pintam):
– “Ponho o carro, tiro o carro, à hora
que eu quiser / Que garagem apertadinha, que doçura de mulher / Tiro cedo e
ponho à noite, e às vezes à tardinha / Estava até mudando o óleo na garagem da
vizinha…”
Admirada com esta mudança de humor, ela
tenta ironizar e lança umas farpas:
– Ó homem, o que é que te deu? Deixa
lá o carro e vai mas é de bicicleta, para ver se queimas as banhas!
Ele, aproveita a deixa e prossegue com outra
cantiga encadeada:
– “Andam todos loucos para montar / Na
bicicleta da Mariazinha / Eu também estou doido p’ra falar com ela / Se ela me
deixar também dou uma voltinha…”
– Olha este!... Dar uma voltinha… tu
nem podes com um gato pelo rabo!
– “Mas o que eu amo de paixão /São gatinhas,
podem crer / São mais doces, mais ternurentas / são lindas de morrer. Às vezes
até à noite / É de gatas que acabo de falar / Pode até parecer estranho / Mas
não tenho culpa de gostar. É de gatas, é de gatas que eu gosto…”
– Olha lá… e de ratas, não gostas?
– “Sempre gostei de mulher / Que não me
dê chatice / Porque há aí muita menina / Que tem muita ratice. Namorei uma
cachopa /Por simples brincadeira / E quando quis sair / Estava preso na
ratoeira. Era uma songa-monga / Boazinha e sensata / Tinha cara de anjinho /
Mas fina como uma rata…”
– Ai, ai!... Isso é comigo ou o sol
queimou-te os fusíveis? É que essa cabecinha deve estar a delirar!
– “Pezinho com pezinho, ai, ai, ai /
Perninha com perninha, ai, ai, ai / Encosta a cabecinha, encosta, encosta /Do
roça, roça é que a malta gosta…”
– Desisto! –
diz ela, por não conseguir acompanhar a pedalada do marido.
Acredito que com esta nova mudança de
tempo – muita chuva e céu cinzento de volta –, já não daria vontade de cantar,
em ritmo de samba: “Chupa Teresa! Chupa Teresa! Qu’este gelado gostoso / É
feito de framboesa! Há gelado de morango / Baunilha e abacaxi / As garotas do
meu bairro / Vêm todas chupar aqui!”. Provavelmente, alguém não acharia graça e
faria chover ainda mais críticas por metro quadrado do que a própria água da
chuva, exigindo que se seja “politicamente correto”. Viu-se neste Carnaval –
época em que se diz que “ninguém leva a mal” –, onde há temas tabus, com
abordagem proibida, tal como a está a ser na sociedade, de forma doentia, ao
longo de todo o ano.
Segundo Almada Negreiros: “A alegria é
a coisa mais séria da vida”.
Alheio a tudo isto, quando brilha o sol
a vida passa ter mais fulgor!
© Jorge Nuno (2020)
[1] 29 de
setembro de 2019.
[2] 5 de
outubro de 2019, com artigo assinado por Elsa Custódio e Edgar Nascimento.
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