DE REPENTE…
De
repente… os casos fraturantes no país, causadores de polémicas e
descontentamento aguerrido, desaparecem como que por magia.
De
repente… deixa de se falar:
–
na extração de lítio em áreas protegidas, que apresenta consequências nefastas
para populações e ambiente;
–
no futuro aeroporto internacional do Montijo, a criar na Reserva Natural do
Estuário do Tejo, e nos restantes aeroportos do país, que habitualmente nos
picos de tráfego, e até em condições normais, “rebentam pelas costuras”;
–
nos transportes públicos, como motivo de queixa sistemática, por serem
suprimidos, insuficientes, obsoletos ou sem condições para absorver tantos
passageiros, após redução dos custos dos passes sociais;
–
no preço dos combustíveis, pelas piores razões, que subia paulatinamente e era
fruto de receita fiscal abusiva, tornando-o dos mais caros da Europa;
–
nas cidades sobrelotadas de veículos automóveis, com custos de estacionamento e
fiscalização provocatórios e exagerados, e nos efeitos decorrentes da poluição
atmosférica;
–
nas cobranças elevadas nas portagens das autoestradas, incluindo aquelas em que
era suposto, desde o início, serem “sem custos para o utilizador”, mas que levam
milhões de euros diários para os bolsos de alguns, que em nada contribuem para a
riqueza do país;
–
na construção desordenada junto à orla costeira, com projetos aprovados sob
suspeita de corrupção, mesmo sabendo da inevitável subida da água do mar;
–
no consumismo desenfreado e a viver-se acima das possibilidades, com um
crescente aumento de famílias endividadas;
– na eutanásia, que tem inflamado
a sociedade portuguesa e a vida política num esgrimir de argumentos, ficando
agora como que num silêncio de casa mortuária;
–
no futebol e violência correlacionada, que arrasta paixões exacerbadas, a
ocupar imensas horas de programação diária nos canais de televisão noticiosos e
desportivos;
– nos lóbis que imperam e
comandam nos gabinetes da democracia representativa;
– nos preços especulativos
na habitação, hotelaria e restauração, entre outros, em boa parte por Portugal
ser considerado o melhor destino turístico europeu, pelo terceiro ano
consecutivo;
–
nos casos mediáticos de políticos, banqueiros, gestores, juízes, militares,
agentes desportivos, hacker Rui Pinto (que trouxe à luz do dia negócios
escuros)… todos com processos a decorrer na justiça;
–
nos muitos milhares de milhões de euros engolidos, pela banca, aos vários
Orçamentos de Estado e esses bancos a ser engolidos por tubarões;
(…)
Por
enquanto, ainda não se descobriu qual a resposta para as seguintes questões: e
agora, banca, qual vai ser o teu papel? entras em cena, pelas melhores razões,
és engolida por tubarões ainda maiores, abres insolvência, ou esperas esta
oportunidade para continuar a sangria?
Mas
de repente… com alguma incredibilidade, descobre-se que:
– já não há atividade
cultural e desportiva; hotéis estão às moscas; alguns restaurantes só funcionam
em regime de takeaway; comércio, indústria e serviços públicos e
privados encontram-se encerrados; adotam-se e criam-se regras para o teletrabalho;
suprimem-se transporte públicos, que ficam confinados a um terço da lotação;
cancelam-se ligações aéreas; fecham-se fronteiras… em suma: o país para;
–
as pessoas “imprescindíveis”, com empregos seguros, afinal ficam na
contingência de não o serem, podendo engrossar as listas de desempregados, ou
as suas empresas entrarem em situação temporária de lay-off, com redução
de horário e perda parcial de vencimento;
–
há fragilidades grosseiras nos serviços públicos de saúde, por falta de
investimento e de preparação para lidar com situações epidémicas, negligenciando
a saúde e a vida, não só dos cidadãos, como dos próprios profissionais de saúde;
–
a valiosa Constituição da República Portuguesa, em parte, é metida na gaveta, passando
a considerar-se crime de desobediência quando qualquer pessoa não respeite o
isolamento social com caráter obrigatório, logo, quando é metida
compulsivamente em casa;
– as pessoas, a
solidariedade e a família passam a ser o mais importante e, finalmente, já há
tempo para a família, pese embora a constatação de dificuldades no
relacionamento prolongado dentro de portas e da incompreensão, por parte de
crianças, do por quê da falta de beijos e abraços, ou da razão de não poderem
ir a casa dos avós;
–
apesar da debandada de muitos voluntários, houve acolhimento, mesmo que
temporário, em abrigos para os sem-abrigo, continuando a ser-lhes prestado
auxílio;
–
prolifera o bom-humor nas redes sociais, aligeirando a carga emocional;
– é evidente o
reconhecimento da população pelo trabalho dos profissionais de saúde;
–
a vida é um bem a preservar e cada um de nós tem, igualmente, o dever de preocupar-se
com o bem-estar coletivo;
–
após o enorme esforço de vários países da União Europeia [UE] que levou à
criação do Tratado Schengen, com abolição do controlo de fronteiras internas
dos Estados-membros e de outros Estados Associados, é a Comissão Europeia [CE]
que se vê obrigada a mandar encerrar todas as fronteiras, perante os efeitos
deste inimigo invisível. De repente… quando até há poucas semanas entravam,
diariamente no espaço europeu, milhares de migrantes oriundos do Médio-Oriente
e África, agora, com perplexidade e aflição, veem-se barrados cidadãos
comunitários nas fronteiras dos mesmos Estados-membros a que pertencem;
– é nesta ambiência de mar revolto que se
descobrem os verdadeiros timoneiros e espera-se que caiam, desmascarados, os
líderes mundiais, estúpidos, populistas e inconscientes.
O
diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Ambiente referiu, em
2015, com base em estimativas da OMS, que “todos os anos a poluição do ar causa
sete milhões de mortes prematuras no mundo”. Sabe-se que destes, um milhão de
mortes prematuras ocorria na China e, em França, cerca de 48.000.
É afirmado também que “para limitar o aumento da temperatura global [no
planeta] a 1,5 º C acima da era pré-industrial, seria preciso reduzir em 7,6%
ao ano as emissões de gases com efeito de estufa”. Os especialistas entendem
que em 2020 esse número pode ser atingido, baseado em estudos e imagens de
satélite da NASA e da Agência Espacial Europeia. Estas imagens mostram-nos,
claramente, quais os efeitos colaterais desta pandemia do Covid-19 e das
medidas drásticas adotadas pelos países mais atingidos: a despoluição “forçada”
pela inatividade do setor industrial e descida drástica da circulação aérea,
marítima e terrestre.
François
Gemenne[1] faz uma afirmação que, até
certo ponto, parece surpreendente: “Por incrível que pareça, acho que o número
de mortes devido ao coronavírus pode acabar por ser um mal menor, dadas as
[possíveis] mortes por poluição do ar”.
Anthony
William, refere[2]:
“No século XX, a medicina fez grandes progressos na área da virologia… mas tudo
isso foi varrido para baixo do tapete. Como não havia financiamento para levar
essas descobertas até ao nível seguinte, deixaram esses médicos espantosos à
deriva quando as suas descobertas acerca de certos vírus foram, em grande
medida, ignoradas”.
De
repente… a CE, que tudo tem feito para ter um controlo absoluto sobre os
orçamentos de cada Estado-membro, fazendo imposições, algumas mesquinhas e
inadequadas à realidade do país, agora dá carta branca a cada um desses Estados
para gastar o que for preciso no combate ao novo coronavírus. Por antecipação,
seria bem mais vantajoso, económica e socialmente, que a estratégia de
investimento da UE tivesse abrangido a adequada investigação em virologia.
De
repente… a população, apesar de preocupada, tem melhor qualidade do ar; e a mãe
natureza agradece.
De
repente… questionamo-nos:
–
não estaria mesmo a ser necessário este momento de paragem forçada, para
pensar?
–
não se estará a escrever direito por linhas tortas?
Tudo
será diferente pós Covid-19. E a solução passa por cada um de nós. Renasçamos
com maior consciência cívica, mais interventivos, mais solidários, mais
humanos!
© Jorge Nuno (2020)
[1] Diretor
do Observatório Hugo.
[2] In
“Médico Médium – Segredos da Cura de Doenças Crónicas e Misteriosas”, Ed.
Pergaminho.
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